Desafios do processo de retomada de desocupações, despejos e remoções forçadas, a partir do regime de transição estabelecido pelo STF
Lucas Auer
O Supremo Tribunal Federal (“STF”) proferiu, no princípio de novembro, decisão relevante em relação à retomada dos processos, procedimentos, medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva e que haviam sido suspendidas pela Corte em junho de 2021, em razão da pandemia da COVID-19.
A decisão foi tomada no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) 828, de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e encerra o período de aproximadamente um ano e meio em que as ordens de remoção e despejo em áreas urbanas e rurais foram obstadas, com fundamento no princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Com o arrefecimento da crise sanitária, o plenário da Corte entendeu que não seria possível prorrogar o impedimento de retomada das propriedades, mas, visando reduzir os impactos habitacionais e humanitários decorrentes de demandas desta natureza, determinou a criação de um “regime de transição”, a fim de que a execução das decisões de reintegração de posse que foram suspendidas ocorram de forma gradual e escalonada. Essas medidas, portanto, terão que atender requisitos específicos para serem cumpridas, a saber:
1) Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais devem instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio aos juízes, sendo que, no início, as comissões devem elaborar estratégia para retomada das decisões de reintegração de posse suspensas, de maneira gradual e escalonada;
2) As comissões de conflitos fundiários devem realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão para desocupação, mesmo nos locais em que já exista a determinação do despejo. Ministério Público e Defensoria Pública devem participar;
3) Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que envolvam remoção também devem ser previamente comunicadas e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas que resguardem o direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família.
Observa-se que as medidas anunciadas são precipuamente de iniciativa do Poder Judiciário e, portanto, independem, ao menos neste primeiro momento, da iniciativa dos interessados.
As condicionantes impostas remetem à busca do Poder Judiciário pela resolução consensual dos conflitos e com o menor impacto possível. A preocupação é justificada e louvável, afinal, a ordem de despejo das ocupações coletivas envolve, quase sempre, parcela vulnerável e marginalizada da população. A remoção, medida complexa, relaciona-se intimamente com vínculos afetivos socioculturais e com o sentimento de pertencimento dos envolvidos. Até por isso, deve ser sempre manuseada com parcimônia.
Cabe destacar a existência de exceções à regra geral. O STF não se omitiu àquelas situações manifestamente urgentes e que, definitivamente, não podem mais ser postergadas. São os casos em que as ocupações e invasões são estabelecidas em áreas de risco, suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, inundações ou processos correlatos, ou, ainda, que se trate de medida necessária ao combate ao crime organizado. Nestas hipóteses, a remoção poderá acontecer, respeitados os termos do art. 3º-B da Lei Federal nº 12.340/2010.
O destaque feito pelo Poder Judiciário é pertinente. Em vários casos, as ocupações se estabelecem clandestinamente, de forma desordenada, em locais desprovidos das mais básicas infraestruturas elétrica, hidráulica e geotécnica, que proporcionam, diretamente ou indiretamente, perigo à integridade física dos próprios ocupantes e de terceiros, como os usuários de rodovia, com o elevado risco de curtos-circuitos, deslizamentos de acomodações geológicas e desmoronamento de construções.
Gostou do tema e se interessou pelo assunto? Mais informações podem ser obtidas junto à equipe do contencioso cível do VLF Advogados.
Lucas Auer
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados