A importância da escolha de garantia em contrato de locação comercial e a recente decisão do STF sobre a penhorabilidade dos bens do fiador
Felipe Melazzo, Fernanda Galvão e Leila Bitencourt
Em contrato de locação de imóveis, principalmente comercial, frequentemente surgem questionamentos sobre a necessidade de estabelecer alguma garantia: qual é a melhor garantia e qual garantia será mais abrangente ou trará mais segurança?
Adianta-se que as respostas para essas perguntas sempre dependerão de determinados aspectos, como as circunstâncias em que o contrato está sendo firmado, o tipo de locação e tipo de negócio que será desenvolvido no espaço locado, bem como a vontade das partes em assumir (ou não) determinados riscos.
Isso significa que não existe um só tipo de garantia tida como a melhor opção para todos os contratos de locação de maneira universal.
Dessa forma, para respostas aos questionamentos acima indicados é relevante conhecer cada vez mais sobre as garantias permitidas legalmente e a importância da escolha de garantia em um contrato de locação.
O objetivo do presente texto, portanto, é trazer algumas contribuições para esse contexto, sobretudo nas locações comerciais.
Serão apresentados, para tanto, a diferença conceitual entre a locação residencial e não residencial (ou comercial), as garantias permitidas por lei e a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (“STF”) sobre a penhorabilidade de bens de família do fiador em locação comercial.
A decisão foi escolhida tendo em vista a ampla utilização da fiança em contratos de locação e a possibilidade de, a partir dela, extrair aprendizados e reflexões naquilo que se refere à escolha da garantia nesses contratos.
1) A locação residencial, comercial (também denominada de não residencial) e as formas de garantias possíveis
A Lei 8.245/1991 (“Lei de Locação”) é responsável por regular os contratos de locação de imóveis residenciais e não residenciais, bem como as garantias aplicáveis a cada um deles.
Antes de adentrar em tais especificidades é importante esclarecer rapidamente o conceito do contrato de locação de imóveis: consiste no negócio jurídico em que há a cessão temporária de um bem imóvel pelo locador (proprietário do bem) ao locatário, mediante pagamento de uma remuneração, normalmente denominada de aluguel (1).
Os contratos de locação podem ser residenciais e não residenciais (ou comerciais). São residenciais aqueles que se destinam à moradia do locatário. Em contrapartida, as locações não residenciais (ou comerciais), se destinam a atividades de natureza econômica e empresarial desenvolvidas pelo locatário. Por conta dessa diferença, as locações residenciais, geralmente, têm como locatários pessoas físicas, ao passo que as locações comerciais são realizadas por pessoas jurídicas (2).
Em ambos os tipos de locação, as garantias permitidas pela Lei de Locação são as mesmas. E em todos os casos, o objetivo reside em mitigar o risco para o locador de não pagamento pelo locatário dos aluguéis devidos. Dessa forma, as garantias são tidas como obrigações acessórias, isto é, são acionadas caso a obrigação principal (que é o pagamento dos aluguéis) não seja cumprida (3).
Além disso, pontua-se que as garantias podem ser estabelecidas no mesmo instrumento contratual da locação, bem como posteriormente, em documento separado (4).
São permitidas pela Lei de Locação as seguintes garantias:
a) Caução: Para o Direito, caução é qualquer garantia firmada para o cumprimento de uma obrigação. É tida como uma garantia genérica, cujo objeto pode ser qualquer bem do patrimônio do devedor (5).
No âmbito dos contratos de locação podem ser realizadas cauções tanto de bens móveis (incluindo, mas não se limitando a dinheiro), quanto de bens imóveis. O que caracteriza tal modalidade de garantia é a entrega do bem móvel ou imóvel ao locador pelo locatário, que por sua vez, poderá recuperar a coisa quando cumprida suas obrigações (6).
b) Fiança: É o tipo de garantia mais utilizada nas locações, embora a Lei de Locação preveja outras possibilidades. Trata-se de um contrato firmado entre o locatário e um terceiro, em que esse último garante o cumprimento das obrigações do locatário, caso elas não sejam cumpridas. Esse terceiro, que assume com seu patrimônio as obrigações do locatário em caso de inadimplência, é chamado de fiador (7).
c) Seguro de fiança locatícia: Trata-se de contrato firmado pelo locatário com determinada seguradora, em que esta se compromete a cumprir todas as obrigações descumpridas pelo locatário. Especificamente nesse tipo de garantia a Lei de Locação é expressa ao prever em seu Artigo 41 que o seguro de fiança locatícia deverá abranger não só os aluguéis e encargos da locação, mas também todas as obrigações decorrentes do contrato, como possíveis indenizações devidas pelo locatário (8).
d) Cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento: Nessa modalidade de garantia, o locatário transfere fiduciariamente, isto é, com o único propósito de garantir o pagamento dos aluguéis, quotas que tenha em um determinado fundo de investimento. Tais quotas permanecem na posse do locador, de modo que esse não poderá dispor delas até o encerramento da locação. Com a extinção do contrato de locação, após o cumprimento integral de suas obrigações, o locatário receberá de volta as suas quotas com todos os benefícios possivelmente concedidos durante o prazo em que estavam como garantia (9).
Ainda sobre as garantias permitidas pela Lei de Locação é importante ressaltar que: (i) não se admite nenhuma outra garantia além das que estão previstas na Lei; e (ii) é vedado, sob pena de nulidade do contrato, a previsão de mais de uma das modalidades de garantia em um mesmo contrato de locação.
Esclarecidos os tipos de garantias conforme a Lei de Locação, passa-se a uma breve explicação sobre a impenhorabilidade de bens de família como forma de permitir a exposição de decisão recente do STF sobre tais bens do fiador e avançar para a conclusão pretendida.
2) O que são bens de família?
A Lei 8.009/90 (“Lei do Bem de Família”) prevê que os imóveis residenciais próprios de casais ou de entidades familiares constituem bem de família e são impenhoráveis, isto é: não responderão por dívidas de qualquer natureza, contraídas pelos cônjuges, pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e residam no bem.
A Lei do Bem de Família prevê ainda que a impenhorabilidade abrange não só o imóvel, mas também as plantações, as benfeitorias, todos os equipamentos (inclusive os de uso profissionais) e bens móveis que estão no imóvel, desde que estejam quitados.
Isso significa que, geralmente, caso determinada pessoa contraia uma dívida e deixe de pagá-la, os seus bens de família (aqueles conceituados de acordo com a Lei 8.009/90) não poderão ser penhorados, isto é, executados judicialmente para o pagamento da dívida.
Entretanto, para tal preceito existem exceções. E dentre elas está a possibilidade de penhorabilidade de bens de família para o cumprimento de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, conforme prevê o Artigo 3º, inciso VII da Lei do Bem de Família.
Mas como o legislador não promoveu nenhuma distinção sobre o tipo de contrato de locação que o referido preceito legal se aplicaria, questiona-se: um terceiro eleito como fiador de um contrato de locação especificamente não residencial (ou comercial), caso o locatário não arque com as suas obrigações, poderá ter seus bens de família tomados para o cumprimento dessas dívidas?
É sobre isso que versa recente decisão do STF.
3) O STF e possibilidade de penhora de bem de família de fiador de locação comercial
Em julgamento recente do Recurso Extraordinário 1307334 (“RE 1307334”), no último dia 8 de março, o STF fixou para fins de repercussão geral (10) a tese que dispõe sobre a constitucionalidade da penhora de bem de família do fiador de locação comercial.
Segundo o voto do relator Alexandre de Moraes (acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Kassio Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux) a Lei do Bem de Família no seu Artigo 3º, inciso VII, não fez distinção entre a locação residencial e não residencial ao trazer as exceções da impenhorabilidade do bem de família, logo, seria aplicável em ambos os casos (11).
Dessa forma, com tal decisão, diante de uma locação comercial, o fiador poderá ter quaisquer de seus bens, inclusive os de família, penhorados para o pagamento das obrigações descumpridas pelo locatário.
5) Conclusões
Nos contratos de locação, sejam eles residenciais ou comerciais, a previsão de garantias se mostra como medida importante para mitigar o risco para o locador de não receber pelos aluguéis devidos pelo locatário.
As garantias possíveis são apenas aquelas previstas na Lei de Locação e conforme adiantado, a melhor opção dependerá do caso concreto. Dessa forma, é importante levar em consideração aspectos do contexto em que o contrato está sendo firmado para escolher a melhor garantia cabível, como por exemplo, o tipo de garantia aceita pelo locador, o custo envolvido nas garantias (o seguro garantia costuma ter custos elevados), a comprovação de existência de bens dos fiadores, dentre outros aspectos.
Além das características inerentes ao tipo da garantia expostas no primeiro tópico é importante considerar que a depender da garantia escolhida, os efeitos patrimoniais gerados podem ser mais ou menos limitados.
Conforme demonstrado por decisão recente do STF, no caso da fiança, é possível a penhora de bens de família do fiador de locação comercial. Dessa forma, caso a garantia seja acionada, poderão ser tomados inúmeros bens do fiador, inclusive aqueles destinados à sua moradia e subsistência.
Tal decisão evidencia que os efeitos patrimoniais da fiança, ou seja, os bens que podem ser tomados para o cumprimento da dívida, podem ser menos limitados e mais amplos se comparados à caução, ao seguro de fiança locatícia e à cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, em que a garantia se limita aos termos e bens correlacionados nos instrumentos que as instituem.
Caso seja locador ou locatário de um contrato de locação comercial ou residencial e tenha dúvidas acerca da garantia a ser estabelecida, o VLF Advogados possui equipe especializada de consultoria em contratos, inclusive com atuação em locação. Caso queira saber mais sobre esse assunto, basta entrar em contato conosco.
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Leila Bitencourt
Advogada da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) ARAÚJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática de locação: lei do inquilinato anotada, questões práticas, modelos de peças. São Paulo: Atlas, 2018, p. 18.
(2) SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 164.
(3) e (4) VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2020, p. 192.
(5) VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2020, p. 193.
(6) SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 300.
(7) VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2020, p. 196.
(8) VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2020, p. 209.
(9) SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 321.
(10) A repercussão geral consiste em um requisito dos recursos julgados pelo STF. Isso significa que o STF não julga recursos em que não há a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses dos sujeitos envolvidos no processo. Dessa forma, dada a sua relevância, quando o recurso com repercussão geral é julgado, a tese contida na decisão é fixada de forma a uniformizar a interpretação judicial no país acerca da questão envolvida no processo (vide Artigo 1.035 e parágrafos do Código de Processo Civil de 2015).
(11) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial nº 1307334/SP. Rel. Ministro Alexandre de Moraes, 08 mar. 2022. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16/03/2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6087183. Acesso em: 14 abr. 2022.