A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos no âmbito do TCE/MG: repercussões na jurisprudência da Corte de Contas
Matheus Emiliano, Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (“TCE/MG”) publicou recentemente o Informativo de Jurisprudência nº 250 (1), ressaltando as inovações jurisprudenciais advindas da nova disciplina das Licitações e Contratações Públicas, a partir da publicação da Lei nº 14.133/2021.
As principais alterações trazidas pela Lei nº 14.133/2021 já foram tratadas em edição anterior do Informativo VLF, podendo ser acessada aqui.
Desde a publicação do novo regime legal das licitações e contratações públicas a partir de 1º de abril de 2021, foi estabelecida a coexistência entre o novo e o antigo regime, tratados pelas Leis nº 8.666/93 (Lei de Licitações), nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e nº 12.462/2011, que trata do Regime Diferenciado de Contratações, por um período de dois anos.
Isso quer dizer que durante o biênio estabelecido em lei, os órgãos públicos poderão optar por continuar utilizando as Leis nº 8.666/1993, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011, utilizar a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (“NLLC”) (Lei nº 14.133/2021), ou alternar os regimes em procedimentos distintos, sendo vedada a aplicação combinada dos diferentes diplomas, nos termos do art. 191 da NLLC (2).
No mesmo sentido, o TCE/MG vem atualizando (ou confirmando) seus entendimentos com referências expressas ao novo regime de contratação e de licitações, já que a partir de maio de 2023 só haverá a vigência da Lei nº 14.133/2021.
Dentre os principais posicionamentos assumidos pelo TCE/MG, destaca-se a confirmação da possibilidade de participação em comissão de licitação, ou em equipe de apoio, de servidores lotados exclusivamente em cargos de comissão, devendo o administrador público se atentar apenas aos requisitos legais da composição da comissão como um todo. No caso da Lei nº 14.133/2021, é possível encontrar as disposições que tratam a respeito do assunto em seus arts. 7º, caput, e 8º, caput, §1º e 2º.
Ademais, o mesmo julgado formou entendimento de que é possível o pagamento de gratificação aos servidores que ocupam exclusivamente cargos em comissão e são nomeados para composição de comissão de licitação ou equipe de apoio, desde que: (i) a gratificação seja instituída por lei; ii) haja a devida previsão orçamentária e adequação ao limite de despesas de pessoal fixadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (3).
Sobre a interpretação referente à contratação por meio de dispensa de licitação, a Corte de Contas opinou pela impossibilidade de se aplicar essa hipótese para contratação de associação de municípios pelos próprios municípios que a constituíram. Segundo o TCE, as referidas associações são constituídas sob a forma de associação civil, sendo então pessoas jurídicas de direito privado, não compondo parte da Administração Pública, por não serem qualificadas como associações públicas.
Pelo seu caráter privado, deve ser afastada a possibilidade de contratação com o ente público sem que haja o devido processo licitatório, motivo pelo qual não se aplica o regime de dispensa de licitação trazido no art. 75, inciso IX (4), da Lei nº 14.133/2021 (5).
Em julgamento recente realizado pelo TCE/MG, entendeu-se que a comprovação de experiência exclusiva com o poder público na prestação de serviços jurídicos na área de licitação como critério de pontuação de proposta técnica é irregular. De acordo com o Tribunal de Contas tal condicionante se traduz em critério restritivo à competição do certame, considerando que os licitantes podem demonstrar seu vasto conhecimento técnico pelo exercício de tais atividades apenas na iniciativa privada (6). O entendimento foi firmado em outro julgado (7), no sentido de ratificar a isonomia e a competitividade nos procedimentos licitatórios.
Aliado ao objetivo de zelar pela competitividade dos certames, nota-se a aplicação cada vez mais presente do formalismo moderado no âmbito do TCE/MG, com o intuito de prezar fundamentalmente pelo resultado exitoso dos processos licitatórios e de contratação, em detrimento da rigidez das normas procedimentais.
Esta intenção foi traduzida em alguns recentes julgados, como pode se conferir a seguir:
DENÚNCIA. PREGÃO PRESENCIAL. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA E ASSESSORIA PRESENCIAL PARA APOIO NA ELABORAÇÃO DOCUMENTAL. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA CREDENCIAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CRONOGRAMA EXECUTIVO NA FASE DE HABILITAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS RELATIVOS À EQUIPE TÉCNICA. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA QUANTO À INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO FORMATO ELETRÔNICO DO PREGÃO. RECOMENDAÇÃO. ARQUIVAMENTO.
1. O formalismo moderado se relaciona à ponderação entre o princípio da eficiência e o da segurança jurídica, representando importante função no cumprimento da busca pela proposta mais vantajosa para a Administração e da ampliação da competitividade.
2. O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, poderá sanar eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, consoante disposto no art. 8º, inciso XII, alínea ¿h¿, no art. 17, inciso VI, e no art. 47 do Decreto Federal nº 10.024/2019, bem como promover diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, nos termos do § 3º do art. 43 da Lei nº 8.666/1993, aplicável subsidiariamente à modalidade pregão.
[...]
[DENÚNCIA nº 1095364. Rel. CONS. EM EXERC. ADONIAS MONTEIRO. Sessão do dia 26/05/2022. Disponibilizada no DOC do dia 01/06/2022.]
DENÚNCIA. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. MANUTENÇÃO DE MÁQUINAS PESADAS E TRATORES DA FROTA MUNICIPAL. PERTINÊNCIA ENTRE OBJETO SOCIAL DA EMPRESA E OBJETO LICITATÓRIO. PESQUISA DE PREÇOS. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APLICAÇÃO DE MULTA. RECOMENDAÇÕES.
1. As exigências habilitatórias, na condição de garantias mínimas do cumprimento das obrigações, devem ser compatíveis com o objeto licitatório e ser interpretadas restritivamente, mediante juízo de adequabilidade normativa, em apreço à isonomia, à competitividade e à busca pela proposta mais vantajosa.
2. A habilitação jurídica tem como finalidade demonstrar a capacidade de o licitante exercer direitos e assumir obrigações (art. 66 da Lei nº 14.133/2021).
3. É obrigatória a compatibilidade entre a atividade empresarial do licitante e a pretensão contratual administrativa, com fundamento na proporcionalidade e na busca da proposta mais vantajosa, mas não é válida a exigência de exatidão na correspondência entre o objeto da licitação e o objeto social da empresa licitante, com fulcro na competitividade.
[...]
5. É irregular a exigência editalícia de protocolo físico dos recursos administrativos, diretamente na sede da Prefeitura Municipal, tendo em vista que a ausência no edital da possibilidade de entrega por fac-símile ou por meio eletrônico prejudica os licitantes em seu direito de petição e, por conseguinte, viola a competitividade licitatória.
[DENÚNCIA nº 1047986. Rel. CONS. SUBST. LICURGO MOURÃO. Sessão do dia 06/07/2021. Disponibilizada no DOC do dia 27/07/2021.]
Diante da recente aprovação da nova lei de licitações é importante o acompanhamento dos julgados que vão se formando no TCE/MG, visando à eficácia e aplicabilidade da Lei nº 14.133/2021, considerando a vigência concomitante das legislações que regem o tema.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Disponível em: https://www.tce.mg.gov.br/IMG/InformativoJurisprudencia/Informativo_TCEMG_250.pdf. Acesso em: 24 jun. 2022.
(2) Processo nº 1095467. TCE-MG. Rel. Cons. Subst. Licurgo Mourão. Sessão em 10/03/2022. Publicado em 12/04/2022. P. 11. Disponível em: https://tcjuris.tce.mg.gov.br/Home/Detalhes/1095467#!. Acesso em: 24 jun. 2022.
(3) Processo nº 1102275. TCE-MG. Rel. Cons. Subst. Adonias Monteiro. Sessão em 30/03/2022. Publicado em 08/04/2022. Disponível em: https://mapjuris.tce.mg.gov.br/TextualDadosProcesso/DetalhesExcerto/1102275#!. Acesso em: 24 jun. 2022.
(4) Art. 75. É dispensável a licitação: [...] IX - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a Administração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.
(5) Processo nº 1102275. TCE-MG. Rel. Cons. Subst. Adonias Monteiro. Sessão em 01/09/2021. Publicado em 17/09/2021. Disponível em: https://mapjuris.tce.mg.gov.br/TextualDadosProcesso/DetalhesExcerto/1102139#!. Acesso em: 24 jun. 2022.
(6) RECURSO ORDINÁRIO nº 1095439. Rel. CONS. DURVAL ANGELO. Sessão do dia 06/04/2022. Disponibilizada no DOC do dia 03/06/2022. Disponível em: https://tcjuris.tce.mg.gov.br/Home/Detalhes/1095439#!. Acesso em: 24 jun. 2022.
(7) DENÚNCIA nº 1095467. Rel. CONS. SUBST. LICURGO MOURÃO. Sessão do dia 10/03/2022. Disponibilizada no DOC do dia 12/04/2022.