Crime e Castigo, podcast da Rádio Novelo, e Maus, graphic novel de Art Spiegelman
Sabrina Frattari e Katryn Rocha
Crime e Castigo, podcast da Rádio Novelo
A Rádio Novelo, ficou conhecida nacionalmente, em 2020, pelo inigualável e premiado podcast Praia dos Ossos. A voz de Branca Viana, fundadora e produtora dos podcasts da Rádio Novelo, foi o fio condutor de uma ótima pesquisa sobre um crime que chocou o Brasil nos anos 1970.
Era natural, portanto, que o público aguardasse ansiosamente pela volta de Branca num novo podcast. A expectativa era a de que o tema seria outro crime de repercussão nacional, mas a Rádio Novelo fez melhor, resolveu lançar um podcast sobre o sistema penal brasileiro e a percepção direta de quem alguma vez precisou passar por ele, independentemente se no papel de réu ou de vítima.
São seis episódios em que temas como reparação, justiça restaurativa, vingança, dor, roubam os ouvidos. O único destino plausível para quem cometeu um crime é a prisão? Existe alternativa? Os episódios contam a história de quem já esteve no centro desse debate.
Os episódios de Crime e Castigo deixam claro que são resultado de muita pesquisa: livros, reportagens, textos acadêmicos e outras fontes de informação tiveram papel importante na construção da série. Os atores reais que orbitam o cenário de um crime aparecem de maneira sincera e questionadora em cada episódio.
Um filho assassinado, um estelionato, uma briga de vizinhos, um tiro acidental, uma mulher violentada, um feminicídio, um atropelamento. Como reparar as vítimas? O que queremos quando falamos de justiça? O podcast vai de abstrações a histórias reais para entender o que é justiça no Brasil.
Destaque para o caso de Alex Schomaker Bastos, morto na saída da universidade. Sua irmã, Olívia, deseja conversar com os assassinos. Ela quer entender o que aconteceu naquela noite. Já para Mausy, mãe do estudante, conversar não é uma opção.
Por que mesmo em um caso em que o sistema penal funcionou – os réus foram condenados – ainda fica a sensação de que não houve reparação? Será que a ideia que temos de justiça está nos atendendo?
Engana-se quem pensa que vai maratonar os seis episódios rapidamente... São questões fortes e profundas, a sugestão é escutar com calma.
Sabrina Frattari
Advogada em Belo Horizonte
Maus, graphic novel de Art Spiegelman
As histórias em quadrinhos sempre tiveram um caráter político, com poder de comunicar, informar, além de entreter. No início do ano, acompanhamos o banimento, em rede escolar nos EUA, de Maus do cartunista Art Spiegelman, única graphic novel a receber o Pulitzer de Literatura, prêmio estadunidense outorgado a pessoas que realizam trabalhos de excelência na área do jornalismo, e que já atingiu o status de clássico dos quadrinhos.
A obra, que foi banida em rede escolar do Tennessee sob a justificativa de conter expressões impróprias para leitores de 14 anos e imagens de nudez feminina, se propõe a relatar a história comovente de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu à Shoah no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. Vladeck narra sua trajetória ao filho Art, o autor, que retrata, em preto e branco, os judeus perseguidos como ratos (“maus”, em alemão) e os perseguidores nazistas como gatos.
Instituições como o Museu Memorial do Holocausto dos EUA divulgaram comunicados explicando como Maus tem sido vital na educação de alunos para conscientizar sobre a Shoah a partir das experiências contadas pelas próprias vítimas, assim como sua capacidade de estimular o pensamento, de forma crítica, acerca da História. Evidenciaram também que o movimento de banimento por parte de entidades conservadoras está muito mais relacionado ao tema, que mostra a crueldade dos nazistas e até que ponto parte da sociedade pode chegar a ser conivente, do que ao linguajar empregado.
Publicado no Brasil pela Companhia das Letras, o quadrinho alterna entre o presente de Art e seu pai e o passado do último, assim como de sua mãe, na Alemanha nazista. Maus escancara a impossibilidade de se sair ileso de um evento como a Shoah assim como seu legado não só para quem sobrevive, mas também para aqueles que de forma indireta convivem com os efeitos dessa experiência traumática. Maus é uma história brutalmente tocante do início ao fim, quase impensável em outro formato que não o de quadrinhos.
Katryn Rocha
Auxiliar de Comunicação do VLF Advogados