A trava de 30% do lucro tributável na compensação dos resultados negativos não pode ser imposta à empresa extinta, decide CARF
Yuri Brizon
Com o advento das Leis nº 8.981 (1) e nº 9.065 (2), ambas de 1995, foi imposta a limitação de 30% (trinta por cento) do lucro líquido ajustado para compensação de prejuízos fiscais de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e de base de cálculo negativa de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).
A referida trava foi e ainda é objeto de severas críticas, pois distorce o critério material da hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL, uma vez que se passa a tributar o patrimônio e não efetivamente o acréscimo patrimonial, ampliando os conceitos de renda e lucro insculpidos nos artigos 153, inciso III, e 195, inciso I, alínea “c”, da Constituição da República de 1988 (“CR/88”) (3). Além disso, ela fere os princípios constitucionais previstos nos artigos 145, § 1º, 150, incisos II e IV, da CR/88, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, ao permitir que o imposto de renda recaia sobre a própria fonte produtora de renda, reduzindo o patrimônio do contribuinte, bem como da isonomia, vez que empresas submetidas a situações diferentes são tratadas da mesma maneira. Por fim, pode-se ainda dizer que a trava institui empréstimo compulsório de forma oblíqua em inobservância ao artigo 148 da CR/88.
Em que pese o acima exposto, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) declarou constitucional limitação de 30% (trinta por cento) do lucro líquido ajustado no âmbito dos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 344.944 (4) e nº 591.340 (5), este último pela sistemática de repercussão geral.
Ocorre que nem todas as situações envolvendo essa temática foram objeto de análise, surgindo daí a dúvida se a restrição também se aplica às pessoas jurídicas que encerraram suas atividades, por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação. Inclusive, o Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário nº 591.340, delimitou o objeto do julgamento tão somente à constitucionalidade das restrições previstas nas citadas Leis, presente a continuidade da atividade empresarial, não abrangendo a interpretação dos diplomas legais nas situações em que se observa a extinção de pessoa jurídica.
Diante desse quadro de incertezas, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por meio dos julgamentos dos Recursos Especiais nº 1.805.925 (6) e nº 1.925.025 (7), externou o entendimento de que a aplicação do limite de 30% (trinta por cento) também se aplica às empresas extintas, tomando por base o posicionamento do STF e a ausência de norma legal que afaste a limitação da compensação de prejuízos fiscais em tais casos.
Entretanto, recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) passou a decidir de forma favorável aos contribuintes. A 1ª Turma da Câmara Superior, no julgamento do Processo nº 19515.007944/2008-00 (8), asseverou que a trava de 30% (trinta por cento) encontra motivação na garantia de arrecadação mínima, pressupondo e tendo como basilar premissa a continuidade das atividades das entidades e que, portanto, a tributação das pessoas jurídicas extintas dá margem à oneração fiscal de patrimônio ao invés de renda. A decisão se deu por critério de desempate pró contribuinte previsto no art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 (9), acrescido pelo art. 28 da Lei nº 13.988/2020 (10).
Ora, a aplicação da trava na declaração final apresentada pela pessoa jurídica extinta altera sobremaneira a finalidade para ela foi instituída. Isso porque, ao invés de diferir a compensação, se está, de fato, impedindo integralmente a utilização dos prejuízos acumulados nos anos anteriores.
Na sessão de julgamento ocorrida entre os dias 12 e 14 de julho de 2022, o referido órgão reiterou o entendimento nos julgamentos dos Processos nº 19515.005446/2009-03, nº 16327.000452/2008-12 e nº 19515.000782/2011-76, dessa vez, por maioria de votos em todos eles. Os acórdãos ainda não foram publicados.
Diante disso, vislumbra-se a consolidação do entendimento do CARF de forma contrária à limitação de 30% (trinta por cento) do lucro líquido ajustado para compensação de prejuízos fiscais de IRPJ e de base de cálculo negativa de CSLL, o que se espera seja seguido pelo Poder Judiciário, naturalmente.
Para mais informações, procure a equipe de direito tributário do VLF Advogados.
Yuri Brizon
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 8981, de 20 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras providências. Brasília, 23 jan. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8981.htm. Acesso em: 27 jul. 2022.
(2) BRASIL. Lei nº 9065, de 20 de junho de 1995. Dá nova redação a dispositivos da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, que altera a legislação tributária federal, e dá outras providências. Brasília, 03 jul. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9065.htm. Acesso em: 27 jul. 2022.
(3) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 27 jul. 2022.
(4) RE 344994, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/2009, DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC 28-08-2009 EMENT VOL-02371-04 PP-00683 RDDT n. 170, 2009, p. 186-194.
(5) RE 591340, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-019 DIVULG 31-01-2020 PUBLIC 03-02-2020.
(6) REsp nº 1.805.925/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 5/8/2020.
(7) REsp nº 1.925.025/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 11/10/2021.
(8) BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo nº 19515.007944/2008-00. Acórdão nº 9101-005.728. Relator: Conselheiro FERNANDO BRASIL DE OLIVEIRA PINTO. Diário Oficial da União. Brasília, 04 out. 2021. Disponível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf#. Acesso em: 27 jul. 2022.
(9) BRASIL. Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. Brasília, 22 jul. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10522.htm. Acesso em: 27 jul. 2022.
(10) BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nº 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Brasília, 14 abr. 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm. Acesso em: 27 jul. 2022.