STF conclui que é inconstitucional o sigilo dos processos administrativos sancionatórios da ANTT/ Antaq, em face das concessionárias de serviço público
Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
Em 25 de fevereiro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.371/DF, proposta pela Procuradoria Geral da República (“PGR”) e concluiu que é inconstitucional o artigo 78-B da Lei nº 8.987/1995, que previa sigilo nos processos administrativos da Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“Antaq”) em caso de descumprimento de deveres estabelecidos em contratos de concessão. Vejamos a redação do artigo:
Art. 78-B. O processo administrativo para a apuração de infrações e aplicação de penalidades será circunstanciado e permanecerá em sigilo até a notificação do infrator.
§ 1º A Diretoria da Agência poderá estender o sigilo do processo até a decisão final, por meio de ato fundamentado, para assegurar a elucidação do fato e preservar a segurança da sociedade e do Estado.
§ 2º O dever de sigilo:
I - não prejudica o compartilhamento do processo quando requerido por órgãos de controle interno e externo.; e
II - é extensível às autoridades requerentes.
Na inicial da ADI, de acordo com a PGR, a publicidade dos atos estatais é a regra no Estado Democrático de Direito, sendo o sigilo admitido apenas excepcionalmente, à luz do artigo 5º, XXXIII e 37, caput e § 3º, II, da Constituição. Ademais, asseverou que a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) estabeleceu parâmetros objetivos para a decretação de sigilo pelo Poder Público apenas em hipóteses imprescindíveis para segurança da sociedade ou do Estado.
A Advocacia Geral da União (“AGU”), por outro lado, defendendo a constitucionalidade da norma impugnada, invocou dois fundamentos para justificar a restrição de acesso aos processos, quais sejam: (i) presunção constitucional de inocência; e (ii) preservação do serviço prestado pela concessionária.
De acordo com o STF, contudo, nenhum destes argumentos foi suficiente para afastar a regra da transparência dos atos públicos.
Concordando com o posicionamento da PGR, o Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, argumentou que a regra no Estado democrático de direito inaugurado pela Constituição de 1988 é a publicidade dos atos estatais, sendo o sigilo absolutamente excepcional. Assim, destacou em seu voto que, conforme a Constituição da República, a publicidade é ressalvada somente em duas hipóteses: (i) informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança do Estado e da sociedade (art. 5º, XXXIII, parte final); e (ii) proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (arts. 5º, X e 37, § 3, II, CF/1988). Deste modo, asseverou que “os atos contrários à transparência, que não se insiram em exceções constitucionalmente admitidas, devem ser catalogados como uma ‘ocultação ilegítima, que apenas contribui para a opacidade da Administração Pública’.” (1)
Ademais, asseverou que o art. 23 da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) prevê as hipóteses nas quais o sigilo poderá ser legitimamente determinado pela Administração Pública, quais sejam:
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
Dessa forma, nenhuma das hipóteses acima elencadas poderiam conferir sigilo aos processos administrativos sancionadores da ANTT ou da Antaq.
Ao julgar procedente o pedido da PGR e declarar a inconstitucionalidade do art. 78-B da Lei nº 10.233/2001, o STF fixou a seguinte tese de julgamento:
Os processos administrativos sancionadores instaurados por agências reguladoras contra concessionárias de serviço público devem obedecer ao princípio da publicidade durante toda a sua tramitação, ressalvados eventuais atos que se enquadrem nas hipóteses de sigilo previstas em lei e na Constituição.
Portanto, na prática, os processos administrativos sancionadores em face das concessionárias de serviço público que antes tramitavam em sigilo nas Agências Reguladoras até sua conclusão, deverão ser publicizados tornando-se, assim, de livre acesso ao público, antes mesmo de sua conclusão.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5.371/DF. Disponível em: https://bityli.com/nMsOw. Acesso em: 14 mar. 2022.