Em busca de facilitar o índice a ser usado no reajuste de locações residenciais, surge o IVAR
Arthur Batista
Há poucos meses, a Fundação Getúlio Vargas (“FGV”) anunciou a criação de novo índice para reajuste de valores de aluguéis em locações residenciais (“Locações”). Com isso, será possível aplicar às Locações índice específico, capaz de refletir a realidade vivida pelas partes contratantes no âmbito das Locações, de forma mais fiel à realidade do segmento.
A lei que rege as relações entre locador e locatário em locações residenciais, a Lei Federal nº 8.245/91 (“Lei do Inquilinato”), em seu artigo 18, prevê a possibilidade de as partes fixarem os novos valores de aluguel (1). Dessa forma, a definição de qual índice ou fórmula de reajuste contratual a ser aplicado sempre ficará a cargo das partes. E, para evitar controvérsias, é recomendável, portanto, definir qual será o indexador de reajuste anual do valor do aluguel desde o momento da celebração de um contrato, de comum acordo.
Algumas organizações como a FGV, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (“IBGE”) e até mesmo o Banco Central do Brasil (“BACEN”) disponibilizam grande variedade de opções de indexadores econômicos para orientar a recomposição do poder de compra da moeda nos diversos segmentos. E, no que diz respeito às Locações, até então não existia indexador específico capaz de medir a progressão dos preços dos aluguéis nesses tipos de contratos.
Embora haja uma série de opções de índices de atualização monetária, quando se trata de contratos de aluguel, atualmente, nota-se, como prática do mercado, a utilização de dois índices: (i) Índice Geral de Preços do Mercado (“IGP-M”); ou (ii) Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (“IPCA”).
O IPCA é um índice calculado pelo IBGE e é o resultado de pesquisas mensais referente à variação de 430mil preços cobrados à vista do consumidor em 13 diferentes áreas urbanas no país, ou seja, por ele mede-se o real custo de vida das famílias. É medido, também, o peso que cada categoria representa dentro do orçamento mensal das famílias. As categorias consideradas para o índice são: alimentação e bebidas, artigos de residência, comunicação, despesas pessoais, educação, habitação, saúde e cuidados pessoais, transportes e vestuário (2). Trata-se de um índice oficial usado pelo BACEN para monitorar a taxa de inflação no Brasil, e ele norteia o BACEN sobre a fixação da taxa de juros básica, a SELIC, se deve aumentar ou diminuir conforme o resultado do IPCA.
Ao passo que o IGP-M é calculado por uma instituição privada, a FGV, e o objetivo deste índice também é medir a variação de preços, ele considera, entretanto, a média de três outros índices: Índice de Preços ao Consumidor (30%), Índice de Preços por atacado (60%) e Índice Nacional da Construção Civil (10%). Portanto, o IGP-M leva em conta não só os preços ao consumidor (como o IPCA), mas grande parte dele é composto por preços de matérias-primas agrícolas e industriais, itens que sofrem grandes variações por interferências do Dólar americano.
Nota-se, portanto, que tais indexadores muitas vezes não conseguem traduzir com precisão a variação dos preços de aluguéis. Um exemplo recente dessa inadequação para atualizar o preço dos aluguéis foi um aumento expressivo do IGP-M no último ano.
Em 2021, em razão da pandemia causada pela COVID-19, bem como da desvalorização do Real frente ao Dólar americano, muitos locatários foram surpreendidos por elevados reajustes de seus aluguéis residenciais corrigidos pelo IGP-M (3). Este chegou a registrar uma elevação acumulada de mais de 37% (maio de 2021). Essa distorção no reajuste dos aluguéis deu causa a muitas controvérsias nas relações locatícias afetadas. Em alguns casos, foram propostas ações revisionais de contratos de locação, com o objetivo de substituir o índice de reajuste contratualmente definido (IGP-M) pelo IPCA (4).
Tal situação deixa claro que o IGP-M, muitas vezes, não se mostra adequado para corrigir os preços das Locações. Afinal, como referido acima, ele é um índice criado para o mercado de compras por atacado, materiais de construção, entre outros, mas não para locações, especialmente residenciais.
Atenta à demanda por um índice capaz de traduzir de forma mais clara e justa a progressão dos preços nos contratos de locação, a FGV criou um índice, batizado de “Índice de Variação de Aluguéis Residenciais” (“IVAR”). Ele é composto por dados de contratos de locação residencial em quatro capitais brasileiras, a saber: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A intenção da FGV é prospectar mais participantes de mercado para estender a base de dados do índice ao maior número possível de capitais e regiões (5).
O IVAR surge como uma ferramenta viável e mais adequada para indexação do aluguel residencial. De acordo com a FGV (6), os dados utilizados para o cálculo do índice são captados diretamente de uma base expressiva de contratos de aluguel e levam em conta o valor real firmado entre as partes e não necessariamente o valor ofertado inicialmente.
Nesse sentido, explica Paulo Picchetti, um dos coordenadores na criação do IVAR: “não se trata de mais um índice baseado na oferta de preços de aluguel, mas sim efetivamente de um índice dos preços praticados no mercado em contratos de aluguel” (7).
E é justamente a metodologia utilizada na obtenção do índice que torna real a possibilidade de que o IVAR se torne importante instrumento para os reajustes dos contratos de aluguel residenciais.
Com relação à aplicação do IVAR nos contratos de locação novos, é possível estipular a incidência imediata. Nos contratos em curso, recomenda-se que eventual alteração do índice para o IVAR deve ocorrer por meio de termo aditivo contratual.
Ainda que recente, o IVAR já mostra ser um índice bem diferente do IGP-M e do IPCA. Prova disso é o fato de que o IVAR registrou alta de 1,86% para o mês de janeiro de 2022, com variação acumulada em 12 meses em 1,23% (8). Enquanto isso, o IGP-M registrou uma alta de 1,82% para o mesmo mês, o que a princípio parece menor, mas sua variação acumulada em 12 meses está em 16,91% (9).
Em dezembro de 2021, ano em que os contratos de locações foram extremamente afetados pelas variações de índices de mercado, o acumulado de 12 meses do IVAR foi registrado em -0,61% (10), ao passo que IGP-M e IPCA registraram acúmulo em alta de 17,78% (11) e 10,06% (12), respectivamente.
Ainda segundo Picchetti, o intuito com o IVAR é oferecer uma informação de melhor qualidade para o público. Ele afirma: “O uso que vão fazer nós não temos controle, mas a experiência mostrará se terá adesão ou não” (13).
Embora tenha potencial para se tornar o índice-padrão de reajuste de contratos de locação não residencial, o IVAR só conseguirá desempenhar seu papel se a própria sociedade nesse sentido decidir. As entidades que produzem esses índices buscam fazê-los sempre com transparência e excelência, mas, apenas à medida que os contratos de aluguel passem a ser indexados pelo IVAR, tornando seu uso mais comum, é que sua contribuição será efetivamente sentida.
O VLF Advogados, sempre atento às novidades do mercado e, especialmente, às necessidades de seus clientes, possui equipe especializada de consultoria em contratos, inclusive com elaboração de contratos de aluguel residencial ou não residencial. Caso queira saber mais sobre esse assunto, basta entrar em contato conosco.
Arthur Batista
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 18 fev. 2022.
(2) IGP-M: o que é o índice, tabela anual, mensal e acumulado. BTG Pactual. Disponível em: https://www.btgpactualdigital.com/como-investir/artigos/financas/igp-m-o-que-e-o-indice. Acesso em: 18 fev. 2022; IPCA: o que é, como é calculado e sua relação com outros índices. BTG Pactual. Disponível em: https://www.btgpactualdigital.com/como-investir/artigos/financas/ipca-o-que-e. Acesso em: 18 fev. 2022.
(3) IGP-M: Resultados 2021. FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/igp-m-resultados-2021?utm_source=portal-fgv&utm_medium=fgvnoticias&utm_id=fgvnoticias-2022-01-07. Acesso em: 18 fev. 2022.
(4) Dentre as diversas ações propostas, conferir: (i) TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.087064-8/001, Rel. Des Domingos Coelho, julgamento em 28/10/2021; (ii) TJSP - Agravo de Instrumento 2122988-57.2021.8.26.0000; Rel. Luís Roberto Reuter Torro, julgamento em 14/02/2022.
(5) TIEGHI, Ana Luiza. Saiba se vale a pena trocar IGP-M pelo Ivar no aluguel. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/saiba-se-vale-a-pena-trocar-igp-m-pelo-ivar-no-aluguel.shtml#:~:text=O%20Ivar%20%C3%A9%20composto%20por,de%20Janeiro%20e%20Porto%20Alegre.&text=%22S%C3%A3o%20capitais%20importantes%2C%20mas%20que,do%20Brasil%22%2C%20afirma%20Teodoro. Acesso em: 18 fev. 2022.
(6) e (7) OLIVEIRA, Luiz Guilherme Schymura de. Por que o IVAR, Índice de Variação de Aluguéis Residenciais, pode ser muito útil? FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/ivar-indice-variacao-alugueis-residenciais-pode-ser-muito-util. Acesso em: 18 fev. 2022.
(8) IVAR: Índice de Variação de Aluguéis Residenciais avança 1,86% em janeiro de 2022. FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/ivar-janeiro-2022. Acesso em: 18 fev. 2022.
(9) IGP-M sobe 1,82% em janeiro de 2022. FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/igpm-janeiro-2022. Acesso em: 18 fev. 2022.
(10) IVAR: Índice de Variação de Aluguéis Residenciais sobe 0,66% em dezembro de 2021, aponta FGV IBRE. FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/ivar-dezembro-2021. Acesso em: 18 fev. 2022.
(11) DEZEMBRO de 2021. FGV. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/igp-m-resultados-2021-0#:~:text=Dezembro%20de%202021,alta%20de%2017%2C78%25. Acesso em: 18 fev. 2022.
(12) GOMES, Irene. Inflação sobe 0,73% em dezembro e fecha 2021 com alta de 10,06%. Agência IBGE. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/32725-inflacao-sobe-0-73-em-dezembro-e-fecha-2021-com-alta-de-10-06#:~:text=IPCA%20de%20dezembro%20fica%20em,novembro%20(0%2C95%25). Acesso em: 18 fev. 2022.
(13) MALAR, João Pedro. Entenda como é calculado o novo índice da FGV para valor de aluguéis. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/entenda-como-e-calculado-o-novo-indice-da-fgv-para-valor-de-alugueis/. Acesso em: 18 fev. 2022.