Como instituir um modelo híbrido de trabalho em consonância com a legislação trabalhista
Mariane Andrade Monteiro
Não é novidade o fato de a pandemia da COVID-19 ter acelerado a reestruturação do modelo de trabalho existente nas organizações e afastado o estigma de diminuição da produtividade dos profissionais que trabalham em regime de home office.
Após longo período de isolamento social, o retorno às atividades presenciais já é realidade e a adoção do regime híbrido – ou misto – de trabalho passa a ser uma preferência entre os trabalhadores e para algumas empresas que experimentaram a diminuição de custos com os seus espaços físicos durante a pandemia.
Uma pesquisa feita recentemente pelo Great Place to Work (1) indica que 77,7% das empresas irão adotar o regime híbrido, 12,7% o remoto e 9,6% o presencial. Já 64,7% dos colaboradores desejam um modelo de trabalho híbrido, 16,4% atuar integralmente em home office, 11,3% atuar presencialmente e 7,6% ainda não sabe.
Em que pese a notada preferência pela adoção do modelo híbrido de trabalho, no qual os empregados revezam entre a prestação de serviços de forma presencial nas dependências da empresa e o formato remoto, a forma de implementação e a condução deste regime torna-se um desafio para os empregadores, especialmente pelas lacunas existentes na legislação trabalhista sobre o tema.
A Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) (2) não disciplina de forma específica o regime híbrido, motivo pelo qual deve-se interpretar e conciliar as previsões relativas ao trabalho presencial e teletrabalho.
Assim, com base no artigo 75-C da CLT, para instituir um modelo híbrido de trabalho a primeira providência a ser tomada pelas empresas é a celebração de um acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, que deverá conter expressamente as condições acordadas entre as partes.
Para as grandes e médias empresas, sugere-se a negociação com o Sindicato dos empregados sobre as condições do regime de trabalho a ser adotado, uma vez que o artigo 611-A da CLT confere poder normativo aos acordos e convenções coletivas.
Após a negociação individual ou coletiva, o próximo passo a ser seguido é a atualização da documentação trabalhista e a sua formalização por meio de aditivos ao contrato de trabalho, nos quais deverão constar as previsões detalhadas sobre todas as questões que envolvam a prestação de serviços na modalidade remota e presencial, tais como a concessão do vale-transporte e ajuda de custo, controle de jornada, fornecimento de equipamentos, provisioridade do regime híbrido, dentre outros.
O artigo 2º da CLT confere ao empregador o poder diretivo do negócio e por isso ele tem o direito de estabelecer os dias em que o empregado deverá comparecer presencialmente na empresa, do mesmo modo em que poderá alterar o regime de trabalho híbrido para exclusivamente presencial. Todavia, para evitar prejuízos ao empregado, este deve ser cientificado da alteração com no minimo 15 dias de antecedência.
É importante que as cláusulas contratuais relativas ao trabalho híbrido sejam completas a ponto de estabelecer os dias em que será realizado o trabalho de forma remota e presencial, bem como a possibilidade de alteração do regime, com os respectivos prazos e hipóteses de convocação, o que certamente irá garantir maior segurança às partes.
De acordo com os artigos 75-C e 75-D da CLT, o aditivo contratual também deverá esclarecer as atividades realizadas e a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como se haverá algum tipo de reembolso de despesas arcadas pelo empregado e, em caso positivo, como ele será feito.
É certo que a adoção de qualquer novo modelo de trabalho deve ser precedida de um planejamento trabalhista para evitar riscos e aumento do passivo, por isso, além das formalizações e alterações contratuais, recomenda-se a estruturação de uma política interna sobre as definições do modelo adotado.
Uma boa opção é a elaboração de manuais de fácil compreensão, contendo informações claras acerca da segurança e ergonomia no trabalho, confidencialidade, segurança e responsabilidade pelas informações e dados acessados no sistema da empresa.
Quanto ao controle de jornada – um dos grandes desafios dos empregadores e juristas – destaca-se que o regime híbrido de trabalho não deve ser equiparado ao teletrabalho.
Como sabido, o artigo 74 da CLT prevê a obrigatoriedade de controle de jornada pelo empregador que possua mais de 20 empregados, excetuando aqueles que trabalhem em jornada externa, exerçam cargo de confiança ou atuem em teletrabalho.
Por outro lado, o artigo 75-B da CLT conceitua teletrabalho como sendo aquele em que a prestação dos serviços ocorre de forma preponderantemente fora das dependências do empregador, o que não necessariamente acontecerá no formato híbrido.
Deste modo, enquanto não existir legislação específica ou entendimento jurisprudencial consolidado em sentido contrário, por cautela, é aconselhável que as empresas exerçam o controle de jornada dos empregados submetidos ao regime híbrido durante os dias de trabalho remoto, com o consequente pagamento de eventuais horas extras e adicional noturno.
A propósito, o artigo 74, §4º da CLT autoriza a adoção do “ponto por exceção” como modalidade de controle de jornada do trabalho híbrido, que consiste na anotação apenas das horas extras laboradas, sem necessidade de anotação da jornada contratual quando esta não ultrapassar o limite contratual ou legal. Vale ressaltar, contudo, que a adoção da referida modalidade de controle de jornada depende, necessariamente, de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
Mas se ainda assim a empresa optar pela ausência de controle de jornada dos empregados em regime híbrido nos dias de trabalho remoto, a alternativa que traz maior segurança jurídica ao empregador é a inclusão desta condição na norma coletiva elaborada junto com o Sindicato dos empregados, justamente pela força do artigo 611-A da CLT, que confere prevalência do acordado sobre o legislado.
Ante todo o exposto, conclui-se que a melhor maneira de implementar um novo modelo de trabalho – evitando riscos trabalhistas e assegurando os direitos dos empregados – é por meio da negociação individual ou coletiva procedida de aditivos contratuais, os quais devem ser completos, detalhados e devidamente cumpridos.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Mariane Andrade Monteiro
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) Relatório Futuro do Trabalho GPTW® 2021. Disponível em: https://conteudo.gptw.com.br/relatorio-novas-formas-de-trabalho?_ga=2.98234207.1965274854.1639662957-638967235.1619040257. Acesso em: 18 jan. 2022.
(2) Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 18 jan. 2022.