Devolução antecipada do imóvel locado definida em ação de despejo e a aplicabilidade de multa contratual segundo o STJ
Arthur Batista
Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1906869 - SP (“Recurso”), entendeu que é cabível a cobrança de multa pelo locador em casos de encerramento antecipado de contrato de locação, ainda que isso tenha se dado em decorrência de ação de despejo.
Alguns dos principais pontos da decisão serão destacados adiante, porém, antes de abordar as conclusões relacionadas ao tema, serão levantados os principais aspectos jurídicos relacionados à ação de despejo e à multa por devolução antecipada de imóvel.
1) Obrigações das partes na locação e a ação de despejo
A Lei nº 8.245/91 (“Lei do Inquilinato”) (1), predetermina alguns direitos e obrigações das partes envolvidas em uma relação de locação, independentemente das especificações contidas no contrato celebrado. Nos artigos 22 e 23 da Lei do Inquilinato são descritas as obrigações de locador e locatário, respectivamente, as quais devem ser observadas por ambas as partes, ainda que não mencionadas em contrato (2).
Algumas das obrigações do locatário presentes na Lei do Inquilinato estão relacionadas com o pagamento de aluguel e despesas ordinárias como a de energia, gás, água, esgoto e telefone (3). Na hipótese de não cumprimento das obrigações assumidas pelo locatário, essa mesma lei garante a possibilidade de desfazimento da locação em razão de descumprimento contratual do não pagamento do aluguel e demais encargos (4).
Nas situações de desfazimento do contrato de aluguel mencionadas acima, o locador tem direito de propor a ação de despejo contra o seu locatário, com possibilidade de decisão judicial liminar para desocupação do imóvel em até 15 (quinze) dias. Porém, para a obtenção da liminar, além de fundamento previsto na Lei do Inquilinato para a ação, é necessário o cumprimento de alguns requisitos presentes no artigo 59 da mesma lei, quais sejam: (i) o locador deverá prestar uma caução, ou seja, fazer um depósito em juízo no valor equivalente a 3 (três) meses do aluguel vigente à época da propositura da ação; e (ii) deverá ser verificada inexistência, no contrato de locação, das garantias estabelecidas pela lei (5), ou, havendo tais garantias, elas tiverem sido extintas por qualquer motivo.
2) A multa em caso de devolução antecipada do imóvel prevista na Lei nº 8.245/91
Segundo o artigo 4º da Lei do Inquilinato, o locatário poderá devolver o imóvel antes do prazo estipulado no contrato de aluguel, mediante o pagamento de multa pactuada no contrato, de forma proporcional ao prazo já cumprido do acordo (6). Essa multa é também conhecida por “cláusula penal”, conforme definido pelo artigo 409 da Lei nº 10.406/02 (“Código Civil”).
Registra-se que o dispositivo da Lei do Inquilinato acima referido não faz qualquer distinção para o pagamento da multa entre a devolução do imóvel decorrer ou não da vontade do locatário ou, por exemplo, de propositura de ação de despejo por falta de pagamento.
Além disso, é relevante destacar que a multa em questão, em hipótese alguma, poderá ser superior ao valor da obrigação principal, que no caso seria o valor total do contrato, ou seja, a somatória de todos os aluguéis durante o período de vigência originalmente contratado, como delimita o artigo 412 do Código Civil (7).
Aliás, se houver a cobrança de penalidade de forma excessiva, desproporcional, ao juiz caberá o dever de reduzi-la de forma equitativa, levando em consideração o tempo de contrato já cumprido, conforme dispõe o artigo 413 do Código Civil (8). Inclusive, o tema sobre o poder-dever do juiz em reduzir a penalidade excessiva, já foi abordado em artigo no Informativo VLF - 90/2022, de 29 de março de 2022 (9).
É bastante comum a previsão nos contratos de locação de pagamento de multa em favor do locador correspondente a 3 (três) aluguéis por devolução do imóvel pelo locatário antes do término do prazo de vigência, a chamada denúncia vazia. A questão enfrentada recentemente pelo STJ tratou sobre a possibilidade de exigir que o locatário pague essa multa na hipótese de devolução antecipada declarada em ação de despejo movida pelo locador.
3) Principais pontos sobre a cobrança de multa por rescisão antecipada de contrato de locação decorrente por ação de despejo
A decisão proferida no referido Recurso (10) interposto pelo fiador, tratou de uma locação não residencial em que o locador ajuizou, contra o locatário e seu fiador, ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis e requereu, ainda, a condenação ao pagamento da multa rescisória prevista no contrato para hipótese de devolução antecipada do imóvel.
Nas 1ª e 2ª instâncias de julgamento, inclusive em decisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), o direito do locador para retomada do imóvel foi reconhecido. O TJSP reconheceu ainda a obrigação, tanto do locatário quanto do fiador, em ressarcir o locador nos valores estipulados a título de multa rescisória. No entanto, o tema foi levado ao STJ para que se manifestasse sobre a legitimidade da cobrança da multa rescisória no caso de desocupação do imóvel involuntária do locatário, e, ainda, a competência do fiador para ser considerado devedor solidário desta.
A Terceira Turma do STJ entendeu que é cabível a cobrança de multa rescisória por devolução de imóvel em ação de despejo e que o fiador é devedor solidário do valor.
Registra-se que, no caso em questão, a falta de pagamento dos aluguéis ensejou a ação de despejo. O fiador fundamentou o Recurso na suposta violação do artigo 4º, caput, da Lei do Inquilinato (11), alegando que nem ele nem o locatário deveriam ser responsabilizados pelo pagamento da multa rescisória decorrente da devolução antecipada do imóvel, já que o término da relação contratual decorreu da ação de despejo movida pelo locador e não por vontade do locatário.
Porém, segundo o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator do Recurso, “em decorrência da quebra contratual, ainda que o bem locado não seja voluntariamente devolvido por iniciativa do próprio locatário, o credor (no caso, o locador) pode exigir o pagamento da multa compensatória, sem prejuízo dos efeitos da mora” (12). O voto do Relator ponderou ainda que caso o entendimento fosse diverso, o locador poderia exigir judicialmente apenas os aluguéis em atraso, sem poder exercer o seu direito de retomada da posse do bem: “para fazer jus à execução da cláusula penal, o locador deveria apenas cobrar judicialmente os aluguéis em atraso, sem o pedido de despejo, e deixar que o locatário devolvesse o imóvel ao seu bel-prazer” (13).
Ainda segundo o Relator, se a situação descrita acima fosse admitida, ocorreria “o esvaziamento do instituto criado para recompensar os prejuízos em situação de descumprimento do negócio e penalizaria o locador que não poderia fazer o uso de medida legal de despejo, sob pena de perder a multa compensatória” (14).
Por fim, sobre a questão da responsabilidade solidária do fiador, o STJ entendeu que como não houve extinção da garantia ou sua substituição, que no caso o contrato continuou a ser garantido por fiança, a responsabilidade de pagamento da multa também se aplica ao fiador.
4) Breves reflexões
Conclui-se que o STJ reconheceu que o pagamento de multa rescisória por devolução antecipada do imóvel pelo locatário, independentemente se tal fato decorreu ou não de sua vontade, é cabível. Isso porque, caso o locatário não fosse obrigado a pagar multa em sede de ação de despejo, seria o mesmo que premiá-lo por seu descumprimento e, por outro lado, seria uma penalização injustificada ao locador, ainda mais grave, pois este já estaria sendo afetado pelo inadimplemento do locatário.
Nota-se inclusive que, possivelmente, a redação do contrato celebrado entre as partes não foi clara o bastante sobre o tema, o que gerou toda a discussão.
Para evitar situações semelhantes, é de fundamental importância o zelo na elaboração dos contratos de locação, em especial a redação da cláusula que tratará sobre a multa por devolução do imóvel antes do prazo final da locação. Isso porque, com um dispositivo bem desenvolvido e claro quanto a esta obrigação, pode até dispensar a necessidade de ajuizamento de ação judicial, o que contribui para maior economia, não só de valores, mas também de tempo, às partes.
Assim, é indispensável que as partes estejam atentas para definir, de forma detalhada, clara e expressa, as condições para devolução antecipada do imóvel, sua multa e consequências.
O VLF Advogados possui equipe especializada de consultoria de contratos, com ampla e sólida experiência na elaboração de contratos de locação. Caso queira saber mais sobre esse assunto ou precise de qualquer suporte relacionado a contratos, basta entrar em contato conosco.
Arthur Batista
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8245.htm. Acesso em: 25 ago. 2022.
(2) Algumas previsões legais podem ser afastadas pelas Partes desde que previsto expressamente no contrato. Como por exemplo, o art. da Lei do Inquilinato prevê no art. 22, inc. VII como obrigação do locatário “pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contrafogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato”.
(3) Lei nº 8.245/91, artigo 23, inciso VIII: “pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto”.
(4) Lei nº 8.245/91, artigo 9º II e III, que determinam, respectivamente, o encerramento do contrato de locação em decorrência da prática de infração legal ou contratual e em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos.
(5) Lei nº 8.245/91, artigo 37.
(6) Lei nº 8.245/91, artigo 4º.
(7) Lei nº 10.406/02, artigo. 412: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.
(8) Lei nº 10.406/02, artigo 413: “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
(9) FERNANDES, Eduardo Metzker; SOUSA, Kelly. Breves considerações sobre a redução equitativa da cláusula penal. Disponível em: http://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=1021. Acesso em: 25 ago. 2022.
(10), (12) (13) (14) RECURSO ESPECIAL Nº 1906869 – SP, RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201906869. Acesso em: 25 ago. 2022.
(11) Lei nº 8.245/91, artigo 4º: “Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada”.