A Emenda Constitucional nº 125/2022 estabeleceu o denominado filtro da relevância no Recurso Especial
Eduardo Metzker Fernandes
O grande volume de processos judiciais que tramita no Brasil faz com que o sistema jurídico crie mecanismos de seleção dos processos e assuntos que “merecem” apreciação dos Tribunais Superiores. Entre as ferramentas mais utilizadas para implementar essa restrição é possível afirmar que as principais delas são as multas processuais, os precedentes, as Súmulas e os requisitos de admissibilidade recursal. Juntas, essas ferramentas são instrumentos do que se conhece por jurisprudência defensiva dos Tribunais.
Esse contexto faz com que a tarefa de levar um processo a julgamento de mérito no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) seja uma das mais espinhosas no cotidiano dos advogados. De acordo com o artigo 105, III da Constituição da República, cabe Recurso Especial quando “a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; ou c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.
A verdade, contudo, é que a jurisprudência cuidou de estabelecer outras barreiras. A Súmula 7 do STJ é velha conhecida dos operadores do direito e prevê genericamente que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Também funcionando como pressuposto específico de admissibilidade do Recurso Especial, a Súmula 5 do STJ estabelece que “simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Com a justificativa de assegurar o papel do STJ como órgão máximo de proteção e interpretação das leis infraconstitucionais, os dois verbetes citados são responsáveis por uma enorme contingência de inadmissão de recursos especiais.
Como se vê, não faltam obstáculos para os Tribunais Superiores evitarem a apreciação do mérito dos processos.
Agora o caminho ficou ainda mais árduo. A Emenda Constitucional nº 125/2022 acrescentou novo pressuposto de admissibilidade do Recurso Especial: o da relevância das questões de direito federal infraconstitucional.
De acordo com a recentíssima redação do § 2º do artigo 105 da Constituição da República, para admitir um Recurso Especial
o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
O § 3º, por sua vez, cuidou de prever os casos em que há presunção de relevância, quais sejam: I – ações penais; II – ações de improbidade administrativa; III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos; IV – ações que possam gerar inelegibilidade; V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; e VI – outras hipóteses previstas em lei.
Assim como se dá na interposição do Recurso Extraordinário, que tem como um dos pressupostos de admissibilidade a repercussão geral, o recorrente terá que demonstrar que o julgamento do seu Recurso Especial tem aptidão para repercutir em outras relações jurídicas.
Deste modo, a relevância da questão de direito federal infraconstitucional é o mais recente mecanismo da denominada jurisprudência defensiva, mas ainda depende de regulamentação expressa em lei própria, a ser aprovada oportunamente.
A despeito de representar mais uma barreira à admissão do Recurso Especial, não se pode negar que o controle da relevância da questão federal será importante mecanismo de racionalização das atividades do STJ, qualificando o precedente, ainda que decidido no âmbito da Turma e não na sistemática dos recursos repetitivos.
Por ora, cabe apenas especular que os critérios a serem eleitos pela lei para a regulamentação do requisito da relevância da questão federal devem se aproximar daqueles adotados para a repercussão geral, como a relevância econômica, política, social e jurídica, de forma abrangente, exigindo esforço argumentativo para o seu preenchimento.
Eduardo Metzker Fernandes
Coordenador da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados