Possibilidade de pejotização reconhecida pelo STF
Lorena Carvalho Lara
Na sessão do dia 8 de fevereiro de 2022, a maioria do colegiado da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) considerou lícita a modalidade de contratação conhecida como pejotização (1).
O caso concreto envolveu a contratação de médicos pelo Instituto Fernandes Filgueiras (“IFF”), como Pessoas Jurídicas (“PJs”), mediante contrato de prestação de serviços com a empresa constituída pelos médicos, ocorrendo a pejotização, ao invés da contratação ter sido formalizada nos moldes tradicionais, via anotação na Carteira de Trabalho, com respectivo pagamento de salário e demais verbas típicas de um contrato de trabalho.
Entendeu-se que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que declarou a ilicitude da contratação como PJ, desrespeitou o entendimento do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) 324 e no Recurso Extraordinário (“RE”) 958252, com repercussão geral (Tema 725).
O Tema 725 refere-se à decisão que reconheceu lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, pois antes só era permitida a terceirização da atividade-meio.
Além disso, o Ministro Alexandre de Morais e os demais que o acompanharam nesse voto entenderam por relativizar os requisitos da relação de emprego, sob o fundamento de que o nível de formação dos trabalhadores envolvidos – com curso superior em Medicina – afastaria não apenas a hipossuficiência, mas a própria configuração do vínculo:
Segundo essa vertente, seguida pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, a pejotização é permitida pela legislação brasileira, e a apresentação dessa ação pelo MPT somente se justificaria se a situação envolvesse trabalhadores hipossuficientes. No caso, contudo, trata-se de escolha realizada por pessoas com alto nível de formação, e esse modelo de contratação é utilizado legalmente, também, por professores, artistas, locutores e outros profissionais que não se enquadram na situação de hipossuficiência. (1)
É importante destacar que a Reforma Trabalhista, instituída por meio da Lei nº 13.467, de 2017, alterando a CLT, em seu artigo 444 (2), parágrafo único, já havia reconhecido a figura do empregado hipersuficente, assim considerado o “portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS”, permitindo a relativização dos direitos trabalhistas na livre negociação entre as partes quando da celebração do contrato de trabalho.
A decisão em comento reconhece uma realidade brasileira: que o “empregado” que presta serviços como PJ, recebendo elevada remuneração e com alto nível de formação, apenas celebrou o contrato como PJ, com autonomia de vontade, e visando receber remuneração superior a que um empregado celetista recebe, e não com a intenção de fraude trabalhista.
Sabe-se que muitos candidatos, inclusive, colocam em seus currículos e têm preferência de serem contratados como PJ justamente para poderem receber um valor mais alto e claramente não estão tendo seus direitos trabalhistas violados, não havendo que se falar em fraude na contratação.
A intenção do contratante não é fraudar a legislação trabalhista, mas sim, formalizar o ajustado entre as partes, pois diante do alto custo do encargo trabalhista, permitirá, em contrapartida, que o contratado receba valores maiores do que receberia se fosse um empregado celetista.
O custo de um empregado celetista para uma empresa pode chegar até mais que o dobro de seu salário devido aos elevados encargos trabalhistas, influenciando o Custo Brasil.
Ressalta-se que na modalidade de contratação como PJ há o recolhimento de impostos decorrentes da prestação de serviços, mediante apresentação da respectiva nota fiscal.
Acontece que muitas vezes esses PJs que aceitam e pedem a contratação nessa modalidade, acabam ajuizando reclamatórias trabalhistas, com pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, alegando o preenchimento dos requisitos da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT e, em caso de procedência, é fixado como salário o valor mensal recebido enquanto PJ, bem como ainda recebem todos os direitos trabalhistas, tais como férias, 13º salário e FGTS.
Por essa razão, a decisão do STF é de extrema importância para reconhecer e validar a prática da pejotização em casos, como bem destacado, de alto nível de escolaridade e de valores envolvidos, evitando-se discutir posteriormente a forma em que ocorreu a contratação e afastando alegações de fraude trabalhista.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Lorena Carvalho Lara
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) 1ª TURMA afasta ilicitude de contratação de médicos como PJ por instituto da Bahia. STF. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=481399&ori=1. Acesso em: 18 fev. 2022.
(2) Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)