Precedente do STJ chama atenção para a insegurança jurídica em relação aos limites territoriais e temporais de cláusulas de exclusividade e não concorrência
Patrícia Bittencourt
Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reformou entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a fim de reconhecer a vigência de cláusula de exclusividade após a rescisão contratual, desde que limitada espacial e territorialmente.
A discussão que fundamentou o mencionado precedente envolvia a previsão de contrato de intermediação comercial que impunha ao parceiro credenciado o dever de exclusividade pelo prazo de 6 (seis) meses após a rescisão do contrato, sob pena de multa fixada em 10% do valor do contrato.
Apesar de ter sido reconhecida em primeira instância a validade de tal disposição, que seria destinada a “proteger o know-how, em vista dos investimentos da autora em tecnologia, treinamentos, qualificação, marketing e credenciamento", em segunda instância, o TJMG firmou entendimento no sentido de que tal cláusula seria inválida, "tendo em vista que os efeitos do contrato só perduram durante sua vigência e não após sua cessação".
O STJ entendeu por relativizar a estrita interpretação do Tribunal mineiro, na medida em que a limitação dos efeitos da cláusula ao período de vigência contratual retiraria toda sua importância, uma vez que se trata de disposição expressamente acordada pelas partes para produzir efeitos após a extinção do vínculo contratual.
Cumpre observar que as cláusulas de não concorrência e exclusividade são extremamente comuns no mercado empresarial, especialmente em contratos que envolvam a clientela, ativo intangível e de difícil mensuração, mas de potencial econômico de grande relevância. Ademais, em tais casos, as partes contratantes normalmente têm conhecimento amplo específico sobre a organização interna das atividades desenvolvidas.
Sendo assim, e considerando se tratar de contrato empresarial, houve a interpretação da cláusula de acordo com o princípio da boa fé objetiva, já que é razoável a vedação ao estabelecimento de concorrência entre empresas que voluntariamente se associam, bem como o prolongamento dessa exigência por prazo hábil a propiciar a desvinculação da clientela adquirida durante o período de vigência do contrato e, assim, evitar que seja transferida, sem qualquer ônus, ao concorrente.
É dizer, de acordo com o STJ, "quando a relação estabelecida entre as partes for eminentemente comercial, a cláusula que estabeleça dever de abstenção de contratação com sociedade empresária concorrente pode irradiar efeitos após a extinção do contrato, desde que limitada espacial e temporalmente".
Questão importante envolve a subjetividade quanto aos limites espaciais e temporais que o STJ reconhece como indispensáveis, já que a restrição à concorrência no Brasil, país no qual a livre iniciativa privada está prevista na Constituição, é medida excepcional, ainda que se trate de disposição acordada entre as partes.
A este respeito, cumpre inclusive destacar que a preocupação com os efeitos concorrenciais potencialmente negativos chegou a inspirar a vedação de restabelecimento igual (2) em casos de trespasse, conforme art. 1.147 do Código Civil (3).
Uma vez que a validade da cláusula de exclusividade ou de não concorrência necessariamente depende da fixação territorial e temporal dos seus efeitos, e diante da inexistência de maiores disposições sobre o tema, normalmente a sua razoabilidade, caso exista litígio entre as partes, é verificada posteriormente pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto.
Resta, assim, uma verdadeira insegurança jurídica já que existe, inclusive, uma dificuldade no estabelecimento de parâmetros a partir dos precedentes dos Tribunais brasileiros, já que irão variar de acordo com a região, com o mercado relevante e com o período próprio de estabelecimento comum em cada atividade.
Em relação à limitação temporal, apesar de inexistir qualquer disposição específica, o parâmetro de cinco anos adotado pelo Código Civil para os casos de trespasse pode ser entendido como um parâmetro máximo, servindo de limite aos casos nos quais não há alienação do estabelecimento empresarial. Este parece ser o raciocínio utilizado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.203.109/MG (4).
Por sua vez, a limitação territorial é de aferição ainda mais difícil, uma vez que deve ser relacionada à atividade objeto do contrato que contém a cláusula de não competitividade ou exclusividade. Sendo assim, é imprescindível a aferição do mercado relevante geográfico, a fim de limitar a exclusividade ou não concorrência à área na qual ocorreu a captação da clientela que se tem como objetivo proteger.
Importante destacar que a aferição do mercado relevante geográfico em determinadas áreas é de extrema dificuldade, em razão da crescente informatização dos serviços e do aumento da acessibilidade a produtos ou serviços.
Ocorre que não parece se tratar de questão analisada pelo Poder Judiciário, ao menos até o presente momento, com a sensibilidade que se espera. De ponto positivo, cumpre destacar o reconhecimento da autonomia das partes para dispor, ainda que na fase pós-contratual, acerca de especificidades sobre a exclusividade ou não competitividade, ainda que sem maiores parâmetros que permitam uma segurança jurídica sobre o tema.
Patrícia Bittencourt
Advogada da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
(1) Trata-se de Recurso Especial interposto por Telefônica Brasil S.A. em desfavor de Leonardo Rodrigo Seabra Pedrosa - ME, autuado sob o nº 1.203.109/MG, em trâmite perante a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
(2) Apesar de ser mais comum encontrar na doutrina e na jurisprudência referências à vedação de restabelecimento, desacompanhada de maiores considerações sobre seus limites, chama-se atenção que a vedação ao restabelecimento exige, para ser válida, limitação quanto ao seu tempo, o espaço de abrangência e o seu objeto, tratando-se mais de condição específica do que propriamente de uma vedação à concorrência.
(3) Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.
(4) Veja ementa do acórdão: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO EMPRESARIAL ASSOCIATIVO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AFASTADA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CARACTERIZADO. EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. LIMITE TEMPORAL E ESPACIAL. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Demanda em que se debate a validade e eficácia de cláusula contratual de não-concorrência, inserida em contrato comercial eminentemente associativo. 2. A aplicação do direito ao caso concreto, ainda que com fundamentos jurídicos diversos, não caracteriza julgamento extra petita. 3. Pela teoria finalista, só pode ser considerado consumidor aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 4. A jurisprudência do STJ admite a flexibilização da teoria finalista, em caráter excepcional, desde que demonstrada situação de vulnerabilidade de uma das partes, o que não se vislumbra no caso dos autos. 5. A funcionalização dos contratos, positivada no art. 421 do Código Civil, impõe aos contratantes o dever de conduta proba que se estende para além da vigência contratual, vinculando as partes ao atendimento da finalidade contratada de forma plena. 6. São válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela - valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente. 7. Recurso especial provido. (REsp 1203109/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 11/05/2015)