O design no Direito para além do visual: a indução de comportamentos e a eficiência dos contratos
Felipe Melazzo, Fernanda Galvão e Leila Bitencourt
Os contratos permitem que a atividade empresarial seja desenvolvida. Esse acordo de vontades está presente em inúmeros momentos do cotidiano corporativo, seja na contratação de fornecedores pelas empresas, seja na comercialização dos seus produtos e/ou serviços.
No fim das contas, tudo o que ocorre na empresa está relacionado a algum contrato, que por consequência, perpassa por inúmeros setores que não são necessariamente jurídicos.
Assim, o contrato é um instrumento jurídico, mas que não é (ou pelo menos não deveria ser) restrito aos profissionais desse ramo. A sua importância para o contexto de empresas é ampla e ultrapassa o campo do Direito, pois ele regula as operações fundamentais da atividade empresarial e, com isso, envolve vários profissionais das mais diversas áreas.
Se o contrato é tão importante para a empresa, elaborar um documento eficiente é capaz de garantir a fluidez das transações que ele regula. Pensar na eficiência do contrato significa, dentre outras medidas, pensar na forma em que ele é desenvolvido, nos comportamentos gerados e na recepção pelas pessoas envolvidas.
Tendo em vista que a forma do contrato é, em regra, livre, por que se prender em minutas de sessenta páginas com cláusulas desnecessárias, que geram certa resistência naqueles que as leem? Por que se apegar a termos difíceis e técnicos que ninguém entende? Parece não fazer sentido, certo?
Refletir sobre a forma dos contratos voltada para a eficiência da atividade empresarial abre campo para o estudo do design dentro do Direito. Dessa forma, o objetivo do presente texto é apresentar algumas dessas técnicas e os resultados que podem ser alcançados, inclusive, para influenciar decisões, especialmente no que diz respeito aos contratos.
1) O design e o Direito
Conhecido como legal design, a aplicação do design e suas técnicas na maneira de criar e desenvolver produtos ou serviços jurídicos, inclusive em contratos, vem ganhando força no universo do Direito nos últimos anos (1).
Um dos objetivos do legal design é considerar os usuários como o foco do trabalho jurídico e, com isso, deixar os produtos e serviços mais acessíveis, utilizáveis e satisfatórios (2).
O legal design é derivado do design thinking, que nada mais é que a aplicação dos aprendizados do design em diversas áreas do conhecimento, a fim de solucionar vários problemas, para além daqueles relacionados unicamente ao design (3).
Mas o que significaria aplicar os aprendizados do design? Pois bem, apesar de os significados do design estarem historicamente ligados a aparência, projeto ou desenho, a noção atual do termo não se restringe a tornar as coisas visualmente atrativas.
O design tem como finalidade principal solucionar problemas e oferecer benefícios que levem em consideração as necessidades da sociedade (4). Esse propósito se alcança pela aplicação de técnicas que induzem comportamentos, porque auxiliam na compreensão de informações e influenciam determinadas emoções, atitudes ou decisões (5).
Dentre as várias técnicas, há o design da informação, bem como os chamados nudges. O design da informação é utilizado para facilitar a recepção e interpretação das informações de forma a permitir decisões mais eficientes dos usuários (6). Isso porque o papel do design da informação é fomentar o metabolismo cognitivo, isto é, facilitar a compreensão da informação pelos destinatários. Para isso, os designers usam mecanismos para adequar materiais, apresentar a informação de forma útil para o destinatário e facilitar o seu entendimento (7).
Além disso, o design da informação pode impactar na gestão do tempo de gerentes, técnicos e profissionais atuantes no universo corporativo, tendo em vista que a maioria deles passam seus dias processando informações. Se a informação não for bem projetada (inclusive, mas não se limitando às informações dispostas nos contratos), eles operam de forma ineficiente e, consequentemente, suas organizações também. Na maioria dos casos, o que se precisa não é de mais informações, mas, sim, da capacidade de apresentar as informações certas para as pessoas corretas e no momento adequado (8).
Os nudges, por sua vez, foram desenvolvidos pela Economia Comportamental, área responsável pelo estudo das influências sociais, cognitivas e emocionais sobre o comportamento econômico humano e que surgiu como campo de estudo fértil sobre o processo de tomada de decisão (9). Em linhas gerais, os nudges demonstram de maneira mais direta a aptidão do design na influência de comportamentos, na medida em que demonstram a interferência nos contextos em que as decisões são tomadas.
Isto é, os nudges podem ser encarados como verdadeiros “empurrões” para estimular que as decisões sejam tomadas em certo sentido, de modo a beneficiar os envolvidos. Isso não significa, porém, que as pessoas perderão a possibilidade de decidir, mas, sim, que terão ferramentas disponíveis para escolher, podendo até mesmo afastar os nudges (10). Isso porque são instrumentos para reforçar o poder das escolhas e não de impor determinada opção (11).
2) A aplicação dos nudges e das técnicas de design nos contratos
A aplicação de técnicas de design apresentadas anteriormente no campo do Direito se mostra como aliada da eficiência nas relações jurídicas. Nos contratos, essas técnicas incidem sobre sua forma e podem, assim, estimular alguns comportamentos desejados por meio do design da informação e dos nudges.
Especificamente em relação aos nudges, um exemplo é a elaboração de contratos com o menor número possível de páginas sem perder a segurança jurídica, de modo a evitar repetições e traduzir jargões técnicos incompreensíveis.
É razoável esperar que as partes envolvidas no contrato terão mais disposição e atenção em ler vinte páginas ao invés de cinquenta. Principalmente, no cotidiano corporativo, no qual é comum haver volume considerável de contratos, que envolvem grandes valores, riscos importantes e demandam a avaliação por várias áreas que não têm formação jurídica.
A lei não determina o número de cláusulas que o contrato deve ter, tampouco a ordem que devem ser dispostas essas previsões. Assim, cabe àqueles que estão elaborando o contrato evitar inserir previsões que não têm absolutamente nenhuma função além de replicar as determinações já previstas em lei (12).
É preciso considerar ainda que, inevitavelmente, as cláusulas do contrato interagem com as determinações contidas em lei. O texto legal pode ser aplicado nos temas em que o contrato é omisso, bem como pode sobrepor previsões acordadas pelas partes nos temas em que a lei proíba que seja alterado por meio do acordo entre as partes (13).
Assim, caso as partes firmem contrato já disciplinado em lei (como locação de imóvel ou compra e venda), é preciso ponderar quais cláusulas de fato são necessárias, tendo em vista que algumas previsões já estão disciplinadas na própria legislação aplicável. Contudo, quando a contratação não utiliza molde previsto em lei, é importante inserir os direitos e obrigações não regulados, o que geralmente de fato demanda maior número de cláusulas (14).
Além disso, um contrato adequado deve cuidar da ordem de disposição das cláusulas para que seja feita de forma lógica, bem como em observância ao significado técnico das palavras utilizadas (15).
A aplicação dessas técnicas de design no contrato pode gerar maior aceitação das cláusulas redigidas, e, com isso, evitar o desgaste comercial causado pelas idas e vindas do contrato via e-mail.
3) A “Simplificação” e a “Lapidação de Contratos” realizada pela equipe de Legal Design do VLF
Por meio da observância desses aspectos e da aplicação de outras técnicas do design, a equipe de Legal Design do VLF desenvolveu o serviço chamado “Simplificação de Contratos”.
O objetivo é aliar toda a experiência jurídica e capacidade técnica do Escritório com as possibilidades fornecidas pelo design para reduzir o número de páginas das minutas, para avaliar se é possível a retirada de previsões contratuais desnecessárias com segurança jurídica e, ainda, utilizar esses espaços que se tornam disponíveis para inserir cláusulas que realmente importam.
Além de se valer do design para processar as informações e estimular a leitura, compreensão e boa receptividade pelos contratantes por meio da redução do conteúdo, nossa equipe também oferece o serviço de “Lapidação de Contratos”, que são técnicas destinadas a aprimorar esteticamente o documento, o que tem sido chamado no mercado de “Visual Law”.
Além desses serviços voltados para a redução do número de páginas e melhoria estética dos contratos, as possibilidades são inúmeras, inclusive no campo processual, em que é possível também a aplicação das técnicas de design em petições iniciais, contestações, alegações finais, memoriais dentre outros.
Caso queira saber mais sobre esse assunto, basta entrar em contato com a equipe de Legal Design do VLF Advogados.
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Leila Bitencourt
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Conforme abordamos o tema anteriormente no Informativo VLF - 70/2020, de 28 de julho de 2020. Disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=806. Acesso em: 11 out. 2022.
(2) HAGAN, Margareth. Law by design. Disponível em: https://lawbydesign.co/legal-design/. Acesso em: 01 out. 2022.
(3) BROWN, Tim. Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
(4) MACIEL, Dayanna dos Santos Costa; BRITO, Stephanie Freire. Design, cultura e sociedade. Curitiba: InterSaberes, 2021. p. 81-84.
(5) BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. p. 116-117.
(6) BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. p. 84.
(7) BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011. p. 89.
(8) HORN, Robert E. Information Design: Emergence of a New Profession. In: JACOBSON, Robert E. Information Design. Cambridge: MIT Press, 1999. p. 16.
(9) SAMSON, Alain. Introdução à economia comportamental e experimental. In: ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria (Orgs.). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015. p. 16.
(10) GALUPPO, Marcelo Campos; ROCHA, Bruno Anunciação. Paternalismo libertário no Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 53, n. 210, abr./jun. 2016. p. 23.
(11) SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard H. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 13.
(12) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 20-21.
(13) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 27-28.
(14) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: contratos. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 49.
(15) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 20.