Controvérsias relativas ao DIFAL ICMS em 2022: anterioridades anual e nonagesimal, gross up inconstitucional e restituição de valores pagos na aquisição de bens de consumo e ativo imobilizado
Vinícius Vasconcelos
O ano começou agitado nas discussões tributárias com a sanção da Lei Complementar nº 190 no dia 5 de janeiro de 2022 (1). A legislação estabelece normas gerais sobre a cobrança do DIFAL de ICMS, valor a ser pago aos Estados dos destinatários em operações interestaduais destinadas a consumidores finais, sejam eles contribuintes ou não contribuintes do ICMS.
No ano passado (2), o Supremo Tribunal Federal (“STF”) entendeu que as cobranças de DIFAL em operações destinadas a consumidores finais não contribuintes (nas vendas do varejo, em geral) dependem da edição de uma lei complementar geral para definir os contribuintes, o momento de ocorrência do fato gerador e a substituição tributária. Seguindo a tendência dos últimos anos, o STF modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e expressamente afirmou que a cobrança em 2022 dependia de lei complementar.
O projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional e enviado à sanção no final de 2021, mas foi sancionado apenas em 2022. Em seu art. 3º (3), há a regra de que a produção de efeitos observará o art. 150, III, c, da Constituição. Esse dispositivo prevê a impossibilidade de cobrar tributos antes de noventa dias após a publicação da lei, além da necessidade de observar o art. 150, III, b, da Constituição, de acordo com o qual a instituição ou aumento de tributo apenas pode se dar no ano seguinte (4).
A rigor e em regra, uma lei complementar por si só não institui tributos. Essa é uma competência da lei ordinária. Apesar disso, a opção de produção de efeitos feita pelo Congresso Nacional para a Lei Complementar nº 190 não encontra nenhum obstáculo, razão pela qual é constitucional e não pode ser contrariada por qualquer Estado.
Apesar disso, não são infrequentes as leis ordinárias e decretos estaduais em descompasso com as leis complementares, o que torna praticamente certo que os Estados cobrarão o DIFAL em 2022, ao menos a partir de abril.
Diante disso, cabe aos varejistas e aos adquirentes de bens de uso e consumo e de ativo imobilizado em operações interestaduais buscar respaldo no Poder Judiciário para evitar o pagamento do tributo neste ano, em razão da inconstitucionalidade.
Mais do que isso, é possível pedir, inclusive, que não haja cobrança até que seja editada nova lei ordinária em cada Estado após a edição da Lei Complementar. Isso porque o STF, ao modular os efeitos das decisões, considerou necessária a ratificação das leis existentes para cobrança do DIFAL sobre operações destinadas a consumidores finais não contribuintes. O voto do mérito do Redator do acórdão chega a considerar que as leis seriam válidas, porém ineficazes. Em outro momento do voto, o Relator afirma a necessidade de ratificação das leis ordinárias publicadas.
Outro aspecto passível de questionamento é o mecanismo de gross up instituído pela legislação complementar, que faz com que a mesma operação tenha duas bases de cálculos, uma para o Estado de origem e outra para o Estado do destinatário, conforme §6º e 7º incluídos no art. 13 da Lei Kandir (5). Para o Estado do destinatário, deve-se utilizar a alíquota interna, de modo a tratar a operação interestadual como se fosse uma operação interna. Contudo, ao criar uma base de cálculo que ultrapassa os limites da mensuração do fato gerador, há violação contra a capacidade contributiva, assegurada constitucionalmente aos contribuintes.
Além disso, a Lei Complementar nº 190/2021 introduziu normas gerais para operações interestaduais destinadas a contribuintes, o que ocorre quando há aquisição para bens de uso e consumo e ativo imobilizado (6). Essa introdução realçou a inexistência de lei complementar sobre o tema. Assim, a princípio, é possível defender que as normais gerais também são imprescindíveis nesta hipótese, pois, assim como no caso julgado pelo STF, que tratou apenas das operações destinadas a consumidores finais não contribuintes, não havia definição dos contribuintes, nem do momento de ocorrência do fato gerador.
Em todos os casos, é altamente recomendável que os contribuintes busquem o Poder Judiciário o quanto antes, pois o STF tem adotado modulações de efeitos que ressalvam apenas os contribuintes que ingressaram com ações judiciais.
Mais informações sobre as controvérsias do DIFAL em 2022 podem ser obtidas com a equipe de contencioso de direito tributário do VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp190.htm. Acesso em: 18 jan. 2021.
(2) STF. RE 1287019. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Minº MARCO AURÉLIO. Redator(a) do acórdão: Minº DIAS TOFFOLI. Julgamento: 24/02/2021. Publicação: 25/05/2021.
(3) Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
(4) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.
(5) Art. 13 (...) § 6º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso IX do caput deste artigo:
I - a alíquota prevista para a operação ou prestação interestadual, para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de origem;
II - a alíquota prevista para a operação ou prestação interna, para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de destino.
§ 7º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso X do caput deste artigo, a alíquota prevista para a operação ou prestação interna no Estado de destino para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação.
(6) Por exemplo, inciso XV incluído no art. 12 da Lei Kandir:
XV - da entrada no território do Estado de bem ou mercadoria oriundos de outro Estado adquiridos por contribuinte do imposto e destinados ao seu uso ou consumo ou à integração ao seu ativo imobilizado.