Novas recomendações do Plano BEPS da OCDE devem impactar o planejamento tributário das organizações
Mariana Barbosa Araújo Resende
Brechas no sistema tributário internacional que beneficiam imotivadamente grupos econômicos e multinacionais ao permitir a não tributação são preocupações constantes da agenda internacional. A iniciativa de maior impacto sobre o tema é o Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (em inglês, Base Erosion and Profit Shifting Action Plan, “BEPS”). Lançado em 2013 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o apoio do G-20, o Plano BEPS teve seu pacote final de medidas recentemente apresentado.
A iniciativa busca mitigar a erosão da base fiscal dos países e o desvio de lucros para jurisdições de baixa tributação. O Plano BEPS é subdividido em quinze ações que visam combater diretamente o planejamento tributário agressivo e práticas tributárias prejudiciais, como o treaty shopping. Impedir a utilização abusiva dos referidos benefícios, neutralizar os efeitos da manipulação de arranjos decorrentes de esquemas alicerçados em entidades híbridas ou com dupla residência e apresentar recomendações sobre o desenho de normas de transparência fiscal internacional são exemplos de algumas das ações do Plano de Ação BEPS (1).
Em 5 de outubro de 2015, a OCDE deu passo adiante em relação ao Plano. Na data, foi apresentado o pacote final de medidas, que consiste em alternativas para suprir lacunas normativas internacionais e harmonizar discrepâncias normativas e fiscais entre os países, o que atualmente permite, por exemplo, que organizações transfiram artificialmente lucros a países com tributação baixa ou inexistente.
Outra situação alvo do Plano BEPS decorrente de atuais lacunas normativas é a ausência de recolhimento em compras online. Neste caso, para se evitar a denominada “dupla não tributação”, a OCDE propõe que o VAT (2) seja recolhido sempre no país de residência do comprador, independentemente do local em que o site é hospedado, por exemplo. Já para se coibir a prática de treaty shopping, propõe-se que os países adotem requisitos mínimos para que somente seus residentes efetivos se privilegiem de acordos bilaterais, que devem se limitar exclusivamente à não bitributação.
Outra proposta é a exigência de declaração pelas empresas multinacionais da situação geográfica de suas receitas, número de funcionários e ativos em cada país onde têm operações, bem como dos impostos recolhidos, de maneira que os fiscos possam cruzar tais informações e ter uma visão global da atuação das multinacionais.
Cabe ressaltar que as medidas do pacote final do Plano de Ação BEPS não são vinculantes, inexistindo punições aos Estados que não as adotarem, sendo, assim, consideradas como soft law. Contudo, espera-se que em 2016 seja elaborada uma convenção para adesão dos Estados interessados (3). Considerando-se o forte apoio e interesse políticos já demonstrados pelo G-20, bem como a participação de mais de 80 países no Plano de Ação BEPS, incluindo o Brasil (4), a expectativa é que a referida convenção tenha ampla adesão e impacte futuramente diversas economias.
A relevância do tema se torna ainda mais evidente a partir de dados publicados pela OCDE, segundo os quais as práticas alvo do Plano de Ação BEPS representam consideráveis perdas anuais que variam entre US$100 e US$240 bilhões, o que equivale a 4-10% da arrecadação global do imposto de renda das corporações (5), montante relevante para os fiscos, especialmente na atual conjuntura de crise econômica.
A tributação internacional há muito superou os limites dos tratados bilaterais – ainda pouco firmados pelo Brasil - e encontra-se hoje em um ambiente de maior cooperação entre os Estados e o consequente desenvolvimento de instrumentos normativos multilaterais. Nesse cenário, o adequado planejamento tributário das organizações em busca de alternativas e possibilidades fiscais deve considerar atentamente o Plano de Ação BEPS e as recomendações da OCDE.
Mariana Barbosa Araújo Resende
Advogada da equipe de Consultoria Internacional do VLF Advogados.
(1) A lista completa das quinze ações do Plano de Ação BEPS está disponível em: < http://www.oecd.org/tax/aggressive/beps-2015-final-reports.htm>
(2) Em inglês: Value Added Tax; tradução literal: Imposto sobre o Valor Agregado. Similar ao ICMS.
(3) <http://www.oecd.org/ctp/oecd-presents-outputs-of-oecd-g20-beps-project-for-discussion-at-g20-finance-ministers-meeting.htm>
(4) Esclareça-se que, apesar de não ser membro da OCDE, o Brasil desde 2007 é um “parceiro-chave” da Organização, podendo participar de Comitês e de inúmeras áreas de trabalho. Em 3 de junho de 2015, o país recebeu o status de cooperador por meio da celebração do Acordo Marco de Cooperação Brasil-OCDE, criando-se assim uma expectativa de ingresso à Organização. Mais informações em < http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8697:acordo-marco-de-cooperacao-com-a-ocde&catid=42:notas&lang=pt-BR&Itemid=280 >
(5) Dados disponíveis em: < http://www.oecd.org/ctp/beps-about.htm>