STJ isenta plataforma de Marketplace de responsabilidade caso não atue como intermediadora de negócios
Daniele Persegani
Em decisão unânime, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) posicionou-se quanto aos contratos eletrônicos firmados pelas plataformas de Marketplace, fornecedores e clientes finais. O foco do caso consistia em examinar se essa relação, de caráter triangular, seria parte integrante da cadeia de consumo e se caberia responsabilizar solidariamente a plataforma, por fraudes cometidas pelos anunciantes de bens e serviços.
As plataformas de Marketplace se multiplicaram durante o período pandêmico. Atualmente, comercializam desde alimentos e produtos eletrônicos, que vêm a ser seguimentos mais comuns de mercado, até os mais especializados, como materiais de construção, seguros de veículos, pacotes de turismo, entre outros.
O modelo negocial denominado Marketplace funciona através de uma plataforma digital colaborativa, com o objetivo de promover a conexão de interesses e pessoas, como uma espécie de shopping virtual, onde os anunciantes ocupam posição semelhante a dos lojistas nos shoppings centers físicos.
Assim sendo, diferentemente das lojas on-line, que atuam na comercialização direta de mercadorias, as plataformas de Marketplace agregam anúncios de diferentes fornecedores, distribuidores e fabricantes para a venda de produtos e/ou serviços.
Em outras palavras, esses sites disponibilizam ofertas de interessados em vender produtos, recebendo, em contrapartida, o acesso de pessoas com disposição de adquiri-los. Caracterizam-se, por assim dizer, como meros provedores de conteúdo, já que não editam, inspecionam, ou, de qualquer outra forma, gerenciam as informações relativas às mercadorias inseridas pelos usuários.
No julgado em comento (1), o cliente utilizou a plataforma OLX na tentativa de adquirir um automóvel de suposto vendedor, que simulou o anúncio do veículo em perfeito estado de conservação dentro da agência e forjou a emissão da nota fiscal com o logotipo e CNPJ de uma concessionária de veículos. Após a realização de três depósitos consecutivos em favor do meliante, o potencial comprador tomou conhecimento de que havia sido vítima de um golpe.
O negócio fraudulento foi celebrado à revelia da OLX, que nem ao menos cobrou comissão pelo êxito da venda, já que os pagamentos foram efetuados diretamente na conta bancária dos fraudadores. Nesse sentido, os Ministros entenderam que a plataforma atuou como “mera página eletrônica de classificados”, e não como intermediadora da transação realizada entre o suposto ofertante e o consumidor.
Nesse contexto, o Recurso Especial 1.444.008/RS (2), julgado pela mesma Turma do STJ, torna clara a distinção entre as plataformas de buscas de produtos, que se limitam a exibir ao consumidor o resultado de suas respectivas consultas, e aquelas que, efetivamente, operam como intermediadoras de negócios, dado que somente através de seus recursos virtuais é possível a interação entre consumidores e fornecedores. Além do mais, essas últimas cobram comissões sobre as vendas realizadas, passando, desta forma, a integrarem a cadeia de consumo, juntamente com os ofertantes das mercadorias e serviços.
Assim sendo, no caso ora abordado, a Colenda Turma, a despeito de reafirmar que a relação estabelecida entre a OLX e o comprador sujeitava-se ao Código de Defesa do Consumidor (3), em virtude de configurar exploração comercial da internet, concluiu por afastar a responsabilidade da OLX quanto à fraude cometida, por entender que, ao atuar como simples matriz de pesquisas, a plataforma sequer participou da interação virtual em que foi simulado o negócio.
Em complemento a esse posicionamento, os julgadores afirmaram que a falta de diligência por parte do comprador contribuiu significativamente para o resultado desfavorável do acordo. Isto porque, na qualidade de usuário do comércio on-line, é razoável admitir que o homem médio seja minimamente conhecedor dos riscos que permeiam esse formato de venda, e, portanto, deveria ter procurado obter mais informações acerca da lisura do vendedor e da confiabilidade da publicação. Por outro lado, atribuir à plataforma a obrigação de fiscalizar os conteúdos veiculados, certamente tornaria inviável sua atividade.
Aliás, a respeito justamente da obrigação de checagem dos anúncios publicados pela OLX, os Ministros reproduziram trecho de outro julgado (4) acerca da responsabilidade da plataforma Americanas por suposto uso indevido de uma marca de produto, ao anunciá-la em sua plataforma de vendas. No referido Recurso, a 3ª Turma eximiu o site da obrigação de realizar a checagem do material divulgado e da origem dos produtos ali comercializados, por não se tratar de prática intrínseca ao serviço prestado.
No entanto, os julgadores do STF concordam ser razoável exigir que os provedores do ramo Marketplace mantenham à disposição dos consumidores amplos mecanismos de identificação e transparência dos anunciantes, sob pena de serem responsabilizados por omissão. Entre os procedimentos que conferem segurança ao comércio eletrônico é possível destacar a divulgação da quantidade de vendas efetuadas pelo vendedor, a opinião dos compradores sobre atuação dos fornecedores e sobre a qualidade dos produtos, percentuais de atrasos nas entregas etc. Assim, havendo desconfiança ou insatisfação, os pretensos adquirentes poderão optar por não concluírem a negociação.
Outra medida simples e eficaz que pode ser adotada pelos consumidores adeptos ao comércio eletrônico é a consulta da confiabilidade dos fornecedores no Portal do Consumidor. A ferramenta, disponibilizada pelo Governo Federal, é monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor (“Senacon”) do Ministério da Justiça, Procons, Defensorias, Ministérios Públicos e por toda a sociedade, possibilitando a resolução de conflitos de consumo de forma rápida e desburocratizada, pois além de terem acesso aos dados das empresas, os consumidores costumam ter suas demandas respondidas no prazo médio de 7 (sete) dias.
As plataformas de Marketplace, por sua vez, poderiam divulgar providências mínimas de cuidados aos consumidores para que estes procedam consultas prévias às compras de produtos ou prestação de serviços objeto de anúncios em sua plataforma. Tal medida estaria em plena consonância com um dos princípios orientadores do Código de Defesa do Consumidor, que é o dever da informação, e, certamente, seria eficaz na redução de vendas fraudulentas.
Caso possua interesse ou precise de qualquer suporte relacionado a este assunto, entre em contato com a equipe especializada em consultoria do VLF Advogados.
Daniele Persegani
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial nº 1.836.349/SP. 3ª Turma. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Data da publicação: 24 de junho de 2022.
(2) Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial nº 1.444.008 /SP. 3ª Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Data da publicação: 09 de novembro de 2016.
(3) BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
(4) Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial nº 1383354/SP. 3ª Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Data 26 de setembro de 2013.