TST limita a utilização das provas digitais em respeito ao direito à intimidade e ao sigilo de dados telefônicos
Lorena Carvalho Lara
Em uma sociedade interconectada por novas tecnologias e dispositivos informáticos, com interação por meio de recursos tecnológicos que deixam registros digitais, passou-se a repensar o modelo tradicional de produção de provas, em especial a prova testemunhal, tida como a “rainha” das provas no processo trabalhista.
As provas digitais podem ser obtidas através de registros nos sistemas de dados de empresas, ferramentas de geoprocessamento, dados publicados em redes sociais e biometria, entre outros.
Alguns desses dados podem ser encontrados em fontes abertas, como pesquisas no Google e redes sociais, ou por fontes fechadas, sendo necessário, para tanto, autorização judicial.
O uso das provas digitais possui fundamentos nos artigos 369 (1) e 370 (2) do Código de Processo Civil (“CPC”) e art. 765 das Consolidações das Leis do Trabalho (“CLT”) (3), pois autorizam as partes a empregarem todos os meios legais e moralmente legítimos para apurar a verdade dos fatos, permitindo ao juiz determinar quais serão as provas necessárias para julgamento do processo.
O Marco Civil da Internet no Brasil (Lei nº 12.965/2014) ainda define a obrigatoriedade de guarda dos registros de conexão, por no mínimo um ano, e dos registros de acesso a aplicações de internet, por no mínimo seis meses (arts. 13 e 15) (4). Além disso, é imperativa a disponibilização dos registros e dados pessoais armazenados nos provedores de conexão e de acesso a aplicações de internet por ordem judicial (art. 10) (5). Há, ainda, a possibilidade de requisição judicial dos registros e dados pessoais armazenados nas operadoras de telefonia, nos provedores de conexão e de aplicações de internet, para formar o conjunto probatório em processo cível ou penal (art. 22) (6). Nesse sentido, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) também possibilita o tratamento de dados pessoais na hipótese de exercício de direitos em processo judicial (art. 7º, VI, e 11, II, “a”) (7).
A Lei nº 12.965/2014, em seu artigo 7º, assegura o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, nos seguintes termos:
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.
O Tribunal Superior do Trabalho “TST”, em processo envolvendo dados de geolocalização do celular para comprovar, com exatidão, a presença do trabalhador nas dependências da empresa para efeitos de horas extras, entendeu, no entanto, que devem ser priorizados e esgotados outros meios de provas, “justamente porque atinge a esfera da vida privada das pessoas”.
O TST, no acórdão do processo nº 0000658-34.2021.5.12.0000 (8), entendeu que a prova digital está autorizada no ordenamento jurídico, porém
a própria norma invocada reconhece que, em se tratando de dados extraídos da internet, a regra é a inviolabilidade da intimidade e o sigilo das informações de seus usuários, fazendo-se uso de tais informações por decisão devidamente fundamentada do Juízo que a permitir em processo judicial. E assim o é porque o direito à inviolabilidade da intimidade constitui garantia constitucional (art. 5º, X e XII, da CF/88 (9)), do que decorre a necessidade inafastável da ponderação do Juízo para sua utilização, sendo mister observar se essa prova específica se faz necessária por absoluta ausência de outros meios para comprovar os mesmos fatos, ou ainda se os meios até então utilizados não foram suficientes a espancar as controvérsias estabelecidas na lide.
Portanto, as provas digitais são admitidas no processo trabalhista, porém quando alguma delas implicar em violação às garantias constitucionais de inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo telemático (art. 5º, X e XII, da Constituição Federal), ela tende a ser inadmitida, principalmente quando houver outros meios para comprovar o mesmo objeto.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Lorena Carvalho Lara
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
(2) Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
(3) Art. 765. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
(4) Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento.
Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
(5) Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
(6) Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.
Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:
I – fundados indícios da ocorrência do ilícito;
II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e
III – período ao qual se referem os registros.
(7) Art. 7º. O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
VI – para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem)
Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
I – quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
II – sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador.
(8) Processo nº 0000658-34.2021.5.12.0000. Disponível em: https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000658&digitoTst=34&anoTst=2021&orgaoTst=5&tribunalTst=12&varaTst=0000&submit=Consultar. Acesso em: 23 mar. 2023.
(9) Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.