Considerações sobre bloqueio e exclusão de perfis em redes sociais sem notificação anterior
Guilherme Calais e Diego Murça
As redes sociais vêm se consagrando entre os meios de comunicação, seja pelo fácil acesso às mais diversas espécies de mídias sociais seja pela rápida interação entre os seus usuários. Em pesquisa datada de janeiro de 2020, só no Brasil haveria mais de 140 milhões de perfis ativos em redes sociais, o que representaria, pelo menos, 66% da população conectada por este tipo de interação digital (1).
Atentos a esse cenário, cada vez mais, os fornecedores de produtos e serviços vêm se utilizando dessas plataformas para o contato com seus clientes e para a realização de campanhas publicitárias, fazendo das redes sociais um espaço de estímulo econômico em torno da venda de mercadorias e serviços.
Entretanto, se de um lado as redes sociais fomentam o exercício do direito à liberdade de expressão garantido constitucionalmente pelo art. 5º, IV, da CR/88 (2), especialmente por meio de propagadas impulsionadas por perfis corporativos e de influenciadores digitais, de outro são palco para hostilidades que podem ofender políticas corporativas ou mesmo direitos fundamentais dos usuários.
Diante desse cenário, vem se consolidando a ideia de que a liberdade de expressão “não pode extrapolar o limite do razoável e violar o respeito aos direitos e à reputação das demais pessoas” (STJ. REsp nº 1897338/DF. Min. Luis Felipe Salomão. 24.11.2020), como foi abordado no Informativo VLF - 96/2022, de 28 de setembro de 2022. Também vem se admitindo, em alguns casos, a responsabilidade da plataforma pela não exclusão de conteúdos que violam direitos fundamentais, pois, apesar de a plataforma não ser “obrigada a controlar, de forma prévia, o conteúdo postado por seus usuários, é certo que, por controle posterior, deve retirar aquele de cunho impróprio e que causa lesão a direito de terceiros […], no momento em que toma conhecimento do fato” (TJMG, 17ª CACIV, Apelação 1.0000.22.103276-6/001, Des. Evandro Teixeira, 01.09.2022).
Houve, como consequência, aumento da demanda por controle de conteúdo das redes sociais, com o recrudescimento das respectivas políticas de conduta, para compatibilizar liberdade de expressão e a defesa dos direitos fundamentais. Contudo, não raramente, o esforço para coibir condutas contrárias às diretrizes de cada plataforma implica o bloqueio ou mesmo o cancelamento de perfis ou contas de usuários de forma automática (por meio de algoritmos que detectam a violação de políticas da rede).
Não raro, porém, esse bloqueio ou cancelamento ocorre sem o aviso ao usuário ou por meio de aviso genérico de “violação das políticas de conduta da plataforma”, sem se detalhar o que ocorreu. A situação se agrava no cenário (também comum) em que o suporte aos usuários das plataformas se dá por meio de “bots”, isso é, de ferramentas baseadas em inteligência artificial que geram respostas automáticas às solicitações de suporte por usuários.
Nesses casos, o usuário, sem saber a causa exata da suspensão e/ou do cancelamento de sua conta, pode ter sua conta definitivamente encerrada. Essa situação tem sido vista com recorrência no Judiciário, que, por sua vez, tem entendido que a inativação ou exclusão definitiva de um perfil de rede social deve ser precedida da possibilidade de defesa do suposto infrator, com a exposição clara dos motivos que levaram ao bloqueio, como se vê abaixo:
A mera suspeita de abuso das condições contratuais sem a indicação pontual da infração que justificaria a suspensão do serviço, não autoriza o cancelamento unilateral das contas de redes sociais utilizadas pelo agravado, bem como das demais funcionalidades contratadas, sem que o provedor do serviço ofereça condições da parte recuperar o conteúdo de documentos e produtos sobre os quais não recai suspeita de abuso. (TJSP, 11ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2114145-69.2022.8.26.0000, Des. Walter Fonseca, 23/09/2022)
Ao acusar um usuário de violar os termos de uso, a requerida, ora apelada, deve, não apenas explicar a violação, como também fazer prova do motivo que a levou a excluir a conta do autor porque, apesar de estar assegurado ao requerido o direito de bloqueio de conta/perfil de usuários, há necessidade de que demonstre a justa causa para a prática do ato. (TJMG, 13ª Câmara Cível, Apelação Cível 1.0000.21.218042-6/001, Des. Rogério Medeiros, 03/02/2022)
Esse entendimento tem amparo nas disposições da Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), que ressalta a liberdade de expressão e coíbe o banimento unilateral dos serviços fundado em descumprimento da política de uso sem que haja comunicação prévia, ao usuário, dos motivos que levaram à conduta (3). A ideia é garantir aos usuários direitos ao contraditório e ampla defesa, evitando, também, a desnecessária judicialização de assuntos que podem ser resolvidos administrativamente.
Em relação a empresas, especificamente, as redes sociais são um dos principais meios de divulgação de produtos, campanhas publicitárias e de relacionamento com o mercado e seu público consumidor, ou seja, a disponibilidade das contas, sobretudo quando utilizada para fins comerciais, está diretamente ligada à atuação do usuário com o seu nicho de mercado, podendo impactar em pontos relevantes como o sucesso de uma campanha ou lucro com a comercialização de um produto ou serviço.
Assim, não sendo respeitados o contraditório e a ampla defesa no campo administrativo, a Justiça tem considerado ilegal a realização de suspensão ou de bloqueio de perfil. Mas é claro que, se a conduta do usuário violar comprovadamente as políticas de determinada rede social, o bloqueio ou cancelamento devidamente alertados serão mantidos.
É importante, pois, separar o direito do usuário à comunicação prévia sobre a possibilidade de bloqueio ou exclusão das contas e ou perfis criados nas mais diversas mídias sociais acessíveis à população brasileira, do conteúdo propriamente dito. A exigência de comunicação prévia, desde que respeitada a garantia de defesa, não retira a possibilidade de os administradores destas plataformas o direito-dever de bloquear e/ou excluir tais perfis/contas que incidam em condutas antijurídicas.
Se interessou pelo tema? Mais informações podem ser obtidas com a equipe cível do VLF Advogados.
Guilherme Calais
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Íntegra disponível em: https://ninho.digital/uso-das-redes-sociais/.
(2) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
(3) Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II - proteção da privacidade;
III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;
V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
VII - preservação da natureza participativa da rede;
VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.