Citação eletrônica por WhatsApp: autorização de juíza para citar réu residente no exterior pelo aplicativo revive o tema no Brasil
Eduardo Metzker Fernandes, Yuri Luna Dias e Henrique de Oliveira Freitas Rosa
A informatização dos processos judiciais trouxe considerável avanço tecnológico ao Poder Judiciário no Brasil e desde que o Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/2015”) entrou em vigor, a busca pela celeridade processual vem atingindo patamares que, até pouco tempo, seriam considerados inimagináveis.
Dentre esses avanços, está a citação eletrônica, recentemente incluída no CPC/2015 após a promulgação da Lei nº 14.195 de 2021, quando o artigo 246 do referido Código de Processo Civil ganhou nova redação, a qual expressamente revela a preferência da citação realizada por meio eletrônico:
Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.
Substituiu-se, assim, a ordem legal de preferência de meios de citação que privilegiava a modalidade postal e por oficial de justiça em detrimento do meio eletrônico.
Em recente decisão no processo nº 5012213-26.2022.8.24.0005, a juíza Dayse Herget de Oliveira Marinho, titular da 3ª Vara Cível de Balneário Camboriú/SC, colocou à prova a nova redação do art. 246 ao determinar a citação eletrônica de um devedor estrangeiro por meio do aplicativo WhatsApp.
De acordo com os autos, as diversas tentativas frustradas de citação do Executado revelaram que, possivelmente, o devedor teria voltado a residir no exterior, o que levou a magistrada a autorizar tal medida.
Para assegurar a validade da citação eletrônica, a juíza determinou que a mensagem fosse enviada por oficial de justiça para garantir fé pública ao ato e evitar futura alegação de nulidade em caso de revelia.
De fato, as citações eletrônicas trouxeram uma série de vantagens ao processo judicial, principalmente no que diz respeito à celeridade processual. No caso em comento, por exemplo, sem a ajuda da tecnologia, a citação do Executado residente no exterior demoraria meses, quiçá anos, até o cumprimento de carta rogatória. No entanto, a citação por aplicativo de mensagens instantâneas faz com que essa distância física seja encurtada e a prática de atos processuais passe de anos para segundos.
Porém, não se pode descuidar da validade desses atos. De acordo com a Resolução nº 354 de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), o cumprimento da citação eletrônica, independentemente do meio utilizado, deverá ser documentado com (i) o comprovante de envio e do recebimento da comunicação processual, com a hora e data da ocorrência, ou com (ii) certidão detalhada de como o destinatário foi identificado e tomou conhecimento do teor da comunicação. Outro ponto importante destacado pelo CNJ é o de que o ato continua sendo de realização exclusiva da secretaria do juízo e dos oficiais de justiça e não pode ser realizado diretamente pelas partes.
Os cuidados listados pelo CNJ, na verdade, são evidentes tentativas de trazer segurança jurídica aos atos processuais – em especial, a citação – realizados por meio eletrônico, ou seja, em ambiente virtual.
É sempre importante ressaltar que, não importa como é praticado o ato processual, os princípios da garantia do devido processo legal e do contraditório devem sempre ser respeitados para que se evite futura nulidade processual.
Especialmente no tocante à citação, eventual nulidade processual poderá acarretar a perda de anos de processo judicial, indo em desencontro com o objetivo principal dessa modernização: a celeridade.
A Resolução nº 354/2020 do CNJ, no entanto, não é específica para a citação eletrônica realizada por e-mail ou WhatsApp, como no caso comentado, que trazem desafios diferentes em relação à citação eletrônica realizada por meio dos sistemas eletrônicos dos tribunais.
A redação do art. 246 do CPC, apesar de atribuir preferência expressa à citação eletrônica, também não se preocupou em diferenciar e explicar as várias formas de se realizar a citação por meio eletrônico, seja pelos sistemas dos tribunais ou por plataformas externas, como e-mail, WhatsApp e outros aplicativos.
Para tentar contornar esse problema, em abril deste ano, o CNJ editou a Resolução nº 455/2022 para tornar obrigatório o cadastro de procuradorias da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades de administração indireta e empresas públicas e privadas no domicílio judicial eletrônico dos tribunais, em tentativa de garantir que a citação eletrônica prevista no CPC seja realizada preferencialmente por meio dos sistemas eletrônicos de processos:
Art. 16. O cadastro no Domicílio Judicial Eletrônico é obrigatório para a União, para os Estados, para o Distrito Federal, para os Municípios, para as entidades da administração indireta e para as empresas públicas e privadas, para efeitos de recebimento de citações e intimações, conforme disposto no art. 246, caput e § 1o, do CPC/2015, com a alteração realizada pela Lei no 14.195/2021.
No entanto, a exemplo do mencionado caso de Balneário Camboriú, não são poucos os processos judiciais em que os Juízes determinam a expedição de citação eletrônica por meio diverso das plataformas dos tribunais como por aplicativos de mensagens instantâneas.
Dessa forma, a citação por e-mail ou WhatsApp pode trazer certa insegurança jurídica para as partes, o que gera questionamentos como: o que fazer nos casos em que o e-mail acabar destinado ao lixo eletrônico ou à caixa de spam? Como provar que a pessoa que realizou a leitura do e-mail de citação foi mesmo o destinatário (réu) e não pessoa diversa, como um hacker? Como provar que o citado de fato leu a mensagem enviada a ele por WhatsApp? São inúmeras as situações que podem trazer dúvidas quanto à validade da citação eletrônica realizada fora dos sistemas dos tribunais.
Assim, a ausência de regulamentação específica sobre os vários meios de se realizar a citação eletrônica, inclusive para pessoas físicas – tendo em vista que a Resolução 455 de 2022 do CNJ cita expressamente apenas as pessoas jurídicas – contribui para a insegurança jurídica que permeia o tema.
Fato é que a citação eletrônica merece melhor regulamentação, que abranja as pessoas físicas e aborde todos os meios possíveis de se realizar a citação – seja a plataforma dos tribunais, o e-mail ou aplicativos de celular.
Eduardo Metzker Fernandes
Coordenador da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Yuri Luna Dias
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Henrique de Oliveira Freitas Rosa
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14 dez. 2022.
(2) CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 354 de 19 de novembro de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3579. Acesso em: 14 dez. 2022.
(3) MIGALHAS. Juíza determina citação de devedor estrangeiro via WhatsApp. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/378479/juiza-determina-citacao-de-devedor-estrangeiro-via-whatsapp. Acesso em: 14 dez. 2022.
(4) MIGALHAS. Citações eletrônicas ou citações por meio eletrônico. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/354784/citacoes-eletronicas-ou-citacoes-por-meio-eletronico. Acesso em: 14 dez. 2022.