STF divulga série de artigos sobre as decisões mais significativas da Corte no que diz respeito à preservação do meio ambiente
Bruno Fontenelle
O portal de notícias do Supremo Tribunal Federal (“STF”) iniciou em junho uma série de matérias intitulada “O STF e o meio ambiente”, que aborda as decisões importantes da Corte relacionadas ao tema. A seguir, serão apresentados, resumidamente, os mais emblemáticos julgamentos da Suprema Corte sobre o assunto.
ADPFs 747, 748 e 749: inconstitucionalidade de resolução do Conama considerada retrocesso ambiental
O primeiro tema teve como objeto o julgamento que restaurou a validade de três resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (“Conama”) referentes a licenciamento para empreendimentos de irrigação e a Áreas de Preservação Permanente (“APPs”), limites e regime de uso do entorno. A decisão do STF foi publicada em dezembro de 2021, na qual declarou unanimemente a inconstitucionalidade da Resolução nº 500/2020 do Conama, uma vez que tal resolução foi considerada retrocesso na preservação ambiental e contestada por partidos políticos, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores (“PT”), Partido Socialista Brasileiro (“PSB”) e Rede Sustentabilidade.
De acordo com os partidos, a resolução colocava em risco áreas de preservação permanente, como dunas, manguezais e restingas, além de permitir a liberação de empreendimentos de irrigação sem o devido licenciamento ambiental. A Resolução nº 500/2020 revogou três outras resoluções do Conama (284/2001, 302/2002 e 303/2002) de uma só vez.
A ministra Rosa Weber, relatora do caso no STF, argumentou que a revogação da Resolução nº 284/2001 poderia dispensar o licenciamento para projetos de irrigação que causassem modificações ambientais significativas. Além disso, a revogação das Resoluções nº 302/2002 e nº 303/2002 levaria à falta de controle regulatório e comprometeria a proteção adequada do meio ambiente. A relatora suspendeu a Resolução nº 500/2020 devido ao alto risco de degradação dos ecossistemas, comprometimento dos processos ecológicos e perda da biodiversidade. A ministra ressaltou que a revogação das normas protetivas sem substituí-las comprometia os compromissos internacionais do Brasil na área ambiental.
O Plenário do STF seguiu integralmente os fundamentos do voto da ministra Rosa Weber, tanto na medida cautelar quanto no julgamento do mérito das ações. Para o Tribunal, a degradação ambiental afeta diretamente princípios e preceitos constitucionais, como a saúde, a vida e a dignidade das pessoas. Além disso, essas iniciativas afastam o Brasil dos objetivos de construir uma sociedade justa, solidária e sustentável. A ministra destacou que o artigo 225 da Constituição assegura o direito de todos a meio ambiente ecologicamente equilibrado e implica o princípio implícito de proibição do retrocesso socioambiental. A ausência absoluta de normas protetivas poderia levar a iniciativas destrutivas ao meio ambiente com consequências irreversíveis.
ADPFs 656 e 658: suspenção de liberação tácita de agrotóxicos e fertilizantes
Em junho de 2020, o Plenário do STF suspendeu por unanimidade dispositivos da Portaria nº 43/2020 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que permitiam o registro tácito de agrotóxicos e afins. A decisão foi tomada durante o julgamento de referendo a liminar proferida nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPFs”) 656 e 658.
Os dispositivos em questão estabeleciam prazos para que a Secretaria de Defesa Agropecuária se manifestasse sobre o registro de fertilizantes e agrotóxicos. Na ausência de manifestação conclusiva dentro desses prazos, o registro seria aprovado automaticamente. A decisão do STF teve como foco a proteção da saúde ambiental. O colegiado considerou inaceitável que norma de hierarquia inferior permitisse a liberação tácita do registro de substâncias químicas ou agrotóxicos sem análise rigorosa dos requisitos básicos de segurança para sua utilização por seres humanos.
O Tribunal argumentou que a portaria ministerial, sob o pretexto de regulamentar atividades econômicas relacionadas a agrotóxicos e promover a liberdade econômica, violava direitos fundamentais relacionados à saúde ambiental. Durante o julgamento, foram apresentados dados de estudos científicos que mostraram aumento de 100% no consumo de agrotóxicos no mundo entre 2000 e 2010, sendo quase 200% no Brasil. O glifosato – agrotóxico mais vendido no Brasil – é altamente cancerígeno e proibido em países europeus.
Essas informações reforçaram o argumento do relator de que permitir a entrada e o registro de novos agrotóxicos de forma tácita, sem a devida análise das autoridades competentes, viola o princípio da precaução. O relator destacou que tal princípio impede a postergação de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental quando há ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, mesmo na ausência de certeza científica total.
ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937 e ADC 42: análises de (in)constitucionalidades do Novo Código Florestal
Em fevereiro de 2018, o STF concluiu o julgamento de ações propostas em face da Lei nº 12.651/2012, o Novo Código Florestal, que alterou as regras de proteção da flora e vegetação nativa no Brasil. No julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIs”) 4901, 4902, 4903 e 4937, além da Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) 42, o STF reconheceu a validade de alguns dispositivos da lei, declarou outros trechos como inconstitucionais e deu interpretação conforme a Constituição a certos pontos.
As ADIs foram movidas pela Procuradoria-Geral da República (“PGR”) e pelo Partido Socialismo e Liberdade (“PSOL”), questionando dispositivos da Lei nº 12.651/2012 relacionados às áreas de preservação permanente, redução da reserva legal e anistia para degradação ambiental. A ADC 42, proposta pelo Partido Progressistas (“PP”), buscava a declaração de validade da norma, argumentando que não prejudicaria o meio ambiente nem violaria dispositivos constitucionais.
O julgamento foi complexo e teve início em setembro de 2017, com o voto do relator ministro Luiz Fux. Um dos pontos mais discutidos foi o dispositivo que tratava da aplicação de sanções para infrações cometidas antes de março de 2008, sendo considerado que não se tratava de anistia, pois os proprietários ainda seriam punidos em caso de descumprimento dos acordos firmados no Programa de Regularização Ambiental (“PRA”). Outros pontos abordados incluíram a intervenção excepcional em áreas de preservação permanente, que passou a exigir a inexistência de alternativas técnicas ou locacionais para a atividade proposta, e a proteção do entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes, destacando sua importância para a existência dos cursos d’água. Prevaleceu o entendimento de que a interpretação mais protetiva deve ser adotada pelo Poder Público, em consonância com seu dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais.
ADPF 640 e ADI 5995: defesa dos direitos dos animais
O STF tem desempenhado papel significativo na defesa dos direitos dos animais por meio de várias decisões judiciais. Com base no artigo 225 da Constituição Federal, especificamente o inciso VII do parágrafo 1º – que proíbe práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção de espécies ou sujeitem os animais a crueldade –, o STF tem garantido a proteção desses seres vivos.
No caso da ADPF 640, em 2021, o Plenário do STF proibiu o abate imediato de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, apreendidos em situação de maus-tratos. Essa decisão unânime declarou a inconstitucionalidade de interpretações da Lei nº 9.605/1998, Lei dos Crimes Ambientais, e do Decreto nº 6.514/2008, além de outras normas infraconstitucionais que autorizavam tal prática.
Em relação aos testes em animais, o STF, por meio da ADI 5995, em 2021, validou dispositivos de lei do estado do Rio de Janeiro que proíbem a utilização de animais para experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e de limpeza. O STF considerou legítimas essas leis estaduais, uma vez que não havia lei federal sobre o assunto e os estados possuem competências constitucionais suplementares.
Em relação a práticas como brigas de galo, o STF derrubou normas estaduais de Santa Catarina (ADI 2514), do Rio Grande do Norte (ADI 3776) e do Rio de Janeiro (ADI 1856), considerando essas práticas inerentemente cruéis. Por fim, no julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) 153531, em 1997, o STF proibiu a Farra do Boi, prática antiga de Santa Catarina, ressaltando que a garantia do pleno exercício dos direitos culturais pelo Estado não o isenta do cumprimento da norma constitucional que proíbe a crueldade contra animais.
Essas decisões do STF têm sido fundamentais para fortalecer a proteção dos animais no Brasil, reafirmando a importância de preservar sua função ecológica, evitar a extinção de espécies e combater práticas cruéis.
ADPF 101: vedação de importação de pneus usados
Em junho de 2009, o STF proibiu a importação de pneus usados para serem reformados e revendidos no mercado interno. Essa decisão foi tomada no julgamento da ADPF 101, convocada pela ministra Cármen Lúcia, relatora do caso. A ação foi ajuizada pela Advocacia-Geral da União (“AGU”) contra decisões judiciais que permitiam a importação de pneus usados e remoldados.
A proibição da importação de pneus usados já era estabelecida desde 1992, mas a questão tornou-se polêmica devido a divergências em instâncias inferiores que permitiam a entrada desses produtos no país. A AGU argumentou que a legislação brasileira era incoerente, permitindo a compra de pneus usados de países do Mercosul, mas proibindo a importação de outros países. O governo afirmou que, somente em 2005, cerca de 12 milhões de pneus usados foram importados com base em decisões judiciais, resultando em um passivo de aproximadamente 40 milhões de pneus no Brasil. A destinação correta desses pneus era necessária para prevenir danos ambientais maiores.
Durante o julgamento, foram discutidas questões ambientais, de saúde, econômicas, políticas e sociais. A ministra Cármen Lúcia ressaltou a necessidade de adotar o princípio da precaução diante dos riscos ambientais e à saúde. Rejeitou, ainda, os argumentos de outros países em favor da importação, destacando que eles vendiam pneus usados a preços baixos para o Brasil, enquanto enfrentavam problemas ambientais e um passivo de pneus ainda maior.
Desta forma, a decisão do STF foi favorável à proibição da importação de pneus usados, considerando-os lixo ambiental. Apenas o ministro Marco Aurélio votou de forma contrária, fundamentando seu voto no livre exercício de atividades econômicas. Essa decisão teve impactos significativos na regulação e destinação correta de pneus usados no Brasil.
Tema 999 de Repercussão Geral: imprescritibilidade de dano ambiental
Em abril de 2020, o STF decidiu, no RE 654833, em tema de Repercussão Geral (Tema 999), que a pretensão de reparação civil por danos ambientais não está sujeita à prescrição. A decisão foi tomada com base no argumento de que a Constituição Federal protege expressamente o meio ambiente e prevê sua reparação, tornando o direito à indenização imprescritível.
O caso em questão envolveu a empresa Marmud Cameli e o espólio do ex-governador do Acre, Orleir Cameli, condenados a reparar danos materiais, morais e ambientais decorrentes da extração ilegal de madeira em área indígena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa do Rio Amônia. As retiradas ilegais ocorreram entre 1981 e 1987. A indenização fixada em primeira instância foi de aproximadamente R$ 1,5 milhão por danos materiais, R$ 3 milhões por danos morais à comunidade indígena e mais R$ 5,9 milhões para custear a recomposição ambiental.
O relator do recurso, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou a supremacia dos princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente em relação à segurança jurídica. Ele argumentou que o meio ambiente é patrimônio comum da humanidade e que todas as condutas do poder público devem visar sua proteção integral. Além disso, o ministro destacou que a legislação brasileira e os tratados internacionais já protegiam o meio ambiente antes da Constituição de 1988.
A decisão do STF permitiu a resolução de cerca de 2,5 mil casos semelhantes que estavam sobrestados na época e estabeleceu uma tese que deverá ser aplicada a todos os casos futuros de reparação civil por danos ambientais.
ADIs 3356, 3357, 3937, 3406 3470 e 4066 e ADPF 109: proibição de extração e venda de amianto crisotila
Em 2017, o STF considerou válidas cinco leis estaduais e uma municipal que restringiam ou proibiam a extração e o uso do amianto crisotila para a produção de materiais. A decisão também declarou a inconstitucionalidade de uma lei federal que permitia a extração, industrialização, comercialização e distribuição dessa fibra mineral no Brasil. Essas medidas foram baseadas na comprovada natureza cancerígena do amianto e na impossibilidade de seu uso seguro, além da existência de alternativas de matérias-primas.
A questão foi discutida em cinco ADIs (3356, 3357, 3937, 3406 e 3470) e na ADPF 109, movidas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (“CNTI”) contra normas restritivas nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e no município de São Paulo. A CNTI alegava a impossibilidade de leis estaduais e municipais contrariarem a legislação federal. Além disso, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (“Anamatra”) questionou a lei federal que permitia o amianto crisotila na ADI 4066.
O STF considerou que a Lei Federal nº 9.055/1995 se tornou inconstitucional devido à mudança nas informações sobre os riscos do amianto crisotila, tornando-a incompatível com a Constituição Federal. Órgãos nacionais e internacionais confirmaram a natureza altamente cancerígena do mineral. A ministra Rosa Weber, relatora de algumas ações, destacou o consenso científico sobre os danos à saúde causados pela exposição ao amianto. O STF encerrou o julgamento em fevereiro de 2023 confirmando a inconstitucionalidade da norma federal e declarando incidentalmente a inconstitucionalidade das leis estaduais. Apenas na ADI 4066, por questões de quórum, a lei federal não foi declarada inconstitucional.
ADPF 651: julgamento sobre participação social em órgãos ambientais
No julgamento da ADPF 651, em abril de 2022, a Corte declarou a inconstitucionalidade de três decretos presidenciais, que reduziam a representatividade da sociedade civil na composição do Fundo Nacional do Meio Ambiente (“FNMA”), do Conselho Nacional da Amazônia Legal e extinguiram o Comitê Orientador do Fundo Amazônia. O STF determinou o restabelecimento da composição dos órgãos.
A ação foi inicialmente proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra o dispositivo do Decreto Presidencial nº 10.224/2020, que alterava o conselho deliberativo do FNMA. Posteriormente, o partido incluiu no pedido o Decreto nº 10.239/2020, que afastava a participação de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal, e o Decreto nº 10.223/2020, que extinguia o Comitê Orientador do Fundo Amazônia.
A maioria do colegiado entendeu que a eliminação da presença suficiente de representantes da sociedade civil nos órgãos ambientais resultava no controle exclusivo de decisões pelo Poder Executivo. Isso prejudicava o caráter plural, crítico e diversificado que deve permear a atuação desses órgãos.
Além disso, o STF ressaltou que a atuação administrativa e legislativa em matéria ambiental deve ser protegida pelo princípio da proibição do retrocesso. Nesse sentido, apenas o aperfeiçoamento das instituições e órgãos de proteção ao meio ambiente é permitido. No caso dos conselhos, o afastamento da participação popular nas decisões enfraqueceu os órgãos de controle, resultando na diminuição da proteção ambiental.
É notório, portanto, que o STF historicamente colabora com a pauta ambiental no Brasil, contribuindo através de seus julgados para a promoção de uma sociedade mais sustentável.
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Administrativo e Regulatório do VLF Advogados