STJ se posiciona sobre a polêmica questão da garantia do FGC sobre os investimentos dos fundos de pensão em instituições financeiras insolventes.
Patrícia Bittencourt
Em recente decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) finalmente se pronunciou sobre questionamento antigo das entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) acerca da validade do Regulamento do Fundo Garantidor de Crédito (“FGC”), no que toca à disposição de que as entidades seriam as únicas beneficiárias da garantia oferecida pelo FGC nos casos de insolvência da instituição financeira na qual os recursos teriam sido investidos.
Em linhas gerais, os fundos de pensão buscavam o reconhecimento da ilicitude do regulamento do FGC ao dispor que “os créditos titulados por (...) entidades de previdência complementar (...) serão garantidos até o valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) na totalidade de seus haveres em um mesmo conglomerado financeiro” (1).
Buscava-se, assim, a partir da análise jurídica das relações estabelecidas entre os trabalhadores, o fundo de pensão e as instituições financeiras, o reconhecimento de que, na verdade, os recursos investidos não pertencem às entidades gestoras, mas compõem um fundo comum aos poupadores.
A atuação da entidade de previdência complementar seria, neste contexto, como prestadora de serviços e mandatária, mera representante dos trabalhadores, que, portanto, fariam jus ao limite de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), individualmente.
A defesa do FGC, associação (2) criada pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) em 1995, com o objetivo de proteger a economia popular, na medida em que é um mecanismo de garantia de depósitos e investimentos, mediante financiamento privado (recursos captados no mercado pelas instituições financeiras associadas), se limitou, basicamente, a defender a legitimidade do CMN para dispor sobre a matéria, já que o trecho do regulamento questionado pelos fundos de pensão foi introduzido pela Resolução CMN nº 3.024, de 2002.
O STJ acabou por reconhecer a competência do CMN para dispor sobre a questão, sem enfrentar com o cuidado e técnica jurídica esperados de um Tribunal Superior, optando pela decisão mais política e economicamente viável, ao menos de acordo com o voto proferido pelo Min. Relator.
Em síntese, a conclusão do acórdão noticiado (3), que ainda não transitou em julgado, é de que o FGC teria sido criado para garantir o pequeno investidor, e não os fundos de pensão, que seriam grandes entidades, com estrutura e acesso a mecanismos para apurar os riscos dos investimentos. Destacou-se, ainda, que uma eventual ampliação da garantia prevista no Regulamento do FGC poderia gerar um colapso ao fundo e causaria um desequilíbrio estrutural no Sistema Financeiro Nacional (“SFN”).
Realmente, apesar da ausência de fundamentos estritamente jurídicos na fundamentação da decisão do STJ, qualquer decisão que influencie o destino dos recursos do FGC trata de matéria extremamente delicada, que não pode ignorar os efeitos práticos gerados. Contudo, chamou atenção de forma negativa a completa ignorância à natureza jurídica das entidades de previdência complementar e a própria natureza dos recursos investidos e aos poupadores a ela vinculados.
Enfim, resta-nos aguardar se a questão será submetida ao Supremo Tribunal Federal em razão da proteção constitucional ao SFN, assim como os inevitáveis julgamentos posteriores referentes a este mesmo assunto, esperando ao menos que seja aprofundado o nível de discussão da matéria pelo Poder Judiciário, como se acompanhou nas instâncias inferiores em diversas oportunidades (4).
Patrícia Bittencourt
Advogada da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
(1) Regulamento do FGC – disponível para consulta em http://www.fgc.org.br/upload/regulamento_p.pdf
“Art. 2º São objeto da garantia ordinária proporcionada pelo FGC os seguintes créditos: (...) §3º. O total de créditos de cada pessoa contra a mesma instituição associada, ou contra todas as instituições associadas do mesmo conglomerado financeiro, será garantido até o valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). §4º. Para efeito da determinação do valor garantido dos créditos de cada pessoa, devem ser observados os seguintes critérios: (...) IV – os créditos titulados por associações, condomínios, cooperativas, grupos ou administradoras de consórcio, entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização e demais sociedades e associações sem personalidade jurídica e entidades assemelhadas serão garantidos até o valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) na totalidade de seus haveres em um mesmo conglomerado financeiro”.
(2) Estatuto consolidado do FGC disponível para consulta em http://www.fgc.org.br/upload/estatuto_p.pdf
(3) REsp 1453957/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 26/06/2015, disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201202647260&dt_publicacao=26/06/2015
(4) O Tribunal de Justiça de São Paulo tem proporcionado acórdãos com questionamentos interessantes sobre o tema, a maioria no contexto da falência do Banco Santos. Destaca-se: TJSP. Apelação Cível nº 0205864-56.2005.8.26.0100 Relator(a): Rômolo Russo; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/12/2012; Data de registro: 19/12/2012; Outros números: 6444245000, disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do;jsessionid=DC4CE939210E1F103703DC280284755B.cjsg2?cdAcordao=6422028&cdForo=0&vlCaptcha=wscbd