STF conclui que dispensa de licitação para a transferência de concessão é constitucional
Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
Em 9 de março, a maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.946/DF, proposta pela Procuradoria Geral da República (“PGR”) e concluiu que é constitucional o artigo 27 da Lei nº 8.987/1995, que dispensa licitação para a transferência de concessão e de controle societário. Vejamos a redação do artigo:
Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.
§1º Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
Na inicial da ADI, de acordo com a PGR, os contratos administrativos possuem caráter personalíssimo (natureza intuitu personae), do que decorreria a conclusão de que é inviável a alteração contratual subjetiva prevista no art. 27, da Lei nº 8.987/1995. Ademais, conforme doutrina colacionada, a PGR defendeu que a transferência da concessão significa a entrega do objeto da concessão a outra pessoa que não aquela com quem a Administração Pública celebrou o contrato, havendo a substituição indevida na figura do concessionário. Sendo assim, a única exigência legal para a transferência ou mudança de controle acionário é a anuência do poder concedente, sob pena de caducidade da concessão.
Ainda segundo a PGR, o art. 175 da Constituição exige que a concessão seja feita “sempre através de licitação”. Deste modo, argumentou que:
Sendo o concessionário eleito por um procedimento licitatório, admitir-se a possibilidade de transferência pura e simples da concessão mediante simples autorização do poder concedente significaria admitir-se a burla ao dispositivo constitucional e a burla aos princípios da licitação, já que assumiria o contrato uma pessoa que não participou do certame. (1)
No entanto, esta argumentação não foi acatada pela maioria do Plenário do STF.
Conforme o voto do Ministro Relator, Dias Toffoli, a finalidade de tal norma é permitir a continuidade da prestação dos serviços públicos nos casos em que as concessionárias não tenham mais condições de prosseguir à frente dos empreendimentos concedidos. Neste sentido, destaca que o contrato de concessão não é firmado com a pessoa do contratado propriamente, mas com a proposta comercial mais vantajosa, fazendo com que a possibilidade de substituição do concessionário seja garantia, em favor do Poder Concedente, para a devida execução contratual.
O Relator destacou, ainda, que a eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 27, da Lei nº 8.987/1995, e consequentemente dos seus atos de transferência, repercutiria nas Parcerias Público-Privadas e nos contratos de concessão de segmentos econômicos específicos, gerando séria instabilidade e insegurança jurídica para concessionárias e investidores. Além disso, concluiu que “toda a política estatal de financiamento, visando ao desenvolvimento social e econômico do país, ficaria inevitavelmente comprometida”.
Contudo, o Ministro-Relator ressaltou que a transferência da concessão ou do controle societário da concessionária deve cumprir os requisitos legais e ser objeto de controle de juridicidade pela Administração Pública.
As formalidades a serem cumpridas nestas hipóteses, são as seguintes:
(i) o objeto da concessão, por sua natureza e em razão de suas características particulares, deve admitir a transferência ou cessão;
(ii) inexistir norma legal vedando a transferência da concessão ou do controle societário para aquele contrato específico;
(iii) inexistir cláusula contratual expressa proibindo a cessão da concessão ou a transferência do controle acionário;
(iv) o certame licitatório não oferecer óbice à cessão da concessão;
(v) a transferência da concessão ou do controle societário não resultar de conluio para a transmissão da posição contratual a um concorrente; e
(vi) que não haja indícios de cartelização.
O entendimento de Toffoli foi acompanhado por Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Ficaram vencidos os ministros Luiz Edson Fachin, acompanhado por Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
Assim, na prática, do ponto de vista dos empreendimentos que envolvam concessões e parcerias público-privadas, as concessionárias poderão continuar fazendo a transferência de contratos e mudanças societárias, desde que aprovadas previamente pelo poder concedente e não incorram nas demais vedações apresentadas no voto do Ministro Dias Toffoli, acima elencadas.
O reconhecimento da constitucionalidade da regra, além de dar segurança jurídica às transações entre as empresas do setor, é importante instrumento de manutenção e continuidade dos serviços públicos, considerando o longo prazo desses tipos de contratos e as dinâmicas econômicas e de mercado.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.946/DF. Disponível em: https://bityli.com/nrpKk. Acesso em: 10 mar. 2022.