A polêmica sobre a exigência de preparo para agravo interno
Tamires Fernandes e Sílvia Badaró
O agravo interno, como se sabe, é o recurso cabível contra decisão proferida pelo relator nos tribunais como meio adequado para levar a discussão ao respectivo órgão colegiado, nos termos do art. 1.021 do CPC (1). A interposição do agravo interno também deve observar as regras do regimento interno do tribunal. A legislação atual conferiu maior abrangência ao recurso em relação à codificação anterior, que restringia o cabimento do agravo interno a poucas hipóteses de decisões monocráticas nos Tribunais (2).
A questão é que o agravo interno, geralmente, não implica custos adicionais de processamento para o Tribunal, pois se deve presumir que ele ataca uma decisão em recurso que já foi sujeito a preparo anterior, na forma do art. 1.007 do CPC (3). Não por outra razão, o CPC é silente quanto à exigência de preparo para esse recurso. Todavia, a polêmica reside justamente na possibilidade de se interpretar esse silêncio do legislador de outra forma. Se, por um lado, o legislador menciona expressamente a necessidade de comprovação do preparo (como se vê no art. 1.017, § 1º, do CPC, por exemplo), por outro, também menciona a respectiva desnecessidade (e.g. dos arts. 1.023 e 1.042, § 2º, do CPC) (4).
Na codificação anterior havia a determinação de preparo para recursos específicos (apelação, agravo de instrumento e recurso especial/extraordinário cf. art. 511 e 525, §1º, do CPC/73) (5). Em sentido contrário, portanto, o agravo interno não estava sujeito a preparo. Ainda assim, havia polêmica sobre a possibilidade de cobrança. Em 2007, porém, o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), ao se manifestar sobre um pedido de providência relacionado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (6), entendeu que a exigência de preparo para interposição de agravo interno pelos Tribunais violava a competência privativa da União para legislar sobre matéria processual (art. 22, I, da CR/88) (7). O entendimento era refletido na jurisprudência então adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) (8).
Posteriormente, porém, o STJ passou a exaltar a natureza recursal do agravo interno, admitindo a exigência de preparo, conforme art. 511 do CPC/73 (9), atual art. 1.007 do CPC:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO PREVISTO NO ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. EXIGÊNCIA DE PREPARO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que é possível a cobrança de preparo como requisito de admissibilidade de agravo interno interposto perante Tribunal local. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 847650 RJ 2016/0011449-3, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 01/09/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/09/2016)
O argumento de que as custas judiciais têm natureza de taxa e, assim, de que caberia à lei local estabelecer em quais recursos seria devido o preparo, conforme disposto no art. 145, II, da CR/88 (10), sem que houvesse violação da competência da União (11), também encontrou respaldo no STJ, autorizando a referida cobrança:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE PREPARO NO AGRAVO REGIMENTAL PREVISTO NO ART. 557, DO CPC. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. SÚMULA 83/STJ. 1. O acórdão recorrido adota a orientação da 2ª Seção, fixada no julgamento da Pet nos EREsp. 5.153/RJ,DJ 10.12.2007, no sentido de que "cabe ao Estado instituir, quando entender necessário, taxa judiciária, pois tal competência lhe é dada pela Constituição Federal. Não é dado ao STJ colocar-se na condição de legislador local e afastar a exigência da Lei". Aplica-se, na hipótese, a Súmula 83 do STJ. 2. Agravo interno provido para conhecer do agravo em recurso especial. Recurso especial não conhecido. (STJ - AgInt no AREsp: 1079649 ES 2017/0074205-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/08/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/09/2017)
Esse é o entendimento que prevalece desde então, embora a maioria dos Tribunais não exija o pagamento de custas para interposição do Agravo interno (12 e 13). Entretanto, não parece razoável que haja esta cobrança, uma vez que ele ataca decisões que foram proferidas em recurso já sujeito a esse preparo, sem inaugurar nova jurisdição.
Veja-se que, por analogia, não são devidas custas recursais no agravo interposto em recurso especial e extraordinário que não foram admitidos no Tribunal de origem. A opção do legislador aqui não é aleatória. De forma semelhante ao que acontece no agravo interno, o novo grau de jurisdição, a rigor, se inaugura na interposição do recurso anterior (no caso o recurso especial e/ou o recurso extraordinário), com o devido preparo. Não haveria acréscimo de serviço significativo, portanto, para justificar a nova cobrança.
De toda forma, o entendimento prevalecente é o de que não há óbice legal aparente para que os Tribunais Estaduais imponham preparo na interposição do Agravo Interno, desde que haja lei local autorizando sua cobrança. Daí porque o tema reclama atenção dos advogados, que deverão consultar o regimento interno de cada tribunal antes da interposição do recurso.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Tamires Batista Fernandes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sílvia Badaró
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
(2) Jr., Humberto T – Curso de Direito Processual Civil – v. 3. Disponível em: Minha Biblioteca, (54th edição). Grupo GEN, 2020, p.876.
(3) Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
(4) Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo. Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.[...] § 2º A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais, aplicando-se a ela o regime de repercussão geral e de recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação.
(5) Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída: [...] § 1 o Acompanhará a petição o comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando devidos, conforme tabela que será publicada pelos tribunais.
(6) Conselho Nacional da Justiça. Pedido de Providência nº 200710000009454. Relator Conselheiro José Adonis Callou. 23.10.2003.
(7) Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
(8) STJ - REsp: 435727 PR 2002/0058551-7, Relator: Ministro CASTRO FILHO, Data de Julgamento: 14/06/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01/07/2004, p. 189.
(9) Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
(10) Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos. III - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
(11) A norma regula o preparo, desde que exigido pela legislação pertinente. As despesas processuais em geral são taxas (STF-Pleno-JSTF 170/2021) e, por isso mesmo, se incluem no conceito de tributo (CF 145 II). Não pode ser exigido o pagamento de quaisquer taxas, sem lei anterior que as estabeleça (CF 150 I). Portanto, somente pode ser exigido o pagamento do preparo, como requisito de admissibilidade de recurso, e a consequente pena de deserção pela sua falta ou irregularidade, quando previsto expressamente em: a) lei federal, para os processos da competência originária ou recursal de órgãos judiciários federais (Justiça Federal - 1º e 2º graus [juízo federal e TRF], STF, STJ, TST, TSE e STM; b) lei estadual, para os processos da competência originária ou recursal de órgãos judiciários estaduais (juízo singular, TJ etc)” (Comentários ao Código de Processo Civil - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pág. 2.039, nota 3) NERY, Junior. - Comentários ao Código de Processo Civil - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pág. 2.039, nota 3.
(12) O Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe impõe o preparo para Agravo Interno no art. 214 do seu Regimento Interno. O Tribunal de Justiça do Estado do Acre estabelece, de forma indireta (cf. art. 69 do Regimento Interno).
(13) Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Resolução do Tribunal Pleno 003/2012. Art. 65. Os recursos, ressalvados aqueles amparados pela assistência judiciária ou isentos, serão preparados, na primeira instância. § 2º Não estão sujeitos a preparo na segunda instância: V - o agravo interno.