STJ consolida entendimento de que sustação de protesto está condicionada à garantia integral do débito
Marcus Guimarães Drumond e Patrícia Cabral Bittencourt
Recente julgado do STJ chamou atenção ao consolidar o entendimento da Corte Especial acerca dos requisitos para sustação de protesto em decorrência de ordem judicial.
O protesto de títulos e documentos de dívidas por tabelionatos constitui meio de prova de inadimplência e representa importante forma de publicidade dos débitos, que podem ser consultados no tabelionato de protestos e inclusive lastreia a inclusão do devedor nos cadastros privados de restrição de crédito, como o SERASA.
A lei que regulamenta o protesto de títulos institui, basicamente, três meios para se obter o cancelamento do apontamento: (i) a apresentação do original do título protestado ou de carta de anuência do credor; (ii) o pagamento do valor do débito protestado acrescido das despesas cartorárias; ou (iii) por meio de determinação judicial (1).
Entre os meios destacados, o primeiro depende necessariamente do credor, que é o detentor do título e a única pessoa capacitada a anuir com o cancelamento do apontamento; o segundo implica no reconhecimento de existência e regularidade da dívida, mediante inclusive o seu adimplemento. A decisão judicial, portanto, é a única forma disponível ao credor de frustrar um eventual apontamento indevido, independentemente da atuação do credor.
O ajuizamento de procedimento judicial que visa sustação de protesto normalmente vem acompanhado por pedido antecipatório ao juiz, de forma a se obter uma decisão judicial que possibilite que a suspensão do apontamento enquanto pendentes de apreciação pelo Judiciário as questões envolvendo certeza, valor e exigibilidade da dívida.
Neste contexto, a legislação processual brasileira prevê a possibilidade de que o magistrado, a partir da análise, no caso concreto, da verossimilhança da narrativa inicial, determine a sustação ou cancelamento provisório do protesto, caso demonstrada, também a urgência que justifique a impossibilidade de que se espere o andamento ordinário dos processos (2).
A fim de evitar um prejuízo ao credor que encaminhou o título a protesto, a legislação prevê a possibilidade de que o juiz condicione a ordem de sustação ou cancelamento provisório do apontamento ao oferecimento de garantia (3). Assim, caso ao fim do processo se conclua pela regularidade da cobrança, o credor já teria acesso aos meios para satisfação do seu crédito.
Neste contexto está a relevância do recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que acaba por retirar a subjetividade do juiz que, analisando o caso concreto submetido a ele, poderia aferir a necessidade ou não da apresentação da garantia. Assim foi a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça para afetação a todos os recursos que versarem sobre a matéria:
“A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado.” (4)
Vê-se que o entendimento uniformizado pelo STJ limitou o poder do juiz, assim como a sua discricionariedade para, no caso concreto, verificar a necessidade do oferecimento de garantia pelo devedor do valor que lhe é cobrado – exigência esta que pode se tornar excessivamente onerosa.
Acontece que, apesar de o protesto consistir em instrumento de prova de dívida com presunção de regularidade, não há, propriamente, um exame pelo tabelionato da pertinência da cobrança ali formulada, de forma que o apontamento depende apenas do atendimento a alguns requisitos formais.
Assim, não é incomum o protesto de títulos já quitados pelos devedores ou mesmo “títulos frios”, aqueles emitidos sem que fosse verificada qualquer causa para emissão.
Neste contexto, a discricionariedade do magistrado é importante ferramenta de acesso célere à justiça, na medida em que ele poderia dispensar a garantia quando apresentada, por exemplo, prova da quitação do título protestado.
Por certo que o entendimento consolidado do STJ, ao interferir na discricionariedade do juiz, apenas vai limitar ordem judicial que era excepcional e reservada aos casos nos quais havia fortes indícios de irregularidade do protesto já no momento do ajuizamento da Ação.
Importante destacar, inclusive, que o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do acórdão que fixou o entendimento aqui comentado, ressalvou a hipótese da demonstração de prescrição do título, reconhecendo que os tabeliães não possuem atribuições ou mecanismos para aferição material da cobrança (5).
Entretanto, para fins de afetação aos julgamentos da mesma matéria, a tese fixada no acórdão não foi objeto de qualquer tipo de ressalva, o que é temerário. Não é recomendável a uma Corte Superior a constituição de regra geral para afastar a possibilidade de um provimento judicial que já se tratava de exceção à regra, para tornar indispensável algo que pode vir a ser excessivamente oneroso ao ponto de não poder ser oferecido.
Chama-se atenção, ainda, que o Novo Código de Processo Civil, com vigência prevista para o próximo ano, trata da matéria consagrando o poder de discricionariedade do Juízo singular para aferir no caso concreto, a necessidade de oferecimento ou dispensa da garantia do débito (6).
Assim, nos parece que, por mais louvável que seja a tese de proteção ao credor, o STJ apresentou limitação injustificável à discricionariedade do juiz em relação ao caso concreto que lhe é submetido. Muito mais interessante seria a consolidação de entendimento conforme sugerido pelo Ministério Público Federal ao se manifestar sobre o tema:
“Em ação cautelar de sustação de protesto, a contracautela pode ser dispensada pelo juiz, à luz das circunstâncias do caso concreto, inclusive quando revelar-se excessivamente onerosa. A necessidade, ou não, de prestação de contracautela para o deferimento da liminar, deve ser avaliada concretamente pelo órgão julgador, com base no seu poder geral de cautela, nos termos do art. 804 do CPC. Todavia, se entender necessária a fixação de contracautela, o órgão julgador deve optar pela caução (real ou fidejussória) que for menos onerosa para a parte que irá prestá-la, desde que seja idônea e apta para resguardar os interesses que estão sendo tutelados.” (7)
Patrícia Bittencourt
Advogada da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
Marcus Guimarães Drumond
Estagiário da equipe de Contencioso Empresarial do VLF Advogados.
(1) Lei nº 9.492/1997: Art. 26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada.
§ 1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário ou por endosso translativo.
(...)
§ 3º O cancelamento do registro do protesto, se fundado em outro motivo que não no pagamento do título ou documento de dívida, será efetivado por determinação judicial, pagos os emolumentos devidos ao Tabelião.
(2) A decisão judicial de sustação ou cancelamento provisório do protesto pode ser proferida no curso do procedimento por meio de liminar com base no chamado “poder geral de cautela”, previsto nos artigos 798 e seguintes do Código de Processo Civil ou por meio da “antecipação da tutela” prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil.
(3) Art. 799 do Código de Processo Civil: No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.
(4) Tese fixada para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.236/SP, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça em 14/10/2015, cujo acórdão foi publicado no DJe de 26/10/2015.
(5) Trecho do voto do Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.236/SP acima identificado: “Por último, cumpre ressalvar, por cautela, que a hipótese ora em exame – em que é apontado a protesto documento apto a aparelhar a execução judicial, isto é, título que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível - não se confunde com a situação em que o magistrado, v.g., constata que o título está prescrito para a execução cambial, hipótese que atrai a tutela de evidência prevista no novo CPC e refoge ao controle efetuado pelo tabelião, caracterizando o hipotético ato do apontamento a protesto, à luz da iterativa jurisprudência do STJ, por si só, abusivo, mas é certo que, em todo caso, o excepcional deferimento da medida sem contracautela (resguardo dos interesses do credor) deverá ser devidamente fundamentado pelo juiz”.
(6) Assim dispõe o §1º do art. 300 do Novo Código de Processo Civil: “Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la”.
(7) Tese sugerida pelo Ministério Público Federal para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.236/SP, acima referenciado.