Restrições ao comércio: como organizações internacionais e outros Estados podem influenciar seus negócios
Lucas Sávio Oliveira e Mariana Resende
Um dos assuntos que mais tem tido atenção no noticiário internacional é a batalha do Presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, para aprovar no Congresso norte-americano o Plano Integral de Ação Conjunta (em inglês, Joint Comprehensive Plano of Action), que visa garantir os fins pacíficos do programa nuclear iraniano e, assim, acabar com as sanções aplicadas ao país. O acordo sobre o Plano foi aprovado em Viena, Áustria, em julho deste ano após intensas negociações entre o Irã e o grupo formado pelos Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, Alemanha e, também, a Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança(1).
Apesar de aparentar ser apenas um assunto político, sanções como as aplicadas ao Irã têm um forte impacto econômico. Há anos o Irã vem sofrendo sanções aplicadas pela Organização das Nações Unidas (“ONU”), pela União Europeia e pelos Estados Unidos, várias delas significando claras restrições ao comércio.
Este é apenas um exemplo de como a atuação de organizações internacionais ou de agências estatais com influência internacional pode afetar o comércio a nível global. A compreensão de como atuam estes agentes e que tipos de restrições podem impor é essencial para empresas que atuem ou queiram ter negócios internacionais.
Conselho de segurança
De acordo com a Carta das Nações Unidas (“Carta da ONU”), dentre os objetivos da organização está a manutenção da paz e da segurança internacionais(2), responsabilidade conferida por seus membros ao Conselho de Segurança(3). Composto por cinco membros permanentes(4) e dez rotativos(5), eleitos a cada dois anos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Segurança age em nome dos Estados-membros da ONU(6), que concordaram em aceitar e executar suas decisões(7).
O Capítulo VII da Carta da ONU trata especificamente da ação do Conselho de Segurança nos casos de ameaças ou rupturas à paz e atos de agressão. É papel do órgão determinar a existência dos referidos casos, fazer as recomendações necessárias e decidir que ações serão tomadas para manter ou reestabelecer a paz e a segurança internacionais(8), as quais podem(9) ou não(10) envolver o emprego de forças armadas. Dentre as medidas abertas é explícita a possibilidade de que sejam interrompidas total ou parcialmente as relações econômicas com Estados agressores.
Ao adotar uma resolução neste sentido, o Conselho de Segurança influi diretamente na atuação das sociedades empresárias que têm negócios com outras sediadas nos países sancionados ou que queiram estabelecer tais negócios. Todavia, as resoluções do Conselho de Segurança contêm obrigações de resultado, ou seja, não dispõem sobre os meios que serão utilizados para que se façam cumprir. Assim, no caso aqui explorado, cabe a cada Estado-membro da ONU tomar as medidas formais e materiais necessárias para que os negócios cessem ou não se iniciem.
O Brasil, por exemplo, internaliza as resoluções por meio de decretos presidenciais e procura restringir o comércio diretamente por meio de portarias da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (“SECEX”)(11). Além disso, existe controle da existência de fundos, outros ativos financeiros ou recursos econômicos pertencentes ou controlados, direta ou indiretamente, pelas pessoas e entidades listadas nas resoluções do Conselho de Segurança: todas as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem comunicar este fatos ao Departamento de Prevenção a Ilícitos Financeiros e de Atendimento de Demandas de Informações do Sistema Financeiro da entidade(12).
União Europeia
As sanções e embargos econômicos impostos pela União Europeia são aplicados no âmbito de sua Política Externa e de Segurança Comum. As restrições(13) são impostas a particulares, entidades e países e consistem em embargos econômicos, proibições de viagens e sanções financeiras, visando proteger os direitos humanos, a democracia, a paz e a aplicação da lei.
As sanções financeiras incluem o congelamento de recursos provenientes de transações proibidas ou que pertençam ou sejam disponibilizados a pessoas ou entidades designadas, ainda que indiretamente. É de responsabilidade das instituições financeiras e de crédito verificar e aplicar estas sanções, devendo bloquear tais recursos.
A redação das normas que tratam das sanções é na maioria das vezes abrangente, buscando garantir que os objetivos de segurança e proteção de direitos humanos serão atingidos. Dessa forma, ainda que a operação não seja realizada entre uma sociedade sediada em um Estado-membro da União Europeia e um indivíduo ou sociedade que sofra restrições, se estes estão envolvidos, mesmo que indiretamente, ou serão beneficiados pela operação, bancos europeus poderão bloquear os recursos relacionados à operação caso sejam nela utilizados.
Estados Unidos da América
Os Estados Unidos são o maior exemplo de como normas e restrições impostos por um país podem afetar diretamente os negócios de organizações que não estão sujeitas, a priori, à sua jurisdição.
A Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (em inglês, Office of Foreign Assets Control(14), “OFAC”), ligada ao Departamento do Tesouro norte-americano (em inglês, Department of Treasure), possui atuação semelhante ao que ocorre no âmbito da União Europeia. Ela é responsável pela administração e aplicação de sanções e embargos econômicos a países, entidades e indivíduos envolvidos em terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa, tráfico internacional de drogas ou que de alguma forma ameacem a segurança nacional, política externa ou economia dos Estados Unidos. Sua competência é ampla e, por meio de autorizações presidenciais ou legislativas, a OFAC proíbe transações, bloqueia ativos e aplica penalidades(15).
Dentre os diversos instrumentos de restrições, a OFAC mantem uma lista de Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Impedidas (em inglês, Specially Designated Nationals and Blocked Persons) que determina as pessoas e entidades com as quais é proibido realizar qualquer transação, independentemente do valor, sem a concessão de uma licença. As operações envolvendo as pessoas e entidades designadas são sempre proibidas ainda que realizadas por meio de um agente intermediário.
Devem cumprir as restrições da OFAC cidadãos norte-americanos, independente de seu domicílio, indivíduos que possuam visto permanente, todos os particulares e organizações que se encontram nos Estados Unidos, todas as organizações sediadas nos Estados Unidos e suas filiais no exterior, bem como, em alguns casos, empresas subsidiárias ou controladas por organizações americanas.
No entanto, assim como ocorre na União Europeia, a alcance das restrições é ainda maior se considerarmos a complexidade das relações e o número de agentes envolvidos no contexto dos negócios internacionais. As pessoas sujeitas às normas da OFAC certamente exigirão de terceiros com os quais mantém relações contratuais, o cumprimento das restrições da OFAC.
Destaca-se o caso das instituições financeiras sediadas nos Estados Unidos, proibidas de contribuir com o descumprimento das sanções impostas pela OFAC. A título de exemplo, elas não podem emitir uma carta de crédito, financiar ou receber recursos provenientes de uma exportação para um país ou pessoa, física ou jurídica que sofre algum tipo de restrição. Recursos oriundos de transações que são proibidas ou restringidas pela OFAC podem, assim, ser congelados ao passarem por instituições financeiras norte-americanas. Ademais, os bancos possuem papel fundamental na execução das restrições da OFAC, já que são os responsáveis pelo bloqueio de ativos de pessoas e entidades proibidas ou decorrentes de transações proibidas.
Considerando que as instituições financeiras norte-americanas são importantes players na economia, e, por isso, estão envidas em grande parte das transações internacionais, o conhecimento das sanções impostas pela OFAC se torna essencial.
São vários os atores e variáveis no cenário internacional que acabam direta ou indiretamente influenciando na possibilidade de realizar negócios transfronteiriços. Assim, a orientação jurídica adequada é essencial para estruturar as transações e evitar as consequências negativas de possíveis quebras de qualquer compromisso internacional.
Lucas Sávio Oliveira e Mariana Resende
Advogados da equipe de Consultoria Internacional e Contratos do VLF Advogados.
(1) O grupo dos países referidos no contexto de negociações com o Irã é conhecido como E3/EU+3.
(2) Ver o Art. 1 da Carta da ONU, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm, acesso em 10 de setembro de 2015.
(3) Art. 24.1 da Carta da ONU.
(4) China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia
(5) Atualmente Chade, Chile, Jordânia, Lituânia e Nigéria, com mandato até 31 de dezembro de 2015, e Angola, Espanha, Malásia, Nova Zelândia e Venezuela, com mandato até 31 de dezembro de 2016.
(6)Art. 24.1 da Carta da ONU.
(7) Art. 25 da Carta da ONU.
(8) Art. 39 da Carta das Nações Unidas.
(9) Art. 42 da Carta da ONU.
(10) Art. 41 da Carta da ONU.
(11) A exemplo da Portaria nº 23 da SECEX, que consolida os atos administrativos neste sentido e, por exemplo, estabelece o sistema de licenciamento não automático para os produtos originários de países com restrições constantes em Resoluções da ONU (art. 15, II, f), proíbe a importação de determinados produtos de países com peculiaridades (art. 62) e também a exportação para outros países sancionados (art. 254).
(12) De acordo com a Circular do Banco Central do Brasil nº 3.612, de 31 de outubro de 2012.
(13) A lista com as sanções em vigor impostas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum está disponível em: http://eeas.europa.eu/cfsp/sanctions/docs/measures_en.pdf, acesso em 15 de setembro de 2015.
(14) A OFAC foi formalmente criada em 1950 após a entrada da China na Guerra da Coréia, quando o Presidente Truman declarou emergência nacional e bloqueou todos os ativos chineses e norte-coreanos sujeitos à legislação norte-americana.
(15) Em 2014, foi aplicada a maior penalidade pela OFAC, no valor de US$936 mi, conforme acordo com o BNP Paribas SA. A instituição financeira, sediada na França, foi acusada de omitir informações a respeito de 3.897 transações comerciais e financeiras por pessoas sujeitas a restrições impostas pelos Estados Unidos. Disponível em http://www.treasury.gov/press-center/press-releases/Pages/jl2447.aspx, acesso em 10 de setembro de2015.