Governo Federal e Congresso Nacional têm atrito em relação às normas e diretrizes fundamentais do saneamento
Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
Os meses de abril e maio apresentaram instabilidades nas regras relacionadas à execução do serviço público de saneamento básico. Primeiramente, em 6 de abril de 2023, o Governo Federal expediu os Decretos nº 11.466/2023 e nº 11.467/2023 visando regulamentar a Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico.
O Decreto nº 11.466/2023, revogou o Decreto nº 10.710/2021, analisado no Informativo VLF – 81/2021, de 29 de junho de 2021, e trouxe nova regulamentação ao art. 10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para estabelecer a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário, considerados os contratos em vigor, com vistas a viabilizar o cumprimento das metas de universalização.
O Decreto nº 11.467/2023, por sua vez, dispôs sobre a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, o apoio técnico e financeiro de que trata o art. 13 da Lei nº 14.026/2020, a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União de que trata o art. 50 da Lei nº 11.445/2007.
Entre as mudanças propostas pelo Governo Federal no Decreto nº 11.467/2023, uma delas aumentou o prazo de 31 de março de 2023 para 31 de dezembro de 2025 (art. 7º, § 10) para que os municípios e demais prestadoras dos serviços – como as companhias estaduais de saneamento básico – se adaptem às regras definidas na legislação. Esta regularização, de acordo com o artigo 50 da Lei de Diretrizes Nacionais do Saneamento Básico, é condição necessária para a obtenção de recursos públicos e financiamento federal para a execução de obras relacionadas ao saneamento básico.
Ademais, o Decreto Federal nº 11.467/2023 revogou o Decreto Federal nº 10.588/2020 estabelecendo que, após dezembro de 2025, os municípios terão prazo de 180 dias para aderir às estruturas de regionalização que vierem a ser criadas. Esse prazo, contudo, não tem força vinculante, uma vez que o Decreto também dispõe que a condição de adesão à regionalização será considerada atendida mesmo que cumprida posteriormente (art. 7º, § 12).
Outro aspecto objeto de regulamentação pelo Decreto Federal nº 11.467/2023, diz respeito à subdelegação dos serviços de saneamento. O art. 11-A da Lei nº 14.026/2020 estabeleceu limite de 25% para a subcontratação de serviços por meio de contratos. O uso do termo “subdelegação” causou dúvidas e insegurança no setor durante a elaboração de projetos de parcerias público-privadas (“PPP”), uma vez que não havia clareza sobre a aplicação desse limite aos contratos de PPP. O art. 5º, § 4º, do Decreto Federal nº 11.467/2023, dispôs que o limite em questão não se aplica a esta espécie de contrato de concessão. Acerca das mudanças da Lei nº 14.026/2020 (“nova lei de saneamento básico”), conferir o Informativo VLF 70/2020 de 28 de julho de 2020.
Ademais, a manutenção dos contratos de programa em vigor estava sujeita à comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços, conforme estipulado no art. 10-B da Lei nº 11.445/2007, alterada pela Lei nº 14.026/2020. Essa regra foi regulamentada em 2021 pelo Decreto Federal nº 10.710/2021, que estabeleceu a metodologia e o procedimento para as empresas estatais demonstrarem sua capacidade econômico-financeira. Embora esse procedimento tenha sido concluído em 31 de março de 2022, muitas empresas estatais prestadoras de serviços de saneamento não cumpriram os prazos estabelecidos, ou seja, não demonstraram qualificação econômica para a prestação dos serviços.
Ao revogar o Decreto Federal nº 10.710/2021 e introduzir novo procedimento, o Decreto Federal nº 11.466/2023 renovou a oportunidade para as empresas estatais cumprirem o art. 10-B da Lei nº 11.445/2007. De acordo com o regulamento (art. 1º, § 2º), os prestadores terão até 31 de dezembro de 2023 para apresentar a documentação exigida. O decreto também inovou ao estabelecer que, caso os indicadores necessários não sejam alcançados, o prestador poderá ter sua capacidade reconhecida mediante a apresentação de plano de metas para atingir os critérios estabelecidos em prazo máximo de cinco anos (art. 1º, § 4º).
Por fim, em relação às mudanças trazidas pelos decretos, o art. 8º, § 1º, inciso II, da Lei Federal nº 11.445/2007, incluído pela Lei nº 14.026/2020, havia proibido a celebração de novos contratos de programa entre municípios e empresas estatais, sem a realização prévia de licitação. Essa medida visava promover a competitividade no setor, exigindo que as empresas estatais participassem de processos licitatórios para firmar novos contratos de prestação de serviços, competindo assim com operadores privados. Entretanto, o art. 6º, § 16, do Decreto Federal nº 11.467/2023 introduz alternativa à obrigatoriedade de licitação para a prestação de serviços. Nos casos de microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas, a entidade de governança poderá autorizar a descentralização da prestação dos serviços à empresa estatal que faça parte da administração do respectivo estado.
Algumas mudanças introduzidas pelo regulamento federal, contudo, foram consideradas contrárias ao conteúdo da legislação aprovada no Congresso Nacional, em 2020, e que foram objeto de intensos debates. Deste modo, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (“PDL”) nº 98, de 2023, que modificou diversos pontos dos Decretos do Poder Executivo.
O texto alternativo aprovado pela Câmara suspendeu o art. 1º, § 1º, do Decreto nº 11.446/2023, que permitia que o prestador de serviços de saneamento incluísse contratos provisórios não formalizados ou instrumentos de natureza precária no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira. Além disso, o PDL suspendeu o art. 10 do referido decreto, que lista várias documentações necessárias para comprovar a capacidade econômico-financeira de atuais prestadores de serviços de saneamento até 31 de dezembro de 2023, como cópia dos contratos com seus anexos e termos aditivos, bem como a minuta de termo aditivo que visa incorporar as metas de universalização ao contrato.
Já em relação ao Decreto nº 11.467/2023, o projeto suspendeu cinco dispositivos (§§13 a 17, do art. 6º) que detalham a regulamentação da prestação regionalizada dos serviços de saneamento. Nesse modelo de prestação, os municípios são agrupados para possibilitar a execução dos serviços em escala ampliada, podendo ser em áreas metropolitanas ou mesmo em blocos de cidades que não compartilhem divisas territoriais.
O PDL está atualmente no Senado para votação. Tendo em vista a tramitação deste projeto no âmbito do Poder Legislativo, o Governo Federal já admite editar novos decretos que considerem sugestões de todos os partidos, incluindo da oposição.
Confira a íntegra dos Decretos e do PDL: Decreto nº 11.446/2023, Decreto nº 11.447/2023 e Projeto de Decreto Legislativo n° 98/2023.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados