A Deliberação 734 da CVM e seus efeitos
Pedro Ernesto Rocha
Por ocasião do artigo “A sociedade em conta de participação como contrato de investimento coletivo: a CVM e os condo-hotéis”, publicado em dezembro de 2014 nesta Newsletter, discutiu-se o fato de que a CVM ainda não havia firmado entendimento sobre a necessidade de registro e as eventuais condições da dispensa de registro de empreendimentos hoteleiros que se estruturam por meio de contratos de investimento coletivo (dentre tais contratos pode estar o contrato de sociedade em conta de participação). Agora, o que se quer é dar continuidade à história, apresentando seu mais novo desenlace.
É que a CVM editou e publicou (1) a Deliberação CVM 734, de 17 de março de 2015 (2), com o objetivo de delegar à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários a competência para conceder dispensas em ofertas públicas de distribuição de contratos de investimento coletivo, no âmbito de projetos imobiliários (hoteleiros), que sejam vinculadas à participação nos resultados do empreendimento, nas hipóteses que especifica (ou seja, nas hipóteses previstas na própria Deliberação).
As dispensas às quais se refere o ato normativo são: dispensa de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários; dispensa do registro de emissor de valores mobiliários; a contratação de instituição financeira intermediária; o cumprimento dos prazos de duração da oferta estabelecidos pela Instrução Normativa 400 da CVM. E, também com base na Deliberação 734, podem ser objeto de tais dispensas as seguintes ofertas realizadas por meio de contratos de investimento coletivo: (i) oferta de investimentos em unidades imobiliárias autônomas destinadas exclusivamente a investidores que possuam ao menos R$1.000.000,00 (um milhão de reais) de patrimônio ou invistam ao menos R$300.000,00 (trezentos mil reais) na oferta (item III, alínea ‘a’); e (ii) ofertas de investimentos em partes ideais de condomínios gerais destinadas exclusivamente a investidores qualificados conforme definição dada pela CVM, e, ainda, que possuam ao menos R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) de patrimônio ou invistam ao menos R$1.000.000,00 (um milhão de reais) na oferta (item III, alínea ‘b’).
Como nota-se, a Deliberação 734 se ateve a regramentos que, exclusivamente pelo caráter financeiro, limitam o alcance da oferta. É que, obviamente, buscou a CVM dispensar de sua análise aprofundada as ofertas que se destinem a investidores com maior potencial financeiro, pois presumiu que esse investidor está mais apto a compreender os riscos (e a sofrer eventuais perdas) decorrentes do empreendimento. Desta forma, caso a oferta de investimento em empreendimento hoteleiro não seja destinada exclusivamente ao tipo de investidor determinado pela Deliberação, a referida oferta pública de contratos de investimento coletivo atinente a esse empreendimento deverá ser registrada na CVM (ou deverá ter concedida formalmente sua dispensa do registro), nos termos de sua Instrução Normativa 400 da CVM e da própria Lei nº 6.385/76.
Inclusive, de se notar que a CVM tem atuado no sentido de coibir ofertas públicas realizadas sem seu devido crivo. Recentemente, por meio da Deliberação 735, de 15 de abril de 2015 (3), a CVM determinou a suspensão de oferta pública de contratos de investimento coletivo que não foi registrada na autarquia e nem tampouco teve o registro dispensado (4). Vale dizer, inclusive, que as ofertas suspensas – segundo o site que a CVM aponta como divulgador das ofertas (5) – são direcionadas a quaisquer investidores, inclusive aqueles que não se enquadram nos padrões mínimos exigidos pela Deliberação 734 (6). Isso demonstra que permanece a preocupação da CVM com ofertas que possam atingir um investidor menos “preparado” para conviver com as vicissitudes do mercado (riscos e perdas potencialmente existentes em qualquer investimento).
A aludida Deliberação 734 é específica para os empreendimentos hoteleiros, e não se presta a “normatizar” outros tipos de ofertas públicas de contratos de investimento coletivo. Assim, caso a oferta pública de contratos de investimento coletivo a ser realizada não se refira a empreendimentos hoteleiros (ou se refira a empreendimentos hoteleiros, mas não se enquadre nas situações descritas na Deliberação 734), essa oferta permanecerá sendo regida pela Lei 6.385/76 e pela Instrução Normativa 400 da CVM, e, consequentemente, continuará devendo ser objeto de registro na CVM ou do pedido formal de dispensa dele.
A nova Deliberação, portanto, facilita as coisas para o mercado no sentido de demonstrar expressamente que determinado tipo de oferta de contratos de investimento coletivo (investimento hoteleiro que se encaixe nos padrões da Deliberação) podem ser dispensados, de forma simplificada, do registro de oferta pública na CVM; por outro lado, o novo normativo nada acrescenta quanto a outros tipos de oferta.
Resta ao ofertante, assim, a diligência de procurar a CVM previamente à colocação da oportunidade de investimento no mercado, sob pena de ter um empreendimento passível de suspensão pela CVM (a exemplo do que ocorreu por meio da Deliberação 735); e ao investidor, resta a diligência de verificar a procedência e a regularidade da oferta na qual pretende investir.
Pedro Ernesto Rocha
Advogado da equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados
(1) No Diário Oficial da União, em 19.03.2015.
(2) Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/deli/deli734.html.
(3) Disponível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/anexos/deli/0700/deli735.pdf.
(4) http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2015/20150415-2.html.
(5) http://bigincorporacoes.com.br/empreendimentos.
(6) Isso porque o valor mínimo do investimento, conforme aponta o site, gira em torno de R$100.000,00 (cem mil reais), e o valor mínimo do investimento exigido pela Deliberação 734 para que a oferta enquadre-se em seu regimento é de R$300.000,00 (item III, alínea ‘a’).