Mediação e conciliação no Novo Código de Processo Civil
Leonardo Wykrota
O Novo Código de Processo Civil (NCPC), coerente com o crescente prestígio que vem sendo dado aos métodos alternativos de resolução de conflitos (ou Alternative Dispute Resolution – ADR, do direito norte-americano) (1), trata a conciliação como um de seus princípios fundamentais (NCPC, art. 3º, §3º). Além disso, trouxe para o rol dos auxiliares da justiça a regulação das figuras do conciliador e do mediador (2). Ainda nessa lógica de prestígio às formas alternativas de soluções de conflitos, o Novo Código determina à União, Estados, Distrito Federal e ao Município a criação de câmaras de mediação e conciliação, para: (a) dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública (NCPC, art. 174, I); (b) avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública (NCPC, art. 174, II); e (c) promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta (NCPC, art. 174, III).
O Novo Código não exclui “outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais”, vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, as quais poderão ser regulamentadas por lei específica (NCPC, art. 175).
O objetivo geral é fornecer uma alternativa à jurisdição estatal que permita um tratamento mais adequado de certos conflitos, por um lado, e, por outro, contribua para uma solução mais célere, quando for possível a composição amigável (3). Assim, têm os mediadores e conciliadores o papel de fomentar a solução negocial da demanda pelos próprios conflitantes, em regra, facilitando o diálogo entre as partes. Segundo o Novo Código, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que “não houver vínculo anterior entre as partes”, e poderá sugerir soluções para o litígio, vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem (NCPC, art. 165, §2º). Já o mediador, atuará preferencialmente nos casos em que “houver vínculo anterior entre as partes”, e auxiliará os interessados na compreensão das questões e dos interesses em conflito, em busca de restabelecer a comunicação entre eles e fomentar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (NCPC, art. 165, §3º).
A atividade de ambos os auxiliares será informada pelos princípios da (a) independência, da (b) imparcialidade, da (c) autonomia da vontade, da (d) confidencialidade, da (e) oralidade e da (f) informalidade (NCPC, art. 166, caput e §1º). Como corolário desses princípios: (a) não pode haver subordinação hierárquica de conciliadores e mediadores no exercício das atividades de mediação; (b) os conciliadores e mediadores devem ser estranhos à relação havida entre as partes, sempre preocupados com a melhor composição do conflito para os envolvidos; (c) o que se busca ao fim e ao cabo é uma autocomposição (catalisada pela atividade do mediador ou conciliador), de modo que é das partes, evidentemente, a decisão final pela composição amigável ou não do litígio, sendo livre a definição das regras procedimentais (NCPC, art. 166, §4º); (d) as informações obtidas ao longo da mediação e da conciliação não poderão ser utilizadas para outro fim senão aquele previsto por expressa deliberação das partes, ficando o conciliador, o mediador e sua equipe impedidos de depor, emitir relatório, laudo, parecer ou qualquer outro meio de divulgação dos fatos e elementos que tiverem conhecimento no exercício de suas funções (NCPC, art. 166, §§ 1º e 2º); (e) as atividades de mediação e conciliação se desenvolverão mediante contato pessoal e direto do mediador e conciliador com as partes, em sessões individuais ou conjuntas, sendo facultada a assistência por advogado, se assim convier; (f) não há um procedimento rígido, permitindo-se que os envolvidos usem da criatividade para construir a solução própria a seus interesses, desde que não vedada pelo ordenamento jurídico vigente.
Ainda por inspiração na autonomia da vontade, as partes poderão escolher o conciliador e o mediador (NCPC, art. 168), caso em que, não havendo acordo sobre quem exercerá a função, será escolhido um conciliador ou mediador dentre aqueles inscritos no registro do tribunal (4), observada a respectiva formação (NCPC, art. 168, §2º).
A função de conciliador será remunerada (5) ou voluntária (6), e regulada pelos tribunais (NCPC, art. 169, §1º). O Novo Código impõe, porém, uma capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada pelo tribunal (NCPC, art. 167, §1º). Depois da capacitação, o mediador ou conciliador, munido do certificado do curso, requererá seu registro no tribunal (que poderá ser precedido de concurso público) (7), para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória dos processos (NCPC, art. 167, §2º).
Aplicam-se aos conciliadores e mediadores as hipóteses de impedimento e suspeição do juiz (NCPC, art. 148, II) (8), ficando estes impedidos de assessorar, representar ou patrocinar qualquer dos litigantes pelo prazo de um ano contado a partir do término do procedimento (NCPC, art. 172). Sendo advogados, ficam também impedidos de exercer a advocacia nos limites da competência do tribunal no qual estão registrados (NCPC, art. 167, §5º).
Se atuarem com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violarem qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1º e 2º (NCPC, art. 173, I); ou ainda se atuarem em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito (NCPC, art. 173, II), os conciliadores e mediadores serão excluídos do respectivo registro.
Leonardo Wykrota
Sócio responsável pela equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
(1) No Brasil, foi marcante o compromisso internacional assumido em março de 1998 junto aos Supremos Tribunais de Justiça Ibero-Americanos, em Caracas, no sentido de modernizar a administração da Justiça, tal como sugerido pelos Chefes de Estado e de Governo Ibero-Americanos na Declaração de Margarita, em novembro de 1997. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal brasileiro foi representado pelo Ministro Carlos Mário Velloso e subscreveu compromisso, na Reunião de Cúpula, de promover mecanismos alternativos de resolução de conflitos por meio de políticas adequadas. (Cf. ANDRIGHI, Fátima Nancy. Formas Alternativas de Solução de Conflitos. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001118/texto%20ministra%20seecionado-formas%20alternativas%20de%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20conflitos.doc. Acesso em 06.03.2015)
(2) Nessa mesma linha, o Novo Código traz a possibilidade de que cada tribunal crie centros judiciários de solução consensual de conflitos destinados a estimular a autocomposição (NCPC, art. 165). Em verdade, vários tribunais já adotaram tal medida em decorrência da regulamentação da implementação de uma “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário” pelo Conselho Nacional de Justiça, com a Resolução nº 125, de 29.09.2010. O Art. 7º da Resolução Nº 125/2010 dispõe que “[o]s Tribunais deverão criar, no prazo de 60 (sessenta) dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: (...) IV – instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; (...)”.
(3) Questões delicadas como a guarda de um filho, a separação e o divórcio, para ficar apenas nesses exemplos, têm nas soluções alternativas à jurisdição estatual um tratamento mais adequado para a busca de autocomposição, em relação à tutela jurisdicional específica.
(4) “Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional” (NCPC, art. 167, caput).
(5) Os tribunais fixarão a remuneração dos conciliadores e mediadores, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (NCPC, art. 169).
(6) “A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal” (NCPC, art. 169, § 1º).
(7) O registro conterá todos os dados relevantes para atuação e avaliação dos conciliadores e mediadores (número de causas de que participou, o sucesso ou o insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia), os quais serão classificados e depois publicados anualmente para conhecimento da população e para objetivos estatísticos (NCPC, art. 167, §§ 3º e 4º).
(8) Diante de alguma causa de impedimento, o auxiliar do juízo comunicará o fato imediatamente ao juiz da causa ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos, preferencialmente por meio eletrônico, para que seja feita nova distribuição (NCPC, art. 170, caput). Se já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e a solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador (NCPC, art. 170, parágrafo único). Também no caso de estarem impossibilitados, temporariamente, de exercer suas funções, o fato deverá ser informado ao centro judiciário de solução de conflitos, preferencialmente por meio eletrônico, para que não lhe sejam feitas novas distribuições durante o período (NCPC, art. 171).