STF decide as hipóteses de retroatividade das mudanças na Lei de Improbidade
Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
Em 18 de agosto de 2022, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgou o Agravo em Recurso Extraordinário (“ARE”) 843989, em que se discutia a retroatividade das mudanças da nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/21). Durante a sessão, o STF decidiu pela não retroatividade da lei de improbidade para os casos já encerrados, com decisão transitada em julgado. Contudo, para atos de improbidade culposos praticados antes da lei que não tenham condenação transitada em julgado, o Supremo formou maioria pela retroatividade da norma (1).
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes, de que a LIA está no âmbito do direito administrativo sancionador e não do direito penal. Portanto, a nova norma, mesmo sendo mais benéfica para o réu, não retroage, como regra geral. Neste contexto, o relator concluiu que, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas da Administração Pública e de responsabilização dos agentes públicos, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica não tem aplicação para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa.
Na visão do ministro, a revogação do ato de improbidade administrativa na modalidade culposa não se trata de retroatividade da norma mais benéfica e, consequentemente, não tem incidência em relação a eficácia da coisa julgada e nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Por fim, o ministro também negou a aplicação dos novos prazos de prescrição a casos anteriores à norma. De acordo com o relator, o encurtamento do prazo por alteração da lei não pode prejudicar a atuação do Estado, uma que vez, à época, atuou de forma regular.
Outros seis ministros votaram a favor de que a nova lei pode ser aplicada também para beneficiar os réus com processos em andamento: Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. A corte destacou, porém, que o juiz deve analisar caso a caso se houve dolo do agente antes de encerrar o processo.
A decisão final e a fixação do tema de repercussão geral foi bastante polêmica na corte, com inúmeras divergências nos votos dos Ministros. Acerca da possibilidade de aplicação das mudanças da lei em condenações já transitadas em julgado, o Supremo entendeu pela impossibilidade de tal tese por 8 a 3, conforme votos de Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Quanto à possibilidade de prescrição intercorrente, o STF por 9 a 2 entendeu contrário a tal tese, haja vista o posicionamento dos ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Por fim, sobre a prescrição geral, o STF entendeu por 6 a 5 que a lei também não retroage, conforme votos de Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Ao final do julgamento, as teses de repercussão geral fixadas foram as seguintes:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;
2) A norma benéfica da Lei nº 14.230/2021, revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Destaca-se, por fim, que a nova redação dada à Lei de Improbidade Administrativa define, em seu art. 1º, § 2º, que o dolo é a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado na Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
Assim, considerando que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, a análise do elemento subjetivo da conduta deverá levar em consideração o preceito da nova lei, como vem decidindo o STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. IMPROBIDADE. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR TEMPORÁRIO. AUTORIZAÇÃO. LEI LOCAL. DOLO. AFASTAMENTO.
[...]
4. O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei nº 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do seu art. 1º, §§ 2º e 3º, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado.
(REsp 1913638 MA, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe de 24/5/2022) (REsp 1926832 TO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe de 24/5/2022) (REsp 1930054 SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe de 24/5/2022)
Deste modo, é notório que os entendimentos do STF irão colaborar com a aplicação das novidades da nova lei de improbidade administrativa, corroborando com a segurança jurídica e com a devida prestação jurisdicional.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF decide que mudanças na lei de improbidade não retroagem para condenações definitivas. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=492606. Acesso em: 25 ago. 2022.