Afinal, qual é o prazo para pleitear indenização decorrente de vício construtivo?
Lucas Auer e Gabrielle Aleluia
O prazo para se acionar judicialmente o construtor por vícios no imóvel é um tema que ainda causa grande confusão.
Para alguns, o prazo seria o de prescrição, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor e segundo o qual “prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Para outros, o prazo prescricional seria o de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil, em razão da inexistência de prazo específico no Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual.
Há, ainda, quem defenda que o prazo seria decadencial e não prescricional, em razão do art. 26, II e § 1º, do CDC, que concede noventa dias para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel adquirido, contados da efetiva entrega do bem, ou mesmo do art. 618, parágrafo único, do Código de Processo Civil (“CPC”), que estipula cento e oitenta dias para o ajuizamento de ações relacionadas à solidez e à segurança do empreendimento, contados do aparecimento do vício ou defeito.
O assunto, de fato, aborda diferenças sutis que, para além de causarem dúvidas ao público em geral, já motivaram extensa discussão doutrinária em debates sobre a aplicação dos institutos da decadência e da prescrição. Entretanto, os Tribunais vêm caminhando para consolidar um entendimento, em observância ao que vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de Goiás (“TJGO”) foi instado a se manifestar sobre o tema ao julgar a Apelação cível nº 5460568-46.2020.8.09.0051, por meio da qual um Condomínio buscava afastar a prescrição reconhecida pelo juízo de origem, com base no art. 27 do CDC. A ação foi proposta pelo Condomínio em face da Construtora, com o intuito de obter a reparação de falhas técnicas, anomalias, defeitos e imperfeições na construção, além do ressarcimento dos prejuízos decorrentes destes vícios. Em consequência disso, a Terceira Câmara Cível do TJGO considerou que o prazo de prescrição não seria o de cinco anos do art. 27 do CDC, mas o de dez anos do art. 205 do CPC, contados da data de conhecimento dos fatos.
Para tanto, explicou que o art. 27 do CDC só se aplicaria às hipóteses de “fato do produto ou do serviço”, quando “presentes vícios de qualidade do produto por insegurança”. Ou seja, quando o “produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente”.
Isso, porém, não se confundiria com a pretensão de ressarcimento por prejuízos relacionados ao vício intrínseco ao produto, quase sempre relacionado à inexecução do contrato. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) já explicou que o direito à reparação do consumidor pelos vícios do produto se sujeita à decadência, mas, se o que se deseja é a reparação por danos sofridos em razão do vício do produto, o prazo é de prescrição e, da seguinte forma, vem decidindo:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. METRAGEM A MENOR. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL.
1. O propósito recursal é o afastamento da prejudicial de decadência em relação à pretensão de indenização por vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pelos consumidores.
2. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC).
3. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas.
4. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.
5. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra").
6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª T, REsp n. 1.717.160/DF, Ministra Nancy Andrighi, DJe de 26/3/2018).
PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR PERDAS E DANOS CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. METRAGEM A MENOR. VÍCIO APARENTE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIO. PRAZO DECENAL.
1. Ação de reparação de perdas e danos cumulada com obrigação de fazer, em virtude da entrega de imóvel, objeto de contrato de compra e venda entre as partes, em metragem menor do que a contratada.
2. Ação ajuizada em 03/02/2017. Recurso especial concluso ao gabinete em 15/03/2019. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal, além de ver reconhecida a negativa de prestação jurisdicional, é a aplicação das prejudiciais de decadência e prescrição em relação ao pedido do recorrido de reparação por perdas e danos decorrentes da aquisição de imóvel entregue em metragem menor do que a contratada.
[...]
6. A entrega de bem imóvel em metragem diversa da contratada não pode ser considerada vício oculto, mas sim aparente, dada a possibilidade de ser verificada com a mera medição das dimensões do imóvel - o que, por precaução, o adquirente, inclusive, deve providenciar tão logo receba a unidade imobiliária.
7. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC).
8. O prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC relaciona-se ao período de que dispõe o consumidor para exigir em juízo alguma das alternativas que lhe são conferidas pelos arts. 18, § 1º, e 20, caput, do mesmo diploma legal (a saber, a substituição do produto, a restituição da quantia paga, o abatimento proporcional do preço e a reexecução do serviço), não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má-execução do contrato.
9. Quando a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.
10. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02.
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (STJ, 3ªT, REsp n. 1.819.058/SP, Ministra Nancy Andrighi, DJe de 5/12/2019).
A expectativa é que a solidificação do entendimento traga maior segurança jurídica para os agentes jurídicos e contribua para o desafogamento da discussão nos Tribunais de todo o país.
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Lucas Auer
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados