IA no Poder Judiciário brasileiro
Ana Paula Graçano Dalpizzol e Diego Murça
Não é novidade que o avanço tecnológico tem se estendido para todas as áreas de atuação no mercado. No Brasil não seria diferente e, hoje, assim como em diversas áreas da iniciativa privada, também o poder público conta com intervenções tecnológicas no seu cotidiano, para permitir atuação mais célere, precisa e eficiente do Estado, em cada um de seus poderes.
Em se tratando do judiciário, especificamente, segundo o relatório de pesquisa “Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro”, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (“FGV”), sob coordenação do ministro Luis Felipe Salomão (1), dezessete estados brasileiros e o Distrito Federal possuíam, em dezembro de 2020, ao menos, projetos-piloto para implantação de ferramentas de inteligência artificial (“IA”). Somando-se os dados dos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais de Justiça, à época, foram identificados vinte e nove projetos em desenvolvimento e vinte e sete em produção.
As funcionalidades das ferramentas identificadas pelo relatório foram relacionadas, principalmente, às diligências administrativas (realização de penhora on-line, transcrição de audiências e outros), triagem de processos, decisões e manifestações, bem como à consolidação de dados. Na prática processual, as ferramentas também são capazes, em alguns casos, de sugerir minutas, realizar o juízo de admissibilidade dos recursos e indicar a ocorrência de prescrição, por exemplo.
O objetivo por trás destas práticas é, sem dúvida, a celeridade na atuação do judiciário com a redução cada vez maior do tempo necessário para cumprimento das atividades, mas, também, a assertividade.
No caso do STF, por exemplo, a ferramenta chamada “Victor”, implantada em 2019, é capaz de identificar recursos que se enquadram em um dos vinte e sete temas mais recorrentes de repercussão geral, bem como realizar a respectiva devolução dos processos aos tribunais de origem. Essa providência demandaria, em média, quarenta e quatro minutos para ser realizada por um servidor, enquanto a IA o faz em cinco segundos.
Por sua vez, o STJ possui duas ferramentas de IA: “Athos” e “Sócrates”, ambas implantadas em 2019. A primeira atua no agrupamento de processos e sua aplicação teria resultado, em suma, no aumento de afetações, na redução de processos recebidos pelo Tribunal Superior e na uniformização da jurisprudência com a utilização de precedentes qualificados. A segunda ferramenta monitora, agrupa processos e identifica precedentes, e tem sido utilizada, principalmente, nos gabinetes dos ministros. Os resultados da utilização dela, já observados, foram agilidade nos julgamentos, maior eficiência na seleção de precedentes qualificados e automatização da identificação de processos repetitivos que chegam ao Tribunal.
O relatório da FGV conclui que a IA pode contribuir com a otimização de atendimentos aos advogados e ao público, maior segurança, automação de atividades, melhor gestão dos recursos humanos para a atividade-fim do Judiciário e aumento da celeridade na tramitação processual.
A conclusão, no entanto, merece ressalvas. Isso porque, as ferramentas de IA estão sujeitas a falhas, distorções e fornecimento de informações imprecisas e desatualizadas. Por essa razão, o ideal é que as ferramentas sirvam ao auxílio dos servidores e demais profissionais da justiça, e não efetivamente à substituição dos trabalhos deles. Como exemplo dessa prejudicial substituição do trabalho humano, temos o “robô advogado”, que já vem sendo utilizado nos Estados Unidos principalmente para contestar multas de veículos (2).
Ainda, por operarem na rede mundial de internet, as ferramentas estão sujeitas a problemas de cibersegurança como qualquer outro site. É mais prudente, por isso, restringir a utilização e hospedagem de dados ao âmbito de cada Tribunal e seu respectivo servidor, pois isso pode reduzir os riscos de vazamentos de dados pessoais e processuais sensíveis.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (“TJMG”), por sua vez, divulgou recentemente a ferramenta “Savia”, uma plataforma baseada no “chat GPT” que tem como objetivo “redigir textos de forma similar aos produzidos pelo ser humano” para auxiliar “em departamentos que produzem textos de forma repetitiva, deixando o trabalho mais eficiente” (3). Todas as informações desejadas pelo usuário serão faladas ou digitadas e a ferramenta, em questão de segundos, será capaz de buscar todas as informações solicitadas na Internet e sugerir o texto desejado, cabendo ao usuário realizar as correções que julgar pertinentes.
Ainda não há data definida para início do uso da ferramenta, mas, segundo o Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, Presidente do TJMG, a sua adoção ocorrerá em breve.
Diante do cenário de um judiciário cada dia mais tecnológico, não há dúvidas de que o trabalho humano, mesmo que na condição de supervisão do produto gerado pela tecnologia, segue insubstituível. O que se espera dos operadores do direito, portanto, seja por ação humana, de IA ou por ambas, é a prestação jurisdicional ágil, justa e eficiente, capaz de responder às situações jurídicas postas à apreciação do judiciário, no menor tempo e com a melhor qualidade possível.
Ana Paula Graçano Dalpizzol
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) FGV. Relatório de Pesquisa: tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. Disponível em: https://conhecimento.fgv.br/publicacao/relatorio-de-pesquisa-tecnologia-aplicada-gestao-dos-conflitos-no-ambito-do-poder-0. Acesso em: 23 jun. 2023.
(2) Migalhas. Inteligência artificial: Robô advogado defenderá réu nos EUA. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/380639/inteligencia-artificial-robo-advogado-defendera-reu-nos-euahttps://www.migalhas.com.br/quentes/380639/inteligencia-artificial-robo-advogado-defendera-reu-nos-eua. Acesso em: 23 jun. 2023.
(3) TJMG apresenta SAVIA, nova ferramenta de inteligência artificial baseada no ChatGPT. Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-apresenta-savia-nova-ferramenta-de-inteligencia-artificial.htm. Acesso em: 23 jun. 2023.
(4) Infomoney. ChatGPT confirma vazamento de dados de cartão de usuários; empresa afirma que bug foi corrigido. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/negocios/chatgpt-confirma-vazamento-de-dados-de-cartao-de-usuarios-empresa-afirma-que-bug-foi-corrigido/. Acesso em: 23 jun. 2023.