João Maria Matilde, livro de Marcela Dantés, e Drive my Car, filme de Ryûsuke Hamaguchi
Pedro Ernesto Rocha e Leonardo Gandara
João Maria Matilde, livro de Marcela Dantés
Alguns romances têm pretensões tão grandes quanto os temas que abordam. Visam a, por meio da ficção, apresentar ao leitor uma realidade social, política, econômica, religiosa etc., auxiliando-o na construção de seu pensamento crítico.
Esses livros são necessários, é claro. Mas, igualmente necessário é um outro tipo de trabalho, tal como o que o autor se entrega na composição de um personagem simplesmente porque aquele personagem sente e faz o leitor sentir as dores de uma pessoa real. Não sabemos se Marcela Dantés – autora de João Maria Matilde – sentiu as dores de Matilde. O que sabemos é que a sua Matilde foi capaz de fazer seus leitores sentirem tais dores, sem que fosse necessário um amplo contexto – social, político, econômico, religioso etc. – para dar peso à história, e isso é um trunfo inegável.
João Maria Matilde é um livro sobre uma mulher de quarenta anos, que nunca conheceu o pai e que recebe uma inesperada ligação de alguém dizendo “Procuro Matilde, a filha do João Maria”. A partir desse ponto (que é a primeira linha do livro), Matilde se prepara e parte em uma viagem a Portugal com o intuito de conhecer o testamento do progenitor. E, por óbvio, leva consigo sua mente recheada de temores, anseios, “crises”, “fobias indisfarçadas e outras fragilidades”, e o que acaba encontrando, afinal, é a suposta origem desses sentimentos que ela, com anos de análise, procura entender, domesticar e conviver.
Vários trechos do livro são marcantes, como a revelação da condição de Matilde para Abel, ocorrida no hotel logo no começo, e o encontro com o homem descalço, mais para o meio-final do livro, mas não é só a força desses episódios que se destaca neste trabalho. O que chama mais a atenção é a constante sensação de angústia da protagonista e do leitor, que não têm logo as respostas que procuram, e de força, tanto da condição da protagonista, puxando-a para as crises, quanto da protagonista, buscando se afastar delas.
Marcela Dantés é uma jovem autora mineira, nascida em Belo Horizonte, que com seu livro de estreia, Nem sinal de asas, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Jabuti, e que agora nos apresenta este belo, verossímel, sensível e dolorido João Maria Matilde.
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Drive my Car, filme de Ryûsuke Hamaguchi
Drive my Car é um filme japonês de Ryûsuke Hamaguchi, baseado em conto do seu conterrâneo, o escritor Haruki Murakami, que foi publicado no Brasil no livro Homens sem mulheres.
O filme, que teve quatro indicações ao Oscar e venceu na categoria “Melhor Filme Internacional”, segue duas pessoas solitárias, o ator e diretor de teatro Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima) e a jovem motorista Misaki (Toko Miura).
Yusuke era casado com Oto (Reika Kirishima), uma mulher linda e super criativa, mas que morreu de repente, deixando-o com inúmeras dúvidas sobre o relacionamento que existiu entre os dois. Um tempo depois, ele aceita convite para dirigir Tio Vânia, peça clássica de Tchécov para o teatro de Hiroshima, e vai de Tóquio até lá dirigindo seu carro, um Saab 900. Lá, os administradores do teatro lhe obrigam a aceitar Misaki como motorista, o que inicialmente lhe deixa em dúvida. Apesar disso, uma relação especial e linda se desenvolve entre os dois.
Drive my Car está disponível em serviços de streaming como Apple TV, Now e Mubi.
Leonardo Gandara
Advogado e professor em Belo Horizonte