A impossibilidade de alegar a quebra da affectio societatis como justa causa para exclusão de Sócio
Bruno Costa Carvalho
A sociedade empresarial pode ser compreendida como um contrato em que as partes têm o interesse comum de “exercer uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer ou circular bens ou serviços” (1). A esse respeito, o artigo 981 do Código Civil de 2002 estabelece o seguinte:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.
A exclusão de um sócio, sob essa premissa, equivale à resolução do contrato contra aquele que descumpre suas obrigações. Esse descumprimento é o que se costuma chamar de justa causa para a exclusão.
A justa causa é, portanto, um fato ou situação concreta praticada por um sócio que atenta efetivamente contra o exercício da atividade empresarial. Legalmente, ela corresponde a uma falta grave no cumprimento das obrigações sociais, ou, ainda, à incapacidade superveniente do sócio (CCB, arts. 1.030 e 1.085) (2). Essas circunstâncias, todavia, não se confundem com conflitos decorrentes da interrupção do interesse social ou affectio societatis.
A affectio societatis corresponde ao vínculo entre os sócios, isso é, a vontade recíproca voltada ao exercício da atividade econômica e à partilha dos resultados. O mero rompimento desse interesse na continuidade da sociedade indica apenas uma questão psicológica de seus integrantes e, desse modo, não poderia ser considerado justa causa para exclusão de um sócio. É preciso que se aponte um evento (falta grave ou incapacidade) do qual até pode resultar a quebra de affectio, mas é sempre o descumprimento (grave) dos deveres sociais, em última análise, o que deve fundamentar o pedido de exclusão de sócio (3).
Não por outra razão, o Conselho de Justiça Federal, na I Jornada de Direito Civil, editou o Enunciado nº 67, segundo o qual: “A quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade” (4).
Também o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a questão, firmando o entendimento de que: “Para exclusão judicial de sócio, não basta a alegação de quebra da affectio societatis, mas a demonstração de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra” (5).
Como se vê, a violação da affectio societatis, por si só, não deve ensejar a exclusão de um sócio, o que só se justifica diante da incapacidade superveniente ou de um fato concreto que implique falta grave daquele que se pretende excluir.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do Contencioso Cível do VLF Advogados.
Bruno Costa Carvalho
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) ULHOA, Fabio Coelho. Manual de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.22.
(2) Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.
(3) AFFECTIO Societatis: um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social. In: Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 155.
(4) Conselho de Justiça Federal. Enunciado nº 67. I Jornada de Direito Civil. Brasília, 2002. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/688. Acesso em: 13 maio 2022.
(5) REsp 1.129.222/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe de 1º/08/2011.