Sniper: ferramenta digital que promete agilizar a busca de ativos mediante rápido cruzamento de dados
Walter Neto, Bruno Costa Carvalho e Matheus Pinto Monteiro
O conceito de Prestação Jurisdicional e Acesso à Justiça, tipificados na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XXXV (1), vai muito além do simples direito de petição ou de distribuição de ação judicial. Trata-se de direito da parte em obter a efetividade pela satisfação da sua pretensão.
Ainda é comum a situação em que o credor obtém êxito na sua Ação Creditícia, mas não consegue efetivar a decisão judicial em razão da dificuldade de localizar bens ou ativos do devedor. Com isso, os processos de Execução e os Cumprimentos de Sentença se arrastam por longo período nos Tribunais na tentativa, muitas vezes infrutífera, de o Credor satisfazer o seu crédito.
De acordo com números expostos pelo Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) no lançamento do sistema Sniper (2), a taxa de “congestionamento” da marcha processual nas ações judiciais durante a fase de execução corresponde a 84% (oitenta e quatro por cento) da totalidade de processos ativos no Brasil.
Ou seja, após a fase de conhecimento, instrução e julgamento dos processos, as ações judiciais acabam se estagnando na fase de execução em razão da dificuldade dos credores em identificar bens e ativos dos devedores para satisfação do crédito e encerramento definitivo da ação.
Diversos sistemas já foram criados com o objetivo de dar mais efetividade à fase de execução dos processos, como por exemplo o sistema Sisbajud (consulta e bloqueio de ativos financeiros), Renajud (consulta e bloqueio de veículos) e Infojud (informações de dados e de declarações da parte à Receita Federal). No entanto, mesmo com a utilização desses sistemas, a fase de execução dos processos tende a ser mais morosa e, de certa forma, ineficaz em muitos casos.
Na tentativa de imprimir mais efetividade ao processo, a própria Legislação Processual Civil (“CPC”), em seu artigo 139, inciso IV, (3), conferiu ao Juiz o “poder/dever” de adotar medidas com o objetivo de dar mais efetividade à prestação jurisdicional:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Dentre essas “medidas atípicas”, o Poder Judiciário tem admitido, por exemplo, a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (“CNH”) e até mesmo de Passaporte para coagir o devedor a satisfazer o crédito perseguido pelo credor.
No mesmo sentido, o artigo 772, do CPC (4) confere ao Juiz o poder de, em qualquer momento do processo, determinar que sujeitos indicados pelo Exequente forneçam informações relacionadas à Execução, medida que pode proporcionar a identificação de eventuais créditos do devedor com terceiros, ou até mesmo documentos e dados importantes sobre a localização de possíveis bens ocultados pelo devedor.
Apesar desse avanço legislativo, a verdade é que continua elevado o número de processos em fase de execução que não são finalizados em tempo razoável.
Nesse contexto, o CNJ criou o Sniper, ferramenta digital que promete agilizar e centralizar a busca de ativos e bens de pessoas físicas e jurídicas, mediante análise de diversas bases de dados.
Por meio do cruzamento de referências entre diversos bancos de dados, o novo sistema possibilita a identificação de vínculos patrimoniais, societários e financeiros entre pessoas físicas e jurídicas. O Sniper, no primeiro momento, pode parecer a simples junção dos sistemas Sisbajud e Infojud, já citados. Contudo, o novo sistema implementado pelo CNJ permite uma análise mais ampla de possíveis ativos e bens do devedor.
Para além de simples consulta de eventuais valores depositados em contas bancárias, como faz o Sisbajud, o Sniper extrai informações de bens declarados por candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (“TSE”), dados do Registro Aeronáutico Brasileiro, registros de embarcações, dados de processos judiciais e até mesmo de declarações prestadas à Receita Federal.
O sistema revela, de forma gráfica, todas as informações societárias, patrimoniais e financeiras que não seriam perceptíveis em uma simples análise documental, por exemplo.
Mediante breve consulta pelos Serventuários da Justiça, que podem buscar por nomes de pessoas físicas ou jurídicas, CPF ou CNPJ, razão social ou até mesmo pelo nome fantasia, o sistema gera um resultado gráfico traduzindo a relação patrimonial do devedor e evidenciando toda a cadeia societária, auxiliando, também, na identificação de possíveis grupos econômicos.
De acordo com o projeto de implementação desse sistema, as informações serão exportadas em um relatório no formato .pdf e anexadas ao processo.
Pela sua promessa de efetividade e precisão, a nomenclatura do novo sistema (Sniper) pode até ser confundida com o tradicional “atirador especial” ou “atirador de elite”, que é especialista em tiros de longa distância e conhecidos por sua precisão. No entanto, não há nenhuma relação da nomenclatura do sistema com a ideia trazida pela efetividade do “atirador especial”. O Sniper criado pelo CNJ é uma abreviação de “Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos”, podendo ser entendida como uma promessa de solução tecnológica desenvolvida pelo Programa Justiça 4.0 do CNJ, que agiliza e facilita a investigação patrimonial no âmbito de ações creditícias e processos em fase de execução.
O programa Justiça 4.0 do CNJ é uma iniciativa que desenvolve soluções tecnológicas para acelerar a transformação digital do Poder Judiciário.
O Sniper promete ser uma alternativa para a dificuldade e morosidade na localização de bens e ativos de interesse do processo judicial e garante ao exequente acesso rápido a informações que podem orientar os próximos passos no processo, sendo uma ferramenta apta para proporcionar a celeridade e efetividade nos processos de execução.
A novidade certamente deve ser festejada!
Walter Neto
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Bruno Costa Carvalho
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Matheus Pinto Monteiro
Trainee da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
(2) MAEJI, Vanessa. Justiça 4.0: nova ferramenta permite identificar ativos e patrimônios em segundos. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-4-0-nova-ferramenta-permite-identificar-ativos-e-patrimonios-em-segundos/. Acesso em: 19 out. 2022.
(3) Art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: iv) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
(4) Art. 772, III, do Código de Processo Civil: Art. 772. O juiz pode, em qualquer momento do processo: III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável.