Qual será o destino das atribuições da ANA em matéria de saneamento básico?
Matheus Emiliano, Maria Tereza Fonseca Dias e Bruno Fontenelle Gontijo
Com o início da nova gestão do governo federal, foi editada a Medida Provisória (“MP”) nº 1.154, em 1º de janeiro de 2023, para disciplinar a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios (1).
No âmbito do setor de saneamento básico, diversas alterações foram promovidas pela norma editada.
A Agência Nacional de Águas (“ANA”) foi transferida do Ministério de Desenvolvimento Regional para a pasta do Meio Ambiente e Mudança de Clima. Nesse sentido, o art. 60 da MP nº 1.154/2023 alterou a redação do art. 3º, da Lei nº 9.984/2000, que instituiu a ANA.
Outra alteração promovida refere-se à denominação da Agência, que perdeu, em seu nome, a parte que mencionava o Saneamento Básico, passando a se chamar novamente Agência Nacional de Águas, tal como foi instituída em 2000.
A competência para a instituição das normas de referência em matéria de saneamento foi repassada para a recém-criada Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, órgão do Ministério das Cidades, nos termos do art. 22, incisos VII e XVII, XXIII e seguintes, do Decreto nº 11.333/2023 (2).
Quanto a este assunto, também houve a exclusão de trecho do citado art. 3º, da Lei nº 9.984/2000, que determinava a competência da ANA para editar as normas de referência para regulação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme estabelecido pelo art. 2º, da Lei nº 14.206/2020 (3).
Esta mudança acerca da competência para editar normas de referência gerou incerteza sobre a manutenção de tal atribuição no âmbito da ANA, tendo em vista que não houve revogação do artigo da própria Lei nº 14.206/2020 que atribuiu este papel à ANA, causando aparente conflito de normas sob a temática.
Conforme noticiamos no Informativo VLF - 97/2022, de 27 de outubro de 2022, o setor de saneamento aguarda a edição de tais normas de referência, pela ANA, para alavancar as concessões no setor e a universalização dos serviços preconizada no novo marco do saneamento. E a dúvida acerca do órgão competente para a construção desta agenda regulatória pode dificultar o alcance dos objetivos da lei.
Segundo membros do próprio governo, a MP nº 1.154/2023 deverá passar por correções, a fim de que seja restabelecida a competência da ANA para editar as normas de referências nos termos previstos no marco legal do saneamento (4) – o que atenderá os anseios do setor que vem investindo no segmento de água, esgoto e tratamento de resíduos (5). Contudo, apesar desses indicativos, até o momento não foi publicada alterações na MP, o que deverá ocorrer na sua conversão em lei, no âmbito do Poder Legislativo.
O tema do saneamento básico deverá ser tratado com relevância no atual governo em razão da necessidade de estabelecer normas claras para padronização e eficiência da expansão do serviço de saneamento básico no Brasil. Isso se dá pelo fato da meta estipulada pelo governo federal de atingir, até 31 de dezembro de 2033, a universalização do serviço com o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos, segundo as metas estabelecidas no art. 11-B do novo marco legal do setor.
De acordo com os dados mais recentes divulgados no painel do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (“SNIS”) (6), publicado em 2021, com dados coletados em 2020, cerca de 55,8% da população brasileira possui atendimento com rede de esgoto, apontando um crescimento de 9,6% em relação ao serviço de esgotamento ofertado em 2010. Em relação ao acesso à água, o número atual é de atendimento a 84,2% de brasileiros, em comparação à 81,1% de pessoas atendidas em 2010 (crescimento de 3,1%).
Desta forma, verifica-se maior dificuldade no cumprimento das metas de universalização do saneamento, o que se espera ser resolvido em breve.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Bruno Fontenelle Gontijo
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) O inteiro teor da Medida Provisória nº 1.154/2023 está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1154.htm. Acesso em: 25 jan. 2023.
(2) Art. 22. À Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental compete: [...]
VII - propor normas de referência para padrões técnicos de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico;
XVII - instituir as normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico e acompanhar o seu processo de implementação;
XXIII - sugerir normas de referência para a padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico, firmados entre o titular do serviço público e o delegatário, que contemplarão metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços, e especificação da matriz de riscos;
XXIV - sugerir normas de referência acerca de regras de governança das entidades reguladoras, conforme princípios estabelecidos no art. 21 da Lei nº 11.445, de 2007;
XXV - sugerir normas de referência para as regras relativas ao reúso dos efluentes sanitários tratados, em conformidade com as normas ambientais e de saúde pública;
XXVI - sugerir normas de referência, com conteúdo mínimo, para a prestação universalizada e a sustentabilidade econômico-financeira, em relação ao saneamento básico;
XXVII - sugerir normas de referência para estabelecer as metas de universalização dos serviços públicos de saneamento básico que considerem, entre outras condições, o nível de cobertura de serviço existente e o número de Municípios atendidos, para redução progressiva e controle da perda de água para o serviço de abastecimento de água potável.
(3) Lei que atualizou o marco legal do saneamento a fim de viabilizar maior segurança jurídica e participação da iniciativa privada no serviço de saneamento básico.
(4) “Também em entrevista à rede de televisão, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, explicou que houve uma confusão em relação às publicações. De acordo com o secretário, o governo deverá corrigir o erro que consta na redação da Medida Provisória 1154, publicada em 2 de janeiro, alterando o artigo 3 da Lei que criou a ANA, a mesma que garantia a vinculação da agência ao MDR. [...] ‘Foi um equívoco o que saiu no Diário Oficial e que se deve voltar atrás sobre o que saiu no Diário. Recebi essa informação de integrantes da Casa Civil informando que vai ser corrigido o que saiu’, disse Galípolo à GloboNews.” Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/01/5063590-ana-e-transferida-para-o-meio-ambiente-mas-mantera-regulacao-do-saneamento.html. Acesso em: 25 jan. 2023.
(5) Disponível em: https://brasil61.com/n/saneamento-apos-dialogo-do-governo-com-o-setor-rumos-do-marco-legal-devem-ser-mantidos-pind233769. Acesso em: 25 jan. 2023.
(6) Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/snis/painel. Acesso em: 25 jan. 2023.