A importância da diversidade e da inclusão como pilares das estratégias ESG
Karem Barcelos e Fernanda Galvão
1) O que é ESG afinal?
É notório que as empresas são formadas por pessoas e visam atender às mais variadas necessidades da sociedade – sejam grupos sociais, clientes, investidores, fornecedores, parceiros de negócios, acionistas, dentre outros. Esses grupos de pessoas com interesses comuns no sucesso de determinada atividade são conhecidos por “stakeholders”. Com isso em vista, organizações de diferentes setores compreenderam que ações voltadas para a diversidade e inclusão são fundamentais não só para o sucesso e a resiliência dos negócios, mas, sobretudo, para maximizar os lucros (1).
Por um lado, os stakeholders estão cada vez mais conscientes e engajados em consumir produtos e serviços de empresas éticas, que possuam propósito claro e políticas transparentes. Além disso, os investidores têm valorizado não apenas os lucros financeiros, mas também o impacto social e ambiental das empresas em que investem. Esse fenômeno é conhecido como ESG, sigla em inglês que significa Environmental, Social and Governance, e em português ASC, Ambiental, Social e Governança, que se tornou tema em destaque quando se trata de investimentos e corporações sustentáveis.
O conceito ESG engloba os critérios de análise aplicados a modelos de investimentos que implementam práticas dos negócios que prestigiam a sustentabilidade, a governança corporativa e o impacto social, visando identificar o valor nas empresas que vai além das métricas financeiras convencionais.
Como exemplo de práticas sociais de ESG nas corporações, podemos citar as práticas trabalhistas de uma organização, a gestão de talentos, a segurança dos produtos e a proteção de dados pessoais de clientes, parceiros e empregados. Já em relação à governança, são considerados pontos como diversidade de pessoas que compõem os conselhos, remuneração igualitária de executivos de gêneros distintos e ética nos negócios.
Dada essa breve explicação, passaremos a abordar como a Diversidade e Inclusão (“D&I”) é um pilar das práticas ESG no cenário empresarial.
2) Diversidade e Inclusão na prática ESG
Diversidade e inclusão são conceitos que se referem à valorização da pluralidade de características, perspectivas, origens e experiências das pessoas em determinada sociedade, organização ou comunidade, conferindo-lhes maior representação e isonomia.
A diversidade abrange diferenças individuais, como etnia, gênero, idade, orientação sexual, religião, deficiências físicas e mentais, origem socioeconômica e educação. Reconhecer e privilegiar a diversidade significa valorizar a multiplicidade de identidades e experiências em um grupo, admitindo que cada indivíduo contribui com uma perspectiva única e valiosa.
Já a inclusão refere-se ao estabelecimento de ambiente acolhedor, respeitoso e equitativo, onde todas as pessoas se sintam valorizadas, respeitadas e incluídas. Envolve a adoção de políticas, práticas e comportamentos que instaurem a mudança de consciência e percepção, promovendo a participação ativa e igualitária de todos, independentemente das diferenças, garantindo que cada indivíduo tenha oportunidades iguais de crescimento, desenvolvimento e sucesso (2).
Para o pilar social do ESG, a diversidade e a inclusão são consideradas fatores sociais importantes. As empresas e stakeholders estão reconhecendo cada vez mais que a promoção da diversidade e da inclusão é fundamental para gestão responsável e sustentável dos negócios.
As estratégias de diversidade e inclusão agregam valor no curto, médio e longo prazos: empresas compostas por pessoas com perspectivas e origens diferentes proporcionam a inovação disruptiva, que diferentes origens e backgrounds catalisam. Ainda, segundo o estudo DDI (3), empresa de pesquisa da Ernst & Young (“EY”) mostra que as empresas que tiveram 30% de diversidade de gênero – e mais de 20% no nível sênior – apresentaram melhores resultados financeiros na comparação com as demais, ou seja, onde há diversidade maiores são as chances de lucro e crescimento perene das organizações.
Diversidade e inclusão, portanto, são critérios relevantes para a promoção da igualdade de oportunidades, a redução da desigualdade e a criação de ambientes de trabalho justos e éticos. Isso implica na adoção de políticas e práticas que garantam a representatividade e a equidade para pessoas de diferentes origens, gêneros, etnias, orientações sexuais, entre outros grupos subrepresentados.
No que diz respeito à governança, a diversidade e a inclusão também desempenham papel fundamental. Diferentes pontos de vista, perspectivas e experiências nos conselhos de administração e na alta liderança de organizações contribui para a tomada de decisões mais informadas e equilibradas.
Considerado o papel de relevo da D&I na agenda ESG, na prática, para que as organizações estejam em conformidade é fundamental identificar o senso de propósito, ou seja, que se defina qual é o valor de integrar ESG aos negócios. Posteriormente, é necessário analisar como os fatores abordados na agenda são tratados atualmente na organização e quais as mudanças que precisam ser instauradas para se adequar.
Por certo, a implementação de um programa com ações concretas é passo crucial para que as empresas se tornem mais diversas e inclusivas e, assim, estejam de acordo com os critérios associados aos pilares social e de governança da sigla ESG.
3) ESG em pauta
Internacionalmente, tem ocorrido uma série de discussões sobre a pauta ESG e as novas demandas de conformidade com o tema. Embora ainda não exista legislação global específica sobre o tema, alguns debates e propostas têm surgido em várias partes do mundo. Aqui estão algumas áreas em que a discussão legislativa e o ESG se entrelaçam:
1) Lei Alemã da Cadeia de Suprimentos (German Supply Chain Act): tem como objetivo ajudar as empresas a melhorar a sustentabilidade ao longo de seu sistema de abastecimento, impondo uma série de responsabilidades relacionadas aos fornecedores obrigando-as a gerenciar melhor os riscos e realizar due diligence dos fornecedores (4).
2) Global Reporting Initiative (“GRI”): a GRI publica diretrizes e padrões para relatórios de sustentabilidade (5).
3) Task Force on Climate-related Financial Disclosures (“TCFD”): a TCFD elabora recomendações para divulgação de informações financeiras relacionadas às mudanças climáticas (6).
4) Principles for Responsible Investment (“PRI”): a PRI desenvolve princípios para orientar os investidores na incorporação de fatores ESG em suas práticas de investimento (7).
É importante observar que a discussão em torno da legislação e do ESG está em constante evolução, com novas propostas e iniciativas surgindo regularmente. Os esforços para regulamentar questões ESG refletem a crescente importância atribuída à sustentabilidade e à responsabilidade corporativa na sociedade.
Tropicalizando o debate, embora ainda não exista legislação específica voltada exclusivamente para as práticas de ESG no Brasil, há algumas leis e regulamentações que abordam aspectos relacionados a esses critérios. Por exemplo, a Lei nº 6.404/1976, ou Lei das Sociedades por Ações (8), estabelece a obrigatoriedade de divulgação de informações socioambientais por parte das empresas de capital aberto em seus relatórios financeiros.
Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) emitiu a Instrução CVM nº 480/2009, que estabelece diretrizes para a elaboração do Formulário de Referência das companhias abertas, incluindo a divulgação de informações relacionadas a práticas de sustentabilidade.
Outra legislação relevante é a Lei nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais (9), que estabelece critérios de transparência e governança corporativa para empresas estatais, incluindo a preocupação com a sustentabilidade e a responsabilidade social. Embora essas leis não sejam exclusivamente voltadas para o ESG, elas demonstram a preocupação do Brasil em promover práticas empresariais mais sustentáveis e socialmente responsáveis.
É importante mencionar também os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Brasil elaborados pela Organização das Nações Unidas (“ONU”) e divulgados em 2016 para cumprimento de Agenda até 2030, pois é um excelente norte para as empresas que pretendem implementar nas suas atividades e negócios as práticas ESG (10).
4) Para concluir
Como vimos, D&I fazem parte dos princípios ESG, estando incluídas nos pilares Social e de Governança. Ou seja, são também critérios considerados por investidores para avaliar o impacto de investimentos.
Sendo assim, pontos como a formação de equipes diversas, a preocupação com a construção de ambiente inclusivo e seguro para diferentes grupos, a diversidade em cargos de liderança, a equidade salarial, assim como outras ações nesse sentido fazem parte da análise e indicam o grau de comprometimento e amadurecimento das empresas na aplicação das diretrizes ESG.
Essa avaliação pode ser feita de várias formas. É possível, por exemplo, verificar os resultados da gestão de RH e os índices de rotatividade nas equipes e retenção de talentos. Além disso, pode-se também examinar os indicadores para D&I, a adoção de programas de D&I e o seu impacto ou até mesmo o posicionamento das empresas na sua estratégia de comunicação.
A importância dos princípios ESG nas empresas só tende a crescer e, ao mesmo tempo, a adoção de uma agenda alinhada com essas práticas traz uma série de impactos positivos para os negócios, ajudando as organizações a avançarem em direção à sustentabilidade, responsabilidade corporativa e aumento da lucratividade.
Foi exatamente nesse sentido que demonstrou recente estudo, ESG Radar 2023, conduzido pela multinacional Infosys NY (11). A empresa especializada em consultoria e serviços digitais ouviu mais de 2.5mil executivos e gerentes de companhias com mais de US$ 500 milhões de receita anual nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, França, Alemanha, países nórdicos, Índia e China, sobre as práticas de ESG. Dentre relevantes conclusões a que o estudo chegou, destaca-se que 90% dos entrevistados declararam que os investimentos em ESG demonstraram aumento da lucratividade. Além disso, ficou constatado que as empresas ainda estão muito focadas no pilar relacionado ao meio ambiente. Ou seja, ainda há muito espaço para práticas nos outros dois pilares, de social e governança.
Por fim, é importante destacar que a pesquisa revelou que até 2025 os investimentos mundiais das organizações em ESG devem chegar a US$ 53 trilhões de dólares. Essa cifra, por si só já demonstra a relevância das empresas reorientarem seus negócios para práticas de ESG e as tendências a curto e médio prazo sobre o tema. O ESG está deixando de ser apenas uma questão de branding e aos poucos deve indicar a forma como as empresas realizam seus negócios.
Se quiser saber mais sobre esse tema, entre em contato com a equipe de Compliance do VLF Advogados.
Karem Barcelos
Trainee da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-Executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) Esse fato pode ser vislumbrado no índice de D&I da Refinitiv, no qual grandes empresas são ranqueadas de acordo com critérios estruturados de D&I. O principal objetivo do relatório é aumentar a conscientização sobre o tema de D&I, analisar os dados para avaliar o progresso feito e seu impacto direto no desempenho financeiro corporativo. Disponível em: https://www.refinitiv.com/pt/sustainable-finance/diversity-and-inclusion-top-100/2020. Acesso em: 26 jun. 2023.
(2) A diferença entre os termos “diversidade” e “inclusão” é amplamente discutida em: https://exame.com/carreira/entenda-a-diferenca-entre-diversidade-e-inclusao-nas-empresas/. Acesso em: 26 jun. 2023.
(3) GLOBAL Leadership Forecast 2018. Disponível em: https://www.ddiworld.com/research/global-leadership-forecast-2018. Acesso em: 26 jun. 2023.
(4) LEI Alemã da Cadeia de Suprimentos: oportunidades e desafios no gerenciamento global de risco de terceiros. Disponível em: https://www.refinitiv.com/pt/blog/regulation-risk-compliance/lei-alema-da-cadeia-de-suprimentos-oportunidades-e-desafios-no-gerenciamento-global-de-risco-de-terceiros/#:~:text=O%20principal%20objetivo%20da%20Lei,%C3%A0s%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20de%20due%20diligence. Acesso em: 26 jun. 2023.
(5) GLOBAL Reporting Initiative. Disponível em: https://www.globalreporting.org/. Acesso em: 26 jun. 2023.
(6) TASK Force on Climate-related Financial Disclosures. Disponível em: https://www.fsb-tcfd.org/. Acesso em: 26 jun. 2023.
(7) PRINCÍPIOS para o investimento responsável. Disponível em: https://www.unpri.org/download?ac=10969. Acesso em: 26 jun. 2023.
(8) BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: Https://Www.Planalto.Gov.Br/Ccivil_03/Leis/L6404consol.Htm. Acesso em: 26 jun. 2023.
(9) BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em: 26 jun. 2023.
(10) ONU. Sobre o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 26 jun. 2023.
(11) ESG Radar. Disponível em: https://www.infosys.com/about/esg/insights/esg-radar-report.html. Acesso em: 26 jun. 2023.