A Mediação na Recuperação Judicial
Fernanda de Figueiredo Gomes e Júlia Faria Vasques
A Mediação é conceituada pelo parágrafo único de artigo 1º da Lei nº 13.140/15 (1) como a “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
Por se tratar de um método de resolução de conflitos autocompositivo, que possui como objetivo “estimular o diálogo cooperativo entre [as partes] para que alcancem a solução das controvérsias em que estão envolvidas” (2), a Mediação tem sido amplamente incentivada no âmbito processual brasileiro. Nesse sentido, o Código de Processo Civil prevê em seu artigo 3°, §3° (3), que ela será estimulada, inclusive no curso do processo judicial:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
[…]
§3º A conciliação, a Mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
A Recuperação Judicial, por sua vez, caracteriza-se como um processo por meio do qual uma empresa que atravessa período de dificuldade financeira busca reestruturar o passivo para superar o momento de instabilidade. A Lei nº 11.101/05 (4), que regula a Recuperação Judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, assim esclarece o objetivo da Recuperação Judicial:
Art. 47. A Recuperação Judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Neste sentido, a Recuperação Judicial permite que uma sociedade empresária viável, por meio de um plano de recuperação, renegocie suas dívidas e, assim, supere período de crise econômico-financeira, evitando uma indesejável falência.
Dessa forma, o que se verifica é que a Recuperação Judicial é essencialmente um processo negocial. Pode ser resumida, então, como uma negociação coletiva, por meio da qual a empresa recuperanda, mediante tratativas contínuas com seus credores, objetiva apresentar um plano de pagamento que atenda aos interesses de todos os envolvidos e permita a viabilidade da manutenção da empresa.
É justamente em face do caráter negocial da Recuperação Judicial que a Mediação tem se apresentado como alternativa interessante para as sociedades inseridas no referido processo. Destaca-se que a compatibilidade da Mediação com a Recuperação Judicial já havia sido, inclusive, reconhecida pelo Conselho da Justiça Federal em 2016 ao aprovar o Enunciado de nº 45 na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios (5).
Ciente de tal realidade, a reforma trazida pela Lei nº 14.112/20 (6), acrescentou à Lei 11.101/05 a seção II-A, que trata exatamente das “Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”.
O legislador, então, logo no primeiro artigo da seção, trata de reforçar o incentivo à Mediação e à conciliação em todos os âmbitos judiciais, salvo se houver oposição consensual entre as partes ou determinação judicial vedando a prática (7). A Mediação na Recuperação Judicial poderá ser admitida tanto de forma antecedente como em caráter incidental ao processo e poderá ocorrer nas hipóteses determinadas pelo art. 20-B:
Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de Recuperação Judicial, notadamente:
I - nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em Recuperação Judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à Recuperação Judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais;
II - em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em Recuperação Judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;
III - na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em Recuperação Judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;
IV - na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de Recuperação Judicial.
O §2° do referido artigo, contudo, veda a conciliação e a Mediação sobre a natureza jurídica, e a classificação dos créditos e dos critérios de votação em assembleia geral de credores, por se tratar de matéria que decorre de determinação legal e não se enquadrar na esfera de disponibilidade das partes.
Destaca-se, também que, à luz do §1º do art. 20-B, nas hipóteses de negociação antecedente, preenchidos os requisitos necessários, as empresas poderão obter tutela de urgência cautelar a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até sessenta dias para tentativas de composição com os credores por meio da Mediação. Salienta-se, contudo, que, segundo o §3º, caso já existente o pedido de Recuperação Judicial ou extrajudicial, o referido prazo de sessenta dias será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º da Lei nº 11.101/05.
Caso as Partes logrem êxito na Mediação e, consequentemente, celebrem acordo, este deverá ser homologado pelo juízo competente, notadamente, “o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil” (8).
Apesar de ainda não estar totalmente difundida no Brasil, a Mediação empresarial (na qual se inclui a Mediação na Recuperação Judicial) tem apresentado crescimento ao longo dos anos. Pesquisas realizadas em 2018 junto a três Câmaras de Arbitragem e Mediação – CCI, CCBC e CIESP-FIESP – demonstram o referido crescimento, apresentando mediações envolvendo valores significativos, geralmente acima de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) (9).
Na prática, podemos citar a Recuperação Judicial da OI S.A, que buscou a Mediação para solucionar diversos impasses no decorrer da disputa judicial, como, por exemplo, a tratativa dos créditos inferiores a R$50.000,00 (cinquenta mil reais), para que estes tivessem uma resolução mais célere e eficiente.
A Mediação empresarial apresenta inúmeros benefícios, dentre os quais pode-se citar: (i) o auxílio da Mediação na identificação de questões objetivas do conflito, bem como dos interesses e necessidades do outro; (ii) preservação dos relacionamentos comerciais, em face do fomento ao diálogo; (iii) celeridade do processo; (iv) economia do instituto da Mediação em relação aos métodos heterocompositivos; (v) possibilidade de inclusão de soluções não monetárias; e a (vi) redução das despesas financeiras diretas e indiretas.
Conclui-se, portanto, que, apesar de se tratar de uma prática ainda pouco usual, a Mediação tem sido cada vez mais incentivada no âmbito dos processos empresariais brasileiros, incluindo-se a própria Recuperação Judicial (10), uma vez que individualiza os casos, empodera os envolvidos na recuperação e auxilia a manutenção de relacionamentos amigáveis entre eles.
Fernanda de Figueiredo Gomes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Júlia Faria Vasques
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 13.140/15, de 26 de junho de 2015. Lei de Mediação. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 14 nov. 2022.
(2) BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de conflitos. In: JABUR, Gilberto Haddad; PEREIRA JÚNIOR, Antônio Jorge. Direito dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 308.
(3) BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14 nov. 2022.
(4) BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a Recuperação Judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.
(5) “Enunciado nº 45 - A Mediação e conciliação são compatíveis com a Recuperação Judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais.” Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/900. Acesso em: 14 nov. 2022.
(6) BRASIL. Lei nº Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera as Leis nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à Recuperação Judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.
(7) “Art. 20-A. A conciliação e a Mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.”
(8) “Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a Recuperação Judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.”
(9) GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação empresarial em números: onde estamos e para onde vamos. JOTA, 21 abr. 2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mediacao-empresarial-em-numeros-onde-estamos-e-para-onde-vamos-20042018. Acesso em: 17 nov. 2022.
(10) Recomendação nº 58, de 22 de outubro de 2019. “Recomenda aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da Mediação”. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3070. Acesso em: 14 nov. 2022.