Procedimentos básicos para participação de estrangeiros em sociedades brasileiras
Letícia Camargos e Fernanda Vidigal
É comum, no meio corporativo, que os negócios empresariais envolvam operações transnacionais. A remoção das barreiras regulatórias e a manutenção de condições favoráveis a essas operações qualificam-se como pontos-chave na captação de investimentos e, como consequência, no desenvolvimento econômico de um país inserido na economia global. No Brasil, a captação desses investimentos sob a forma de participação societária (equity) tem suas regras gerais previstas na Lei nº 10.406/02 (“Código Civil”), na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.” ou “LSA”) e nas regulamentações emitidas pelo Banco Central do Brasil (“BCB”), pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), pela Receita Federal do Brasil (“RFB”) e pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”).
De tais normas, depreende-se que é possível que os estrangeiros adentrem nas estruturas societárias enquanto quotistas ou acionistas. Para tanto, existem duas hipóteses: (a) a participação societária de cidadão estrangeiro; e (b) a participação societária de entidade estrangeira. Observa-se, a seguir, os requisitos básicos dessas hipóteses.
(a) Participação societária de cidadão estrangeiro
Para a participação de um cidadão estrangeiro no quadro de sócios de uma sociedade brasileira, é necessário que o interessado, inicialmente, nomeie representante legal residente no país com poderes para receber citação em ações contra ele (1), além de se inscrever no Cadastro de Pessoas Físicas (“CPF”) (2). Ademais, caso o interessado não seja residente no Brasil, é necessário que ele também se registre perante o Cadastro Declaratório de Não Residentes (“CDNR”) controlado pelo BCB (3). Na sequência, deverá o estrangeiro se inscrever no Registro Declaratório Eletrônico (“RDE”) do BCB, com o intuito de posteriormente formalizar o investimento estrangeiro na sociedade brasileira (4).
Uma vez que esses cadastros e documentos estejam regularizados, o cidadão estrangeiro torna-se apto a constituir uma sociedade (5) ou integrar a estrutura societária de uma pessoa jurídica já existente no Brasil.
Por último, a respectiva sociedade brasileira deverá indicar à RFB o seu beneficiário final, que é a pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente a entidade (6).
(b) Participação societária de entidade estrangeira
No caso da participação de entidades estrangeiras em sociedades brasileiras, o procedimento é bastante similar ao dos cidadãos estrangeiros, possuindo diferenças apenas no que diz respeito à necessidade de obtenção de Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (“CNPJ”) para sociedade estrangeira. Assim, da mesma forma, deve-se proceder com a nomeação de representante legal residente no país, com poderes para administrar os bens e direitos da entidade estrangeira, receber citação e representá-la perante os órgãos públicos (7), bem como deve-se obter a inscrição da entidade estrangeira no CDNR. Na sequência, com o deferimento do CDNR, será emitido o CNPJ (8). Posteriormente, a entidade estrangeira deverá se inscrever no RDE do BCB, de modo a permitir a formalização do investimento estrangeiro na sociedade brasileira.
Os procedimentos descritos acima – tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas – atualmente são realizados majoritariamente online, o que facilita a operacionalização da entrada do investimento estrangeiro no país. Todavia, ainda há espaço para simplificações, como a centralização dos procedimentos em um único portal.
Após os passos acima descritos, a entidade estrangeira, assim como o cidadão estrangeiro, poderá integrar a estrutura societária de uma pessoa jurídica já existente ou constituir uma sociedade no Brasil, observadas as formalidades essenciais para os registros desses atos.
Além da participação de estrangeiros em sociedades brasileiras como investidores (sócios), ainda é possível que estes atuem ocupando cargos em órgãos da administração, seja de sociedades limitadas seja de sociedades anônimas. Nesse sentido, os artigos 997, VI do Código Civil e 146 da Lei das S.A., respectivamente, disciplinam que as pessoas naturais poderão ser eleitas como administradoras de sociedades, sem distinção de nacionalidade (9). Para aqueles que residem no exterior, é necessária a nomeação de representante legal residente no Brasil com poderes para receber citações, nos termos do §2º do artigo 146, LSA e artigo 12 da Instrução Normativa nº 81 do DREI (10).
O tema já foi objeto de análise por artigo publicado no Informativo VLF 74/2020, no qual se concluiu pela possibilidade de eleição de administradores estrangeiros para sociedades limitadas e anônimas, “sendo que, se forem conselheiros, poderão residir fora do país e deverão outorgar procuração a representante residente no Brasil com poderes para receber citação em ações fundadas na legislação societária, e, se forem diretores, deverão ser residentes do Brasil” (11).
Todavia, tal entendimento foi modificado após as alterações promovidas pela Lei nº 14.195/21 na Lei das S.A., que afastaram a referida obrigatoriedade de residência no Brasil para os diretores das companhias.
Assim, atualmente os estrangeiros podem atuar como administradores de sociedades brasileiras, seja como conselheiros ou diretores, independentemente de residirem ou não no país (12). Nesse último caso, deverão apenas observar a exigência de designação de representante legal residente no Brasil com poderes para receber citações.
Pelo exposto, o ordenamento jurídico brasileiro busca regulamentar a participação de estrangeiros, como administradores ou como sócios, em sociedades brasileiras, permitindo o relacionamento corporativo internacional e o ingresso de investimentos externos no país. Na onda da modernização do ambiente de negócios brasileiro, o principal desafio atual é encontrar formas de desburocratizar a participação societária estrangeira, incentivando o crescimento econômico do Brasil, sem perder de vista a manutenção da segurança jurídica.
Letícia Camargos
Trainee da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Fernanda Vidigal
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Nos termos do artigo 119 da Lei das S.A e do artigo 12, caput, da Instrução Normativa nº 81 do DREI.
(2) Artigo 3º, inciso I, alínea “c”, da Instrução Normativa nº 1.548 da RFB.
(3) Artigo 50, inciso II, da Circular nº 3.689 do BCB.
(4) Artigo 33, da Circular nº 3.689, e Artigo 5º, do Anexo I à Resolução nº 3844, do BCB.
(5) Nos casos de constituição, essa etapa deverá seguir as normas e os procedimentos tradicionais do registro do comércio, conforme a Instrução Normativa nº 81, modificada pela recém-publicada Instrução Normativa nº 112, ambas do DREI.
(6) Artigo 8º, caput, da Instrução Normativa nº 1.863 da RFB.
(7) Artigo 7º, §1º e Artigo 20, §2º, inciso IV, da Instrução Normativa nº 1.863 da RFB e artigo 12, caput, da Instrução Normativa nº 81 do DREI.
(8) Artigo 20, caput, da Instrução Normativa nº 1.863 da RFB.
Artigo 13 da Instrução Normativa nº 81 do DREI: “No caso de nomeação de brasileiro ou estrangeiro não residente no Brasil para cargo de administrador (membro do conselho de administração ou da diretoria) em sociedade anônima, a posse ficará condicionada à constituição de representante residente no País, nos termos do § 2º, do art. 146, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.”
(9) Artigo 997, VI, do Código Civil: “A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições.”
Artigo 146 da Lei das S.A.: “Apenas pessoas naturais poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração.”
(10) Artigo 146, §2º, da Lei das S.A.: “A posse de administrador residente ou domiciliado no exterior fica condicionada à constituição de representante residente no País, com poderes para, até, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do administrador, receber: I - citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária; e II - citações e intimações em processos administrativos instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de exercício de cargo de administração em companhia aberta.”
(11) ROCHA, Pedro Ernesto. VARGAS, Larissa. A administração de sociedades limitadas e anônimas por estrangeiros: panorama normativo e requisitos. Disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=842. Acesso em: 22 mar. 2022.
(12) Ressalta-se que este entendimento é válido tanto para as sociedades anônimas, como para as sociedades limitadas, ainda que o Código Civil não discipline expressamente os requisitos para a posse de administradores. Sobre o assunto, ver Despacho do DREI no processo nº 19974.102462/2021-14, disponível em: https://sei.economia.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?fqSARUWn7hYfByf1fFWEOh062ExzcPxpUOH5cxXunUjT4Of2PaJGYeC0am0C0udSKPrYCRe-np4JKKCJoNSQwubVePFbDOoLAF9xWdE1-sZ1oZZv3rlIs5qZY6ALarMX. Acesso em: 22 mar. 2022.