Equity Crowdfundind: solução para as start-ups?
Pedro Ernesto Rocha
A Revista Exame divulgou em seu site uma breve matéria sobre empreendedorismo com o objetivo de apresentar uma resposta para a pergunta “Como começar um negócio ainda na faculdade?”. Segundo Cynthia Serva, coordenadora e professora do Centro de Empreendedorismo do Insper, “[a] educação para o empreendedorismo deveria ser fomentada ainda nos níveis mais básicos de ensino, ser apresentada como opção de carreira, como possibilidade a ser trilhada além do emprego formal”. Todavia, quais os meios jurídicos de se financiar as iniciativas de negócio no Brasil? Quais as tendências jurídicas para o financiamento de start-ups?
O empreendedorismo no Brasil deveria ser mais estimulado. O país tem uma gama de bons exemplos empreendedores tais como no mercado de aplicativos para celular ou mesmo de cervejas artesanais. Ocorre que os bons exemplos podem acabar escondendo a burocracia, as dificuldades locais e as características específicas de nosso país. A falta de infraestrutura, de linhas de crédito com preços justos que sejam realmente interessantes ao empreendedor, de apoiadores, de instrução, e, principalmente, o excesso de burocracia, tornam o ambiente mercadológico brasileiro pouco propício para que o empreendedor se encoraje e assuma o risco de um investimento inicial em um novo produto, em uma nova ideia, negócio ou projeto.
Na esteira do ensinamento empreendedor, Cynthia Serva argumenta que “[a] educação para o empreendedorismo deveria ser fomentada ainda nos níveis mais básicos de ensino, ser apresentada como opção de carreira, como possibilidade a ser trilhada além do emprego formal.” . Ainda que a professora esteja certa, apenas educar não basta: é preciso melhorar o ambiente empreendedor, e isso passa também pela facilitação dos meios de se financiar novos negócios.
Atualmente os custos de financiamentos bancários chegam a ser proibitivos e a cultura do investidor anjo ainda não está arraigada no mercado nacional. Assim, obter financiamento para uma start-up, quando não se tem uma estrutura financeira pronta ou mesmo uma poupança que seja minimamente suficiente, torna-se tarefa árdua e, muitas vezes, inviável.
Para tentar melhorar esse cenário, tem se desenvolvido e colocado em prática a ideia do equity crowdfunding. Em poucas palavras, este é um meio de captar dinheiro no mercado aberto, valendo-se da internet e dos aportes de incontáveis pessoas, quase sempre em pequenas quantidades, com o objetivo de financiar novos projetos, negócios, produtos e ideias. Ou seja, trata-se de uma solução interessante para financiar novas empresas que tenham potencial de desenvolvimento.
Ainda que o investimento por meio dessa ‘vaquinha’ comece a funcionar, muitas são as dúvidas sobre os meandros jurídicos desse sistema no Brasil. Quem está autorizado a captar dinheiro desta forma? Quem pode investir? Qual é a caracterização jurídica da contribuição? Doação? Aquisição de participação societária? Qual é a caracterização jurídica da atuação do site que expõe e administra as captações? É ele um prestador de serviços? É necessário registro da oferta na Comissão de Valores Mobiliários? A legislação brasileira ainda não tem respostas claras a estas indagações.
A princípio, a primeira diferenciação jurídica que deve ser feita diz respeito à retribuição que será dada ao investidor pelo investimento, algo comum a esta forma de financiamento. Caso seja uma retribuição simbólica, a relação entre o recebedor da contribuição e o investidor ganha ares de doação. Por outro lado, quando a retribuição é um valor mobiliário (ações, quotas, contratos de opção de compra de participação societária na start-up, etc.), a operação será semelhante a uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários, e, como tal, numa primeira análise, passível de regulação pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM. O último caso é o mais sensível.
Segundo a Instrução 400/2003 da CVM, que dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, existem exceções, casos em que é possível a distribuição de valores mobiliários, mediante oferta pública, sem que seja necessário o registro naquela instituição. É o que ocorre, por exemplo, com as distribuições de valores mobiliários feitas por empresas de pequeno porte e por microempresas (art. 5º, III), modelos societários nos quais as start-ups poderiam se enquadrar.
Ocorre que de acordo com a Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, estas empresas não podem ser sociedades anônimas (art. 3º, §4º, X). Este é, na prática, um grande empecilho à captação. Nas sociedades limitadas, principal modelo societário alternativo ao modelo de sociedades anônimas, as quotas representativas do capital social da sociedade start-up, que seriam, justamente, os valores mobiliários a serem repassados aos investidores na proporção de seus investimentos, têm como característica própria e indissociável o poder de voto. Logo, a entrega de inúmeras quotas a inúmeros investidores poderia pulverizar o controle societário da start-up, o que retiraria o controle dos negócios das mãos do empreendedor primário que buscou o mercado aberto para captar investimentos, e, consequentemente, desnaturaria seu objetivo primeiro, que é justamente empreender e desenvolver seu negócio.
A solução desse problema, a uma primeira vista, passa pela criação da possibilidade de se dispensar o registro na CVM de captações feitas por “pequenas” sociedades anônimas, pois, desta forma, o empreendedor poderia se valer de vários outros tipos de valores mobiliários para dar aos seus investidores, sem que isso pudesse afetar o poder de controle, tais como - e principalmente - ações preferenciais sem direito a voto.
Contudo, essa é apenas uma solução paliativa. Explica-se: por ser uma sociedade anônima, outras exigências legais existiriam, tais como as obrigações de disclosure, que ensejam as publicações de atos societários, demonstrações financeiras, além de várias outras obrigações que encarecem a estrutura administrativa. Adicionalmente, a sociedade anônima que tem seus valores mobiliários negociados em mercado aberto pode negociá-los apenas por meio de transferências de propriedade de ações realizadas pelos agentes de escrituração de tais ações (instituições financeiras autorizadas pela CVM), condição que também encarece sobremaneira a condução da vida societária.
Como fica evidente pelo sucesso já alcançado, a captação de investimentos por meio de equity crowdfunding é uma possibilidade palpável e com vasto campo para crescer; a regulamentação é que ainda não é apropriada. Será o Brasil capaz de desfazer suas amarras burocráticas para facilitar o equity crowdfunding, e, consequentemente, contribuir para a criação de um ambiente facilitador e estimulante para o empreendedorismo?
Pedro Ernesto Rocha
Advogado da equipe de Societário e Fusões e Aquisições do VLF Advogados. Pós Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com módulo internacional cursado na Fordham University, em Nova Iorque, Estados Unidos, e graduado em Direito pela Universidade Fumec. Foi professor de Direito da Empresa e Sociedades Contratuais no Centro de Atualização em Direito (CAD).