STF decide sobre a inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST
Leilaine de Melo Vieira Queiroz
Em 30 de maio de 2022, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (“CONFENEN”), que questionava a aplicação da Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) no âmbito da Justiça do Trabalho.
Em análise à referida ação, o STF decidiu, por maioria, julgar procedente a ADPF 323 de modo a declarar a inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST, bem como a das decisões que entendam que o art. 114, §2º da Constituição Federal autoriza a aplicação do princípio da ultratividade. Nesse sentido, veja-se trecho da decisão:
O Tribunal, por maioria, julgou procedente a presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, de modo a declarar a inconstitucionalidade da Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho, na versão atribuída pela Resolução 185, de 27 de setembro de 2012, assim como a inconstitucionalidade de interpretações e de decisões judiciais que entendem que o art. 114, parágrafo segundo, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, autoriza a aplicação do princípio da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Plenário, Sessão Virtual de 20.5.2022 a 27.5.2022.
Conforme abordado na ADPF 323, a Justiça do Trabalho sempre considerou que as normas coletivas não incorporavam ao contrato de trabalho, sendo que a sua aplicação estava vinculada à vigência da norma coletiva. Em vista disso, destaca-se que em 1988 a Súmula 277 do TST tinha a seguinte redação:
Redação original – Res. 10/1988, DJ 01, 02 e 03.03.1988
Nº 277 Sentença normativa. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho.
As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.
Entretanto, em 2009 a referida Súmula sofreu alteração durante sessão do pleno:
Súmula alterada – redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 16.11.2009) – Res. 161/2009, DEJT 23, 24 e 25.11.2009
Nº 277 Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho
I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.
II – Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001.
Verifica-se que o texto alterado em 2009 prevê que as condições dos instrumentos normativos não integravam de forma definitiva os contratos individuais de trabalho, sendo que as condições previstas nesses instrumentos vigoravam apenas em relação ao prazo de vigência da referida convenção ou acordo. Ressalte-se, ainda, que a redação da Súmula 277 em 2009 fazia ressalva sobre o disposto no art. 1º, §1º da Lei nº 8.542/92, em que constava que:
§ 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.
Todavia, em 2012 a Súmula 277 do TST sofreu nova e importante alteração na redação, sendo que o novo entendimento previa que as cláusulas normativas dos acordos e convenções coletivas passariam a integrar os contratos individuais e ainda, permaneceriam até que houvesse modificação ou supressão daquela cláusula mediante nova negociação coletiva. Veja-se:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – SÚMULA CUJA APLICAÇÃO ESTÁ SUSPENSA NOS TERMOS DA MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA NOS AUTOS DO PROCESSO STF-ADPF Nº 323/DF, REL. MIN. GILMAR MENDES – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
Assim, os tribunais passaram a adotar a teoria da ultratividade, conforme previsto na redação da Súmula 277, ressaltando que as cláusulas normativas integram os contratos individuais de trabalho e só poderiam ser modificadas mediante nova negociação coletiva de trabalho.
Ou seja, enquanto o direito persistir na norma coletiva, ele irá continuar incorporado ao contrato individual do trabalhador mesmo após o término do prazo de vigência do acordo ou convenção coletiva, consagrando a ultratividade.
Todavia, esse entendimento é contrário ao artigo 614, § 3º da CLT, que teve sua redação alterada pela Reforma Trabalhista, sendo que o referido artigo dispõe o seguinte:
Art. 614 – Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acôrdo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.
(...)
§ 3o Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
Nesse sentido, diante de todo o histórico de modificações da Súmula 277 do TST, a CONFENEN ajuizou a ADPF 323 em 27 de junho de 2014, cuja discussão abordava a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas.
Ao analisar a referida ação, o STF põe fim à discussão sobre a aplicação da ultratividade de normas previstas nos acordos e convenções coletivas, uma vez que declarada a inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST, assim como a inconstitucionalidade de interpretações e de decisões judiciais que entendam pela aplicação do art. 114, §2º da CF/88.
Desse modo, a partir do momento em que expirar o prazo de vigência dos acordos e das convenções coletivas, não há como manter as garantias individuais do trabalhador se não houve renovação da norma coletiva, sendo inaplicável a teoria da ultratividade no âmbito da Justiça do Trabalho, conforme entendimento adotado pela Corte Superior.
Mais informações podem ser obtidas aqui.
Leilaine de Melo Vieira Queiroz
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados