Da inexistência de direito subjetivo ao parcelamento do débito no cumprimento de sentença
Gabrielle Aleluia, Débora Melillo e Raul Celistre
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) foi instado a se manifestar sobre a existência ou não de direito do devedor ao parcelamento do débito no âmbito do cumprimento de sentença, tal como admite o art. 916 do Código de Processo Civil (“CPC”) no que tange à execução de título extrajudicial.
A discussão foi estabelecida no âmbito do Recurso Especial nº 1.891.577/MG, por meio do qual o Recorrente defendia a possibilidade de mitigação da vedação constante do art. 916, § 7º, do CPC/2015, que dispõe expressamente sobra a inaplicabilidade do parcelamento legal (art. 916, caput, do CPC) no cumprimento de sentença:
Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
[...]
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.
Segundo o Recorrente, o parcelamento do débito deveria ser autorizado à luz do princípio da menor onerosidade da execução, notadamente quando o devedor estivesse em situação de crise econômico-financeira.
O recurso, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, foi julgado em maio de 2022, e concluiu que não é possível a mitigação da vedação indicada acima, considerando que “a estrutura da atividade executiva tem como finalidade precípua a satisfação do crédito” devendo ser processada no interesse do seu titular (o credor), de acordo com o art. 797 do CPC.
A decisão discorreu sobre a aplicação e interpretação do princípio da menor onerosidade, com destaque para a doutrina de Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, segundo a qual,
O princípio da menor onerosidade inspira a escolha do meio executivo pelo juiz, isto é, da providência que levará à satisfação da prestação exigida pelo credor. Ele incide na análise da adequação e necessidade do meio – não do resultado a ser alcançado.
Essa constatação é muito importante.
É inadequado, por exemplo, invocar esse princípio como limite ao direito do credor à tutela específica das prestações de fazer, de não fazer ou de entregar coisa. O devedor não pode invocar a menor onerosidade como fundamento para furtar-se ao cumprimento da prestação na forma específica. Além disso, o princípio não autoriza a interpretação de que o valor da execução deve ser reduzido, para que o executado possa cumprir a obrigação, ou de que se deve tirar o direito do credor de escolher a prestação na obrigação alternativa, muito menos permite que se crie um direito ao parcelamento da dívida, ou direito ao abatimento dos juros e da correção monetária etc.
O Relator também esclareceu que a jurisprudência do col. STJ admitia o parcelamento do débito no âmbito do cumprimento de sentença sob a égide do CPC de 1973, pois não havia impedimento legal nesse sentido e o próprio CPC/73 estabelecia a aplicação subsidiária das normas relativas à execução de título extrajudicial na fase de cumprimento de sentença (art. 475-R do CPC/73). Em virtude disso, àquela época, era admitida a aplicação do art. 745-A do CPC/73 (que trata do parcelamento na execução de título extrajudicial) no cumprimento de sentença.
Esse entendimento, porém, não subsiste atualmente, apesar de o novo CPC também versar sobre a aplicação subsidiária das regras da execução de título extrajudicial no cumprimento de sentença (art. 513 do CPC/2015). Isso porque, agora, o §7º do art. 496 do CPC/2015 veda expressamente a aplicação do disposto no caput (parcelamento legal) no âmbito do cumprimento da sentença, sendo essa a vontade do legislador.
Para o Relator, entendimento contrário faria “letra morta do novo regramento introduzido no ordenamento jurídico pátrio, contrariando a máxima hermenêutica de que a lei não contém palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda)”. Diante disso, o acórdão reconheceu “a inexistência de direito subjetivo do executado ao parcelamento da obrigação de pagar quantia certa, em fase de cumprimento de sentença, não cabendo nem mesmo ao juiz a sua concessão unilateralmente, ainda que em caráter excepcional” (STJ. REsp nº 1.891.57/MG. Min. Marco Aurélio Bellizze. Unânime. Julgado em 24/05/2022).
Tal entendimento, porém, não afasta a possibilidade de credor e devedor transacionarem sobre a quitação do débito, com base no princípio da autonomia da vontade, considerando tratar-se de direito patrimonial disponível.
Vale ressaltar, por fim, que atualmente tramita em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (“CCJC”) o Projeto de Lei nº 1325/2021, que alteraria o dispositivo da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para permitir o pagamento parcelado do crédito exequendo no cumprimento da sentença.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Gabrielle A. de Melo Aleluia
Coordenadora e Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Débora Melillo de Almeida Gomes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Raul Celistre de Oliveira Freitas
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-01/opiniao-parcelamento-divida-fase-cumprimento-sentenca.
(2) Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-set-30/parcelar-divida-cumprimento-sentenca-possivel-acordo.
(3) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 155, versão digital.
(4) STJ. REsp nº 1.891.57/MG. Min. Marco Aurélio Bellizze. Unânime. Julgado em 24/05/2022.