Limites à liberdade de expressão e a defesa dos direitos da pessoa jurídica
Ana Paula Graçano Dalpizzol, Mariana Cançado Cavalieri e Diego Murça
Não há dúvidas de que a Constituição da República de 1988 assegurou uma série de direitos fundamentais às pessoas físicas e jurídicas, os quais, em várias oportunidades, podem vir a colidir. Nessas situações, de fato, é preciso sopesar a garantia e a limitação dos direitos dos envolvidos, afinal, trata-se de direitos de dois titulares distintos que possuem a mesma hierarquia e força vinculativa.
Na hipótese de confronto entre os direitos da personalidade e a liberdade de expressão e comunicação, por exemplo, tem-se, de um lado, o direito de “externar ideias, opiniões, juízos de valor”, além de “comunicar livremente fatos e (…) ser deles informado” (1) e, de outro, o direito à imagem, ao bom nome, à honra e à privacidade. Neste caso, como resguardar o direito a imagem, nome, honra e privacidade, sem tolher o direito de externar ideias e opiniões?
Nesses casos, o Judiciário tem buscado alternativas para resguardar ambos de forma equitativa, afinal, ainda que o direito à liberdade de expressão não possa sofrer limitação voluntária, salvo restritas exceções legais, ele, de fato, não é absoluto, e o seu exercício, em hipótese alguma, pode ferir os direitos da personalidade de terceiro. Daí a necessidade de equilíbrio entre a liberdade de expressão e o respeito à honra e à imagem das pessoas, pois “a honra é o bem jurídico de mais alta apreciação da personalidade humana, porque representa o seu campo moral e social” (2).
Com essa premissa, não seria diferente a proteção aos direitos da personalidade das pessoas jurídicas (3), até porque, em última instância, eles são um mecanismo de proteção à ordem econômica e aos interesses dos indivíduos que a compõem. Tanto que é pacífico o entendimento de que a ofensa à pessoa jurídica pode causar dano moral e deve ser analisada sob a perspectiva da honra objetiva (reputação e expressão social) (4).
Na hipótese de confronto entre o direito à liberdade de expressão e a defesa dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, portanto, é preciso ter em mente que o direito à liberdade de expressão não poderá ser considerado absoluto quando se mostrar excessivo, especialmente se relacionado a ações violentas e ilícitas, ou quando o seu exercício ferir outro direito fundamental, como é o caso da imagem e a honra.
Sobre o tema, Bernardo Gonçalves Fernandes (5) ensina que “falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer”, pois, “a proteção constitucional não se estende à ação violenta”, tampouco “pode ser usada para manifestações que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas”. Os Tribunais brasileiros, ao julgarem o tema, têm se manifestado de forma idêntica:
A liberdade de expressão no debate democrático distingue-se, indubitavelmente, da veiculação dolosa de conteúdos voltados a simplesmente alterar a verdade factual e, assim, alcançar finalidade criminosa de natureza difamatória, caluniosa ou injuriosa. (…) uma vez que sejam utilizadas, o uso desse direito não pode extrapolar o limite do razoável e violar o respeito aos direitos e à reputação das demais pessoas. (STJ. REsp nº 1897338/DF. Min. Luis Felipe Salomão. 24.11.2020).
(…) as notícias veiculadas possuem conteúdo que viola a honra e a imagem dos Agravados, pois não configuram meras opiniões ou críticas, mas imputam aos Agravados o envolvimento em crimes de alta gravidade, configurando-se abuso da liberdade de expressão, na medida em que fere outros direitos fundamentais que merecem igual proteção. (…). (TJPR. Agravo de Instrumento nº 0033433-13.2019.8.16.0000. Des. D’Artagnan Serpa Sá, 7ª Câmara Cìvel. Julgado em: 10.03.2020).
Embora o direito à liberdade de expressão seja resguardado pela Constituição Federal, não é ele absoluto, encontrando limites nos direitos individuais, os quais, igualmente, encontram guarida constitucional, sob pena de ofensa à tutela dos direitos da personalidade que, uma vez violados, ensejam a reparação civil. (TJGO. Apelação nº 04540331820148090175, Des. José Ricardo Marcos Machado, 1ª Câmara Cível. 28.05.2019).
Ainda que a pessoa jurídica não faça jus a todos os direitos da personalidade da pessoa física, a proteção à sua personalidade deve ser interpretada de forma abrangente, sobretudo no contexto atual, em que se vê a ampla utilização das redes sociais para divulgação de fatos e opiniões particulares, intensificando o exercício da liberdade de expressão e de comunicação.
Mesmo no contexto das redes sociais, o exercício da liberdade de expressão não é irrestrito e muito menos autoriza a divulgação de notícias falsas, de fatos inverídicos, de ameaças expressas ou veladas, sobretudo quando os fatos são fantasiosos ou criados com o nítido propósito de prejudicar a pessoa física ou jurídica.
Em suma, assegurando o direito à honra (subjetiva ou objetiva) e à imagem, o direito de liberdade de expressão e de comunicação pode (e, em alguns casos, deve) ser limitado, por esbarrar em uma condicionante ética: o respeito ao próximo, seja ele pessoa física ou jurídica.
Se interessou pelo assunto? Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Ana Paula Graçano Dalpizzol
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Mariana Cançado Cavalieri
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 235 ed. jan./mar. 2004, p. 18.
(2) APARECIDA, I. Amarante. Responsabilidade Civil por Dano à Honra. BH Del Rey, 1991, p. 54.
(3) Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
(4) Súmula 227, STJ. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
(5) FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.