O Clube dos Jardineiros de Fumaça, livro de Carol Bensimon, e Argentina, 1985, filme de Santiago Mitre
Pedro Ernesto Rocha e Katryn Rocha
O Clube dos Jardineiros de Fumaça
2022 foi um ano marcante para o Brasil, especialmente por ter ocorrido uma das mais combativas disputas eleitorais da história democrática de nosso país.
Nas eleições a discussão sobre costumes sobrepujou com folgas as tradicionais discussões de cenário econômico, empregabilidade e qualidade dos serviços públicos. O que esteve em arena nesse aspecto cultural dos debates foi, de um lado, ideias conservadoras, e, de outro, ideias progressistas (que, na verdade, por medo de perder eleitores, nem foram assim tão progressistas...). E a conclusão extraída dessa situação é uma só e já virou jargão: o Brasil é um país dividido, com grupos sociais bem diferentes entre si.
Nesse contexto é que entra a recomendação de leitura desse mês: O Clube dos Jardineiros de Fumaça, publicado pela Companhia das Letras e escrito por uma importante voz da literatura brasileira contemporânea, a gaúcha Carol Bensimon.
O livro perpassa um recorte temporal da vida de Arthur, professor de ensino médio que resolve plantar maconha para que sua mãe possa fumar e aliviar suas dores decorrentes de um câncer em estágio avançado. Arthur é pego, é claro, mas consegue a liberdade e muda-se para o condado de Mendocino, na Califórnia (que é onde também reside a autora desta história), um local em que a maconha, seu cultivo e seu consumo são parte da cultura. Lá, Arthur tem contato com curiosos personagens, os quais passamos a conhecer e cujas histórias passamos a saborear, passando por dramas familiares comuns, poliamor e empregos arriscados.
Se livros como O Clube dos Jardineiros de Fumaça fossem tão lidos quanto, digamos, os debates presidenciais são assistidos, talvez muito mais pessoas pudessem ser capazes de perceber que não se pode encaixotar e limar os sentimentos e desejos humanos, e que, portanto, é uma crueldade querer limitar as possibilidades e escolhas individuais de cada pessoa acerca de sua própria vida. Um bom costume não é aquele em que todos são iguais, é, ao contrário, aquele em que todos podem, com liberdade e segurança, conviver com suas diferenças.
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Argentina, 1985
Argentina, 1985, filme dirigido por Santiago Mitre, é inspirado na história dos promotores Julio Strassera (interpretado pelo talentoso e onipresente Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que em 1985 ousaram investigar e processar comandantes militares por crimes cometidos durante a ditadura argentina, que aconteceu entre os anos de 1976 e 1983. Na época, 30 mil pessoas teriam desaparecido sem explicações. A dupla reuniu uma equipe jurídica jovem e improvável para enfrentar a influência dos militares na época.
A produção, que já foi nomeada e ganhadora de premiações como o Prêmio Fipresci no Venice International Film Festival e o Prêmio por Escolha do Público no San Sebastián Intenational Film Festival, foi escolhida pelo governo do país para representá-lo na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2023.
Argentina, 1985 além de retratar o julgamento de militares da ditadura argentina é também uma aula de cinema educacional. Dois anos após o fim da ditadura, que até então não havia sido investigada, o Julgamento das Juntas (como ficou conhecido o caso) é um marco histórico não só para a Argentina, mas para todo o mundo por ter sido o primeiro tribunal civil que colocou ditadores militares no banco dos réus, contribuindo para a reconstrução da memória coletiva e evidenciando que acertar contas com o passado é crucial para impedir novos ataques à democracia.
É importante lembrar que antes do julgamento uma das primeiras medidas do presidente eleito Raúl Alfonsín foi a criação da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (“Conadep”), ainda em 1983. A comissão investigou, por quase dez meses, os crimes dos militares, percorrendo todo o país, buscando testemunhos dos sobreviventes, dos familiares e dos próprios repressores. A comissão também recebeu muitas denúncias sobre centros ilegais de detenção e tortura. Todo esse trabalho, com testemunhos e provas, foi usado também no julgamento de 1985.
O relatório da Conadep foi entregue ao presidente Alfonsín, em setembro de 1984, e recebeu o nome “Nunca mais”, que o promotor Julio Strassera cita em sua alegação final contra os militares: “Senhores juízes: quero renunciar expressamente a qualquer pretensão de originalidade para encerrar esta requisitória. Quero usar uma frase que não me pertence, porque pertence já a todo o povo argentino. Senhores juízes: nunca mais!”. O “Nunca mais” é a refundação simbólica da democracia. Nunca mais violações dos direitos humanos.
Argentina, 1985 está disponível no Prime Vídeo.
Katryn Rocha
Auxiliar de Comunicação do VLF Advogados