Decisão do STJ assenta que medidas executivas atípicas podem ser mantidas até o cumprimento integral da obrigação pelo devedor
Ana Paula Graçano Dalpizzol
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento do habeas corpus nº 711.194/SP (1), proferiu decisão paradigmática, na qual, pela primeira vez, a Corte se pronunciou sobre os limites temporais das medidas executivas atípicas. Estas medidas, fundadas no art. 139, IV, do Código de Processo Civil (2), são aquelas utilizadas após comprovado esgotamento dos meios tipificados de execução (3) e visam compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, sendo alguns exemplos a apreensão da CNH ou do passaporte, o bloqueio de cartões de crédito, dentre outros.
No caso julgado, uma senhora de 71 anos (“paciente” ou “executada”) pretendia a retomada de seu passaporte, que estava apreendido há dois anos, alegando que precisava do documento para visitar a filha no exterior, que, segundo afirmou, estaria enfrentado problemas de saúde.
A ação de origem se trata de um cumprimento de sentença de honorários advocatícios iniciado em 2006, em desfavor da paciente, de sua filha e de seu genro. No julgamento do habeas corpus, o Relator, Min. Marco Aurélio Belizze, concedeu de ofício a ordem de desbloqueio do passaporte, por considerar, em suma, não ser “possível que os meios executivos atípicos sejam impostos por tempo indeterminado sem a demonstração de uma justificativa plausível” relevando-se apenas como uma “penitência imposta ao devedor sem a potencialidade de coagi-lo ao adimplemento”.
O voto, contudo, foi vencido pela maioria da Turma Julgadora, tendo a Min. Nancy Andrighi inaugurado a divergência, apresentando elementos do caso concreto, convenientemente não abordados na inicial do habeas corpus, que, segundo ela, permitiriam concluir de maneira diferente. A Ministra defendeu que, ao que tudo indicava, haveria um conluio entre os executados para frustrar não apenas a execução de origem, mas também diversas outras execuções fiscais e trabalhistas contra eles ajuizadas.
Isso porque, com o intuito de demonstrar que não teria havido o exaurimento das medidas executivas típicas a justificar o bloqueio do passaporte, a executada indicou uma série de pessoas jurídicas que seria possível realizar a penhora de cotas sociais em seu nome, além de oferecer 30% (trinta por cento) de seus rendimentos de aposentadoria para quitação da dívida. Contudo, a Ministra considerou não haver evidência de que as cotas possuíam alguma expressão econômica, ou que estariam livres e suscetíveis de penhora, e consignou que a penhora dos rendimentos não seria capaz de sanar a dívida em tempo razoável. Nestes termos, votou pela denegação da ordem de habeas corpus.
Ao final de sua exposição, especificamente sobre o limite temporal das medidas atípicas, a Ministra declarou que
não há uma fórmula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais.
Nesse sentido, como dito, a decisão é inédita e, sem prejuízo da análise caso a caso, constitui importante precedente da Corte, principalmente para as execuções que há muito tempo se arrastam devido a devedores contumazes e com histórico de ocultação patrimonial evidenciado.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Ana Paula Graçano Dalpizzol
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ. HC n. 711.194/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.
(2) Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
(3) Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral; VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos.