O que muda com as reformas legislativas relacionadas à arbitragem
Lucas Sávio Oliveira
Entrou em vigor no último dia 27 de julho a Lei nº 13.129/2015 (1), passando assim a valer as alterações por ela realizadas na Lei de Arbitragem (2) e, também, na Lei das Sociedades Anônimas (3). Com as reformas legislativas, a arbitragem, que já se consolidou no Brasil como uma das maneiras mais eficazes de resolução de conflitos, ganhou força.
Questões que antes poderiam gerar dúvidas, tais como a possibilidade de utilização da arbitragem pela administração pública, como proceder em caso de câmaras com listas fechadas de árbitros, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a prerrogativa dos árbitros em proferir sentenças parciais, a concessão de tutelas cautelares e de urgência, ou sobre a comunicação entre os árbitros e o poder judiciário e questões relacionadas à inserção de convenção de arbitragem nos estatutos sociais de sociedades anônimas, passaram a ser expressamente reguladas.
Arbitragem e administração pública
Desde a segunda metade do Século XIX a arbitragem é adotada no Brasil para a resolução de controvérsias em contratos administrativos, tendo sido escolhida, por exemplo, para a resolução de possíveis litígios que pudessem surgir das concessões de estradas de ferro gerais na época do Império Brasileiro, tal como aprovado pelo Decreto nº 7.959, de 29 de dezembro de 1880 (4). Ainda assim, muito se questionou sobre esta possibilidade, afirmando-se, dentre outros equívocos, que ao submeter-se à arbitragem a administração pública estaria transacionando com o interesse público, algo que seria inadmissível, e que, além disso, seria necessária uma lei que expressamente permitisse que o Estado se utilizasse da arbitragem.
Para por fim a questionamentos como estes, foram incluídos ao art. 1º da Lei de Arbitragem dois parágrafos. O primeiro afirma categoricamente que “[a] administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. O segundo, por sua vez, estabelece que as autoridades ou órgãos competentes para celebrar convenções de arbitragem são os mesmos autorizados a celebrar acordos. Além disso, foi incluído o parágrafo terceiro ao art. 2º, deixando claro que os procedimentos arbitrais envolvendo a administração pública serão de direito, ou seja, com base na lei e não por equidade, e respeitarão sempre o princípio da publicidade.
Listas fechadas de árbitros
Determinadas câmaras de arbitragem, com o intuito de estabelecer padrões de qualidade para os procedimentos por elas administrados e, até mesmo, facilitar a escolha das partes, que podem não conhecer profissionais qualificados para resolver seus litígios, fazem o cadastramento de especialistas, os quais passam a compor suas listas de árbitros. Algumas dessas câmaras trazem em seu regulamento a obrigatoriedade de que litígios a elas submetidos sejam resolvidos por profissionais que componham as referidas listas.
A prática acima descrita, legítima que é, não foi proibida pela Lei de Arbitragem. A mudança, expressa no novo parágrafo quarto do art. 13, foi no sentido de garantir às partes, de comum acordo, a possibilidade de afastar a aplicação de dispositivos que limitem a escolha dos árbitros às listas fechadas, deixando-as livres para escolher os profissionais que julgarem adequados. Ainda assim, os órgãos competentes das instituições estão autorizados a realizar controle da escolha.
Arbitragem e prescrição
Com a Lei da Arbitragem foi estabelecido que, no Brasil, a arbitragem considera-se instituída com a aceitação de todos os árbitros do tribunal ou, em caso de árbitro único, quando este aceitar sua nomeação, tal como definido por seu art. 19. Todavia, havia dúvida se esta seria a data para que se considerasse interrompida a prescrição.
A Lei nº 13.129/2015 acrescentou o parágrafo segundo ao referido artigo, segundo o qual a instituição da arbitragem (ou seja, a aceitação pelos árbitros nomeados) interrompe a prescrição e que, como não poderia deixar de ser, esta retroage à data em que foi requerida a instituição da arbitragem.
Sentenças Parciais
A possibilidade de que os árbitros profiram sentenças parciais, ou seja, que resolvem de forma definitiva apenas parte do litígio, deixando o que faltar para um segundo momento, é uma questão procedimental. Sendo assim, terá como fonte a vontade das partes, o regulamento de arbitragem por elas escolhido em caso de arbitragens institucionais ou, conforme o caso, a lei do local onde a arbitragem tem sua sede. Esclarece-se que a vontade das partes pode ser no sentido de delegar aos árbitros a regulação do procedimento.
Antes da Lei nº 13.129/2015 não existia na Lei de Arbitragem expressamente a possibilidade de que os árbitros proferissem sentenças parciais. Pelo exposto, fica claro que esta definição poderia vir de qualquer das fontes quanto a questões procedimentais, podendo, em último caso, ser definida pelos próprios árbitros. Ainda assim, é importante que hoje a Lei de Arbitragem trate expressamente desta possibilidade, evitando qualquer questionamento posterior nos casos em que sentenças parciais forem proferidas em arbitragens ocorridas no Brasil.
Tutelas cautelares e de urgência
Por vezes as partes necessitam de uma decisão com urgência para poder resguardar seus direitos, o que pode ocorrer antes ou depois de que o procedimento arbitral tenha sido iniciado. Todavia, o texto original da Lei de Arbitragem não tratava expressamente sobre estes casos.
Como já dito, a arbitragem só é instituída no Brasil com a aceitação de todos os árbitros. Este procedimento, no entanto, pode levar tempo. Imagine-se o caso em as partes definiram a resolução de controvérsias por um tribunal composto por três árbitros: o requerente terá que fazer a solicitação de arbitragem, indicar seu árbitro, esperar que o requerido faça sua indicação, aguardar até a definição do terceiro árbitro e a aceitação de todos eles, sem contar a possibilidade de que impugnações das indicações ocorram nesse ínterim. Todo o tempo até a instituição da arbitragem pode acabar significando a perda do objeto.
Para evitar esta consequência, alguns regulamentos de arbitragem estabeleceram a figura do árbitro de emergência, que seria nomeado da forma mais célere possível, apenas para resolver a questão urgente. Nos casos em que as partes não contam com essa possibilidade, a solução será ingressar com uma cautelar no Judiciário.
Com a inclusão dos artigos 22-A e 22-B na Lei de Arbitragem, ficou expressamente definido que as partes podem recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência, e que, uma vez instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário. Caso haja concessão judicial da medida requerida, o procedimento arbitral deverá ser solicitado pela parte interessada em 30 dias, sob pena de cessação da eficácia da medida concedida. Nas hipóteses em que as medidas cautelares e de urgência sejam necessárias com a arbitragem em curso, elas deverão ser requeridas diretamente aos árbitros.
A carta arbitral
Durante os procedimentos é possível que os árbitros tenham que contar com o judiciário para que sejam cumpridos determinados atos. Trata-se de uma questão de cooperação, e que ocorrerá quando os árbitros necessitarem seja praticado um ato de força ou a imposição de uma medida coercitiva. Isso ocorre devido ao fato de que, apesar de contarem com jurisdição, os árbitros não têm poder de polícia. Assim, não podem, por exemplo, compelir uma pessoa a testemunhar, sendo necessário que se faça um pedido ao Judiciário para que se ordene a condução coercitiva da testemunha.
Para regular a comunicação entre os árbitros e os juízes estatais, a Lei nº 13.129/2015 estabeleceu a figura da carta arbitral com a inclusão do art. 22-C à Lei de Arbitragem. Nela haverá o pedido para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Caso se tenha estipulado que a arbitragem é confidencial, será observado no cumprimento da carta o segredo de justiça.
O novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, que entrará em vigor em março de 2016, também garante o sigilo em caso de arbitragens confidenciais (art. 189, IV). Além disso, estabelece em seu art. 260, §3o, que a carta arbitral atenderá aos mesmos requisitos das cartas de ordem, precatórias e rogatórias e, além disso, será instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação.
Convenção de arbitragem e sociedades anônimas
A Lei das Sociedades Anônimas também foi alterada pela Lei nº 13.129/2015. Desde 2002 vigora a previsão legal de que os estatutos sociais das sociedades anônimas estabeleçam que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, podem ser resolvidos por arbitragem (art. 109, §3o, acrescido pela Lei nº 10.303/2001).
As discussões que surgiram desde então diziam respeito aos direitos dos acionistas dissidentes: por um lado, não havia na Lei das Sociedades Anônimas a possibilidade de retirada por parte dos dissidentes em caso de inserção da convenção de arbitragem; por outro, o consentimento das partes é requisito essencial para que se possa recorrer à arbitragem.
Com a inserção do art. 136-A à Lei das Sociedades Anônimas, o direito de retirada em caso de não concordância com a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social está garantido. Todavia, há exceções.
Não haverá o direito caso a inserção represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam negociados em segmento de listagem de bolsa de valores, tal como o Mercado Novo da Bovespa, ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe. Outra exceção é nos casos de inclusão em estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado.
Lucas Sávio Oliveira
Advogado da equipe de Arbitragem, Consultoria Internacional e Contratos do VLF Advogados.
(1) Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm
(2) Lei nº 9.307/1996, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm
(3) Lei nº 6.404/1976, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm
(4)Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7959-29-dezembro-1880-547352-publicacaooriginal-62081-pe.html