Publicada a Resolução Normativa ANEEL nº 1.059/2023, que trouxe novas orientações ao setor
Matheus Emiliano e Maria Tereza Fonseca Dias
A Lei nº 14.300/2022, de 6 de janeiro de 2022, instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (“SCEE”) e o Programa de Energia Renovável Social (“PERS”), consolidando o regime jurídico da geração distribuída (“GD”). As principais inovações desta lei foram objeto de comentário no Informativo VLF – 88/2022, de 26 de janeiro de 2022.
No dia 7 de fevereiro de 2023, a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”) expediu a Resolução Normativa nº 1.059/2023 visando o aperfeiçoamento da regulamentação da lei da GD. A discussão que originou esta Resolução ocorreu durante reunião pública ordinária da Diretoria da ANEEL, após o processo de debate com a área técnica da agência e agentes do setor (Consulta Pública nº 51/2022) (1).
A Resolução Normativa ANEEL nº 1.059/2023 (“RN nº 1.059/2023”) objetiva aprimorar as regras para a conexão e o faturamento de centrais de microgeração e minigeração distribuída em sistemas de distribuição de energia elétrica, bem como as regras do SCEE.
A RN nº 1.059/2023 alterou as seguintes Resoluções Normativas ANEEL:
> RN nº 920, de 23 de fevereiro de 2021, que aprova os Procedimentos do Programa de Eficiência Energética – PROPEE;
> RN nº 956, de 7 de dezembro de 2021, que estabelece os Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST;
> RN nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021, que estabelece as regras de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica;
> RN nº1009, de 22 de março de 2022, que estabelece as regras atinentes à contratação de energia pelos agentes nos ambientes de contratação regulado e livre.
A nova Resolução também revogou diversas outras normas anteriormente editadas pela Agência, conforme expressamente previsto em seu art. 12, sendo importante destacar as RNs nº 482/2012 (2) e nº 687/2015 (3), que, em resumo, foram as primeiras normas responsáveis pela criação do SCEE e regulamentação dos limites de potências de energia elétrica.
Dentre as principais alterações da nova Resolução em relação à RN nº 482/2012, destaca-se a que foi promovida no art. 2º, inciso XXII-A, da RN nº 1.000/2021. Ela ratificou o previsto no art. 1º, inciso X, da Lei nº 14.300/2022, ao permitir a reunião de consumidores “por meio de consórcio, cooperativa, condomínio civil voluntário ou edilício, ou qualquer outra forma de associação civil instituída para esse fim, composta por pessoas físicas ou jurídicas que possuam unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída.”(4)
Outra alteração promovida refere-se à apresentação da garantia de fiel cumprimento, que, nos termos do art. 4º do marco geral (Lei nº 14.300/2022), determina a apresentação de garantia apenas por depósito bancário no importe de 2,5% do valor do investimento, no caso da instalação de centrais de minigeração com potência entre 500kW e 1MW, e 5% caso a potência seja superior a 1MW.
De acordo com a RN nº 1.059/2023, a partir da introdução do art. 655-C na RN nº 1.000/2021, a garantia poderá ser efetivada por meio de:
(i) caução em dinheiro;
(ii) títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil;
(iii) fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no país pelo Banco Central do Brasil.
Tais garantias deverão ser apresentadas no momento do protocolo do pedido de orçamento de conexão e devolvidas em até 30 (trinta) dias da conclusão ou desistência da conexão, conforme o art. 655-C, §2º, introduzido na RN nº 1.000/2021.
No tocante à divisão de Central Geradora e enquadramento nos limites para microgeração ou minigeração distribuída, houve, por parte da diretoria da ANEEL, a proposição para que fossem ampliados os critérios de vedação da divisão, que se configurariam nas seguintes hipóteses:
(i) evitar ou diminuir o pagamento da garantia de fiel cumprimento;
(ii) enquadrar-se em regra de transição mais favorável;
(iii) usufruir de condições mais vantajosas.
Contudo, após as deliberações do setor na Consulta Pública nº 51/2022 e considerações da área técnica, foi mantido apenas o critério já expresso no art. 11 da Lei nº 14.300/2021 (5), com a inclusão de dispositivo que prevê expressamente a impossibilidade de alteração de direitos e obrigações decorrentes das divisões das centrais geradoras.
Houve também esclarecimentos acerca da troca de titularidade de unidades com minigeração e microgeração distribuída. Anteriormente, nos termos do art. 5º da Lei nº 14.300/2022, a transferência estava vedada até a solicitação de vistoria do ponto de conexão para a distribuidora. Atualmente, com o novo texto da RN nº 1.000/2021, esta hipótese foi esclarecida. O art. 138, §7º, da RN nº 1.000/2021, com redação dada pela RN nº 1.059/2023, previu que o pedido de troca da titularidade poderá ser feito após a solicitação de vistoria, antes da conclusão do processo de conexão.
Por fim, foram feitos pequenos ajustes na regulamentação da ANEEL quanto à possibilidade de unidades consumidoras do Grupo A serem optantes de faturamento do Grupo B. A regra geral para tal opção está no art. 11, §1º, do Marco Legal da Geração Distribuída (5), em que foram estabelecidos os seguintes critérios para optar pelo faturamento no Grupo B:
(i) que a soma da potência dos transformadores não ultrapasse 112,5 KVA (art. 292, §3º, III);
(ii) que a geração seja instalada na unidade consumidora (art. 292, §3º, I);
(iii) não é permitido enviar ou receber excedentes para unidades consumidoras distintas (art. 292, §3º, II).
Assim, pode-se afirmar que a Resolução trouxe esclarecimentos positivos ao Marco Legal da Geração Distribuída (Lei nº 14.300/2022), principalmente ao levar em consideração as opiniões técnicas da própria ANEEL e dos agentes do setor. O resultado das discussões promovidas mitigou algumas sugestões iniciais da Diretoria da ANEEL que seriam prejudiciais ao desenvolvimento do setor de micro e minigeração distribuída.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) O processo decisório e alteração de atos normativos é regido pela Lei n. 13.848/2019, notadamente por seus artigos 6º e 9º, a saber: “Art. 6º A adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados serão, nos termos de regulamento, precedidas da realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo” e “Art. 9º Serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.”
(2) A RN nº 482/2012 estabelece as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica, o sistema de compensação de energia elétrica.
(3) A RN nº 687/2015 altera a Resolução Normativa nº 482, de 17 de abril de 2012, e os Módulos 1 e 3 dos Procedimentos de Distribuição – PRODIST.
(4) Art. 2º Para os fins e efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições: [...] XXII-A – geração compartilhada: modalidade de participação no SCEE caracterizada pela reunião de consumidores, por meio de consórcio, cooperativa, condomínio civil voluntário ou edilício, ou qualquer outra forma de associação civil instituída para esse fim, composta por pessoas físicas ou jurídicas que possuam unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída.
(5) Art. 11 [...] § 1º Unidades consumidoras com geração local, cuja potência nominal total dos transformadores seja igual ou inferior a uma vez e meia o limite permitido para ligação de consumidores do Grupo B, podem optar por faturamento idêntico às unidades conectadas em baixa tensão, conforme regulação da Aneel.