Breves considerações sobre a redução equitativa da cláusula penal
Eduardo Metzker Fernandes e Kelly Sousa
De acordo com o artigo 408 do Código Civil, “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.
O dispositivo acima inaugura o capítulo do Código Civil que trata da cláusula penal, mas o códex não traz a sua definição legal, ficando a cargo da doutrina a sua conceituação. Para Christiano Cassettari, o conceito mais completo de cláusula penal é o de que se trata de “uma convenção acessória inserida em negócio jurídico unilateral ou bilateral, em que o devedor da obrigação se compromete, para o caso de inexecução completa da obrigação, de inexecução de alguma cláusula especial, ou simplesmente de mora, a uma sanção de natureza econômica, que pode ser de dar, fazer ou não fazer, nos limites fixados em lei” (1).
Assim, a cláusula penal é definida juridicamente como um pacto acessório, mediante o qual as partes integrantes de uma relação jurídica determinam previamente uma sanção de natureza civil e estabelecem critérios sobre perdas e danos na hipótese de inadimplemento parcial ou total de uma obrigação assumida.
Embora a cláusula penal decorra da autonomia da vontade das partes, não se pode ignorar a sua função dúplice, pois, a um só tempo, a penalidade deve constranger o devedor ao adimplemento da obrigação e reparar parte ou todos os prejuízos decorrentes do inadimplemento ou mora, mas não os superar, sob pena de ser reconhecida como abusiva.
A doutrina especializada (2) explica o caráter ressarcitório da cláusula penal como resultado de uma pré-avaliação dos prejuízos pela inexecução do contrato, ou seja, uma pré-fixação de perdas e danos. Por outro lado, a cláusula penal também possui natureza coercitiva, à medida que a imposição de uma sanção de caráter punitivo motivará o devedor a adimplir o contrato.
Como dito, o legislador preservou a autonomia das partes permitindo que o valor da multa convencional (outro nome dado à cláusula penal) seja fixado livremente de acordo com o interesse das partes.
Essa liberdade, contudo, encontra limites na lei, na doutrina e na jurisprudência que permitem a sua redução equitativa quando há abuso ou desproporcionalidade.
A quantificação da multa contratual deve observar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Assim como o Código Civil anterior, o atual, no artigo 413 (3) também não deixa dúvidas quanto à possibilidade de o juiz reduzir equitativamente a penalidade em caso de cumprimento parcial da obrigação ou se constatado o caráter manifestamente excessivo da multa contratual.
Ressalta-se que a cláusula penal pode se referir ao inadimplemento total ou parcial da obrigação, ou até mesmo estar relacionada ao descumprimento de uma única cláusula. Logo, ela deve guardar uma relação de proporcionalidade com o inadimplemento do contrato.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de A. Nery (4) apontam que a análise acerca da existência de pena em patamar excessivo deve ser feita de forma ampla, ao passo que “além da análise da proporcionalidade entre o valor da pena e o prejuízo causado, devem ser buscados outros critérios para a aferição da necessidade da redução equitativa da pena pelo juiz, como, por exemplo, o grau da culpa, a função social do contrato e a base econômica em que foi celebrado”.
No que concerne ao tema, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), órgão julgador responsável por uniformizar a interpretação da legislação federal, entende que “a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio dos contratantes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes” (Resp 1520327/SP, Quarta Turma, Dje de 27/05/2016).
Enquanto a legislação anterior assegurava a possibilidade da redução da multa convencional, conferindo uma faculdade ao juiz, o Código Civil atual trouxe o assunto como norma cogente e de ordem pública, ou seja, não pode ser afastada pelas Partes, sendo dever do juiz a sua redução quando excessiva, levando em conta a observância dos princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.
Para o STJ, essa intervenção judicial impositiva não afronta os princípios da autonomia da vontade, da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos. Por ocasião do recente julgamento do Resp 1.898.738/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma entendeu que se trata de um dever do juiz a redução da cláusula penal.
Referidos princípios, típicos da teoria liberalista do Direito Contratual, passam a ter novo significado e novos limites em decorrência da interpretação constitucional do Direito Privado, que, ao mitigar “seus contornos até então inflexíveis”, os faz conviver harmonicamente com os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, agora positivados nos arts. 421 e 422 do CC/02 (TEPEDINO, Gustavo, (et. al.). Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pág. 8).
O STJ adota essa orientação, ao afirmar que “no atual Código Civil, o abrandamento do valor da cláusula penal em caso de adimplemento parcial é norma cogente e de ordem pública, consistindo em dever do juiz e direito do devedor a aplicação dos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico entre as prestações, os quais convivem harmonicamente com a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda” (REsp 1641131/SP, Terceira Turma, DJe 23/02/2017, sem destaque no original).
Prevalece, assim, o entendimento de que a redução da cláusula penal no caso de adimplemento parcial atende ao dever de equilíbrio e igualdade contratual.
A redução da cláusula penal, então, deve ser realizada por avaliação equitativa do juiz, obedecendo a proporcionalidade de vários parâmetros, entre eles: a utilidade e a vantagem que o adimplemento parcial tenha oferecido ao credor, o grau de culpa do devedor, a sua situação econômica e o montante adimplido.
Portanto, embora as partes possam dispor sobre cláusula penal conforme sua autonomia e interesses, caso seja verificado que a multa é excessiva ou desproporcional ao descumprimento parcial de obrigação, é possível obter a sua redução pelas vias judiciais para patamar que impeça o enriquecimento sem causa da parte credora e desconstitua o seu caráter abusivo.
Eduardo Metzker Fernandes
Coordenador da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Kelly Sousa
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) CASSETTARI, C. Multa contratual? Teoria e prática da cláusula penal. 3. ed. rev. atual. [s. l.]: Revista dos Tribunais, 2012. p. 51-52.
(2) CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 661.
(3) Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
(4) Código Civil Comentado, 1ª edição em e-book. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014; artigo 413.