Breves notas sobre a cooperação processual no NCPC
Leonardo Wykrota
O Novo Código de Processo Civil (“NCPC”) trouxe, em seu rol de normas fundamentais, o dever de cooperação entre os sujeitos do processo, para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (NCPC, art. 6.º). Fomentou, assim, o dever de colaboração entre os sujeitos do processo e reforçou o papel do magistrado como sujeito ativo do contraditório (1).
O princípio da cooperação é expressamente adotado por países da Europa, como Alemanha, França e Portugal (2). Não se está propriamente, portanto, diante de uma novidade, mas sim de um desdobramento do princípio do contraditório, em seu atual estágio hermenêutico (3), e da boa-fé objetiva. Tanto que, mesmo antes do NCPC, já se reconhecia a presença do princípio da cooperação no ordenamento jurídico brasileiro (4).
O dever de cooperar, todavia, não deve ser confundido com o dever de assistência. É certo que as partes envolvidas em um litígio, a rigor, não terão interesse no auxílio ingênuo mútuo. Não é disso que trata a cooperação. Sua lógica é trazer para o campo processual os ditames da boa-fé objetiva há muito já incorporados pelo direito material no âmbito das cláusulas gerais de boa-fé e de vedação ao abuso de direito.
O que se pretende com o dever de cooperação, portanto, é potencializar uma cultura de diálogo entre os interessados na resolução de um conflito, com reforço dos deveres de: boa-fé; comparecimento pessoal em audiência e prestação de quaisquer esclarecimentos que o juiz considere pertinentes; além da colaboração para a descoberta da verdade, por exemplo (5).
São, como se vê, deveres que complementam a garantia do contraditório, em busca de se evitar imperfeições processuais e comportamentos antiéticos que possam comprometer a efetividade da tutela jurisdicional.
Essa mesma lógica se estende também à relação entre juízes, partes e tribunais. A esse respeito, o Novo Código de Processo Civil é expresso ao dispor que todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive os tribunais superiores, têm o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores (NCPC, art. 67).
Desse modo, os juízes poderão formular, entre si, pedido de cooperação para a prática de qualquer ato processual (NCPC, art. 68), não se restringindo aos poderes instrutórios e, sobretudo, dialogando com os demais sujeitos do processo (6). Poderão estabelecer, pois, procedimentos para a prática de citação, intimação ou notificação de ato; obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; a efetivação de tutela provisória; a efetivação de medidas e providencias para recuperação e preservação de empresas; a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; a centralização de processos repetitivos e a execução de decisão jurisdicional (NCPC, art. 69, §2º), por exemplo.
O dever de cooperação também se destaca no âmbito do procedimento executivo (7), pois contribui para a efetividade do processo como um todo (e não só na fase de conhecimento). Nesse cenário, é importante lembrar que os auxiliares da justiça, enquanto profissionais indispensáveis à prática dos atos processuais ordinatórios, devem se pautar pela lógica da eficiência (CF, art. 37) e da cortesia com as partes e seus procuradores. Enfim, são também uma peça importante para concretizar o princípio da colaboração, na medida em que devem estar atentos à burocracia interna de suas repartições, para se evitar ao máximo que estas impliquem em dilações indevidas na marcha processual.
Leonardo Wykrota
Mestre e doutorando em Direito pela PUC/MG, sócio responsável pela equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados.
(1) DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol 1. Bahia: Ed. Jus Podivm, 2009. p. 50.
(2) O Código de Processo Civil de Portugal, de 2013, assim dispõe sobre a cooperação: “Art. 7º - 1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
(3) Nesse sentido, o contraditório não é visto apenas como garantia de audiência das partes, mas sim como a possibilidade conferida aos sujeitos da relação processual de realmente influir na formação do provimento jurisdicional e de não serem surpreendidos (NCPC, art. 10).
(4) Isso levou Leonardo Carneiro Cunha a afirmar que “o processo realiza-se mediante uma atividade de sujeitos em cooperação”. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, n. 79, p. 153).
(5) CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, n. 79, p. 155.
(6) O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário (NCPC, art. 69, §3º), e deve ser prontamente atendido, objetivando solucionar a lide. Nesse sentido: “Encara-se o processo como o produto de atividade cooperativa: cada qual com as suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final (decisão do magistrado sobre o objeto litigioso). Traz-se o magistrado ao debate processual; prestigiam-se o diálogo e o equilíbrio. Trata-se de princípio que informa e qualifica o contraditório”. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol 1. Bahia: Ed. Jus Podivm, 2009. Pg. 50).
(7) Conforme esclarece Didier Júnior, com apoio em Marcelo Lima Guerra: (...) o direito fundamental à tutela executiva exige um sistema de tutela jurisdicional “capaz de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”. Mais concretamente, significa: a) a interpretação das normas que regulamentam a tutela executiva tem de ser feita no sentido de extrair a maior efetividade possível; b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar uma norma que imponha uma restrição a um meio executivo, sempre que essa restrição não justificar à luz da proporcionalidade, como forma de proteção a outro direito fundamental; c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral de tutela executiva. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol 1. Bahia: Ed. Jus Podivm, 2009. p. 50).