Greenwashing: entenda o termo e as suas implicações para as corporações
Karem Barcelos
O que significa o termo Greenwashing?
Para contextualizar a prática do greenwashing, em tradução literal “lavagem verde”, deve-se considerar que há crescimento da preferência dos consumidores por produtos sustentáveis: a busca por esses produtos cresceu 71% no mundo, segundo pesquisa divulgada em 2022 pela Economist Intelligence Unit (“EIU”) (1), o que demonstra a necessidade das empresas de acompanharem essa tendência de mercado. Outro dado que reforça essa afirmação, veiculado pela International Business Machines Corporation (“IBM”), demonstra que 90% dos consumidores a nível global afirmam que a sustentabilidade é importante na escolha de uma marca (2).
Neste cenário, o greenwashing pode ser definido como técnica de marketing que tem como objetivo criar a percepção de que uma empresa é ecologicamente correta, sustentável e preocupada com o bem-estar do planeta. Essa estratégia envolve o uso de rótulos, certificações, slogans e campanhas publicitárias que destacam as supostas práticas sustentáveis da empresa, enquanto, na realidade, suas ações podem ser questionáveis ou até prejudiciais ao meio ambiente.
Um exemplo comum de greenwashing é a inclusão de símbolos ou certificações verdes em embalagens de produtos sem qualquer base real. Outra prática de greenwashing é conhecida como “cherry-picking”, em que uma empresa destaca apenas uma parte de suas práticas ou de produtos que são ambientalmente amigáveis, ignorando o impacto negativo de suas principais operações. Por exemplo, uma empresa de energia pode investir em pequena quantidade de energia renovável e, em seguida, se posicionar no mercado como empresa “verde”, ignorando o fato de que a maior parte de sua produção de energia ainda é baseada em combustíveis fósseis altamente poluentes.
Partindo dessa definição, é notável que o greenwashing não apenas engana os consumidores, mas também prejudica as empresas e organizações verdadeiramente sustentáveis. Isso porque as empresas que adotam práticas genuinamente sustentáveis muitas vezes têm custos maiores de produção e operação, uma vez que estão investindo em tecnologias e práticas que reduzem seu impacto ambiental. No entanto, quando empresas que não têm o mesmo compromisso (efetivo) com a sustentabilidade usam o greenwashing para promover sua imagem, elas competem de forma injusta e acabam capturando uma parcela do mercado de consumidores que valorizam os atributos de empresas sustentáveis para as suas escolhas.
Casos emblemáticos
É inegável que empresas em todo o mundo têm usado estratégias de marketing para se apresentarem como ambientalmente responsáveis, mas nem sempre suas práticas condizem com suas alegações. Esse fenômeno põe em xeque a credibilidade das marcas e revela a importância de maior regulamentação e transparência das empresas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Sustentabilidade (“INBS”) (1), os sete tipos de greenwashing mais praticados ocorrem por:
1) Falta de evidências, quando não há provas das declarações relacionadas às práticas sustentáveis;
2) Incerteza gerada por declaração ampla e vaga;
3) Custo ambiental camuflado, quando uma empresa deixa de divulgar informações importantes sobre o custo ambiental;
4) Falsos rótulos, quando não representam a realidade de atuação da empresa;
5) Irrelevância, quando a empresa declara atitude ambiental que é mero cumprimento à lei;
6) Distração das informações apresentadas aos consumidores sobre os eventuais malefícios; e
7) Declarações falsas.
Considerando estes aspectos, e com o objetivo de aproximar o conceito à realidade, alguns casos emblemáticos da prática de greenwashing revelam parte dos tipos acima mencionados:
Nestlé e suas alegações de sustentabilidade da água
Em 2019, a gigante de alimentos e bebidas Nestlé foi criticada por suas alegações de sustentabilidade em relação ao uso da água. A empresa alegava ser líder em práticas de conservação de água e responsabilidade ambiental. No entanto, grupos de ativistas acusaram a Nestlé de extrair 4 milhões de litros por dia de água de aquíferos em áreas vulneráveis na Flórida, Estados Unidos, causando escassez de água e danos ao meio ambiente.
H&M e suas práticas de fast fashion “sustentável”
Em 2022, a varejista de moda H&M lançou uma campanha intitulada “Conscious Collection” ou “Coleção Consciente”, enfatizando seus esforços para produzir roupas sustentáveis e ecologicamente amigáveis. No entanto, a empresa enfrentou críticas de grupos ambientalistas e ativistas por suas práticas de fast fashion, que incentivam o consumo excessivo, produção em massa e desperdício de recursos.
Embora a H&M tenha tomado medidas para melhorar suas práticas, a discrepância entre suas alegações sustentáveis e sua operação comercial continuou sendo ponto de debate e ceticismo por parte dos consumidores.
Normativas internacionais que tratam sobre o tema e o cenário brasileiro
Com o número crescente de casos de greenwashing, também aumenta a intensidade de regulamentações sobre o tema e, consequentemente, as ações de responsabilidade civil e administrativa das empresas que cometem os atos ou de seus executivos, que podem sofrer indiciamentos e ações sancionadoras das autoridades. Abordaremos, a seguir, algumas legislações que tratam sobre o tema.
Nos Estados Unidos, em junho de 2022, a U.S. Securities and Exchange Commission (“SEC”) aprovou duas propostas que têm como objetivo ampliar a divulgação e a transparência dos fundos Environmental, Social and Governance (“ESG”) (que traduzido significa “Ambiental, Social e Governança”). A primeira proposta exige que esses fundos forneçam informações mais detalhadas sobre suas estratégias relacionadas a fatores ESG, visando apresentar aos investidores panorama mais claro sobre suas práticas. Já a segunda proposta impõe uma limitação no uso da sigla ESG nos nomes dos fundos, exigindo que no mínimo 80% dos recursos financeiros sejam investidos em ativos que se relacionem a esses fatores.
Na Europa, a Comissão Europeia, instituição que tem papel central na condução e execução das políticas e decisões da União Europeia, também tem se empenhado em promover comportamento empresarial sustentável e responsável em toda a cadeia global de valor. Nesse sentido, em fevereiro de 2022, foi aprovada a Proposta de Diretiva (3), que engloba aspectos relacionados a direitos humanos, mudança climática e meio ambiente. Essa proposta requer que as empresas europeias incorporem esforços de due diligence (auditorias) em suas políticas internas, avaliando e mitigando os impactos ambientais e sociais de suas operações, além de tornar público os riscos e impactos relacionados às áreas ESG.
A Alemanha também se destaca com a norma “Act on Corporate Due Diligence in Supply Chains”, implementada em 2021 (4). Essa lei impõe a obrigatoriedade para empresas com sede na Alemanha ou que possuam pelo menos 3.000 funcionários no país de realizarem due diligence em sua cadeia de suprimentos, assegurando o cumprimento de normas relacionadas ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Globalmente, o setor financeiro tem sido encorajado a adotar maior transparência em relação às práticas ESG. A implementação da Sustainable Finance Disclosure Regulation (“SFDR”) em 2021 demanda que as empresas informem como os riscos de sustentabilidade são levados em consideração em seus investimentos e produtos financeiros disponibilizados no mercado.
No Brasil, também foram implementadas normas para fortalecer a regulamentação em relação aos riscos ESG no setor financeiro. Em setembro de 2021, o Banco Central publicou novas regras que entraram em vigor em julho de 2022, abordando questões sociais, ambientais e climáticas para instituições financeiras. As normas regulamentam a Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática, estabelecendo critérios para a análise e gestão integrada desses riscos no processo de concessão de crédito rural e exigindo a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas.
Recentemente, um importante avanço dado para coibir as práticas de greenwashing foi editada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) (5), a Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro 2022, que alterou o marco regulatório dos fundos de investimento ESG. Originalmente prevista para entrar em vigor em abril de 2023, mas adiada para outubro de 2023 pela Resolução CVM nº 181, de 28 de março de 2023. Essa resolução estabeleceu regras mais rigorosas em relação à transparência e prestação de contas dos fundos ESG.
De acordo com as novas regras, os fundos ESG devem indicar claramente seus objetivos socioambientais, detalhando como a política de investimentos buscará alcançá-los. Além disso, esses devem estabelecer métricas e parâmetros para a divulgação de informações relevantes sobre o desempenho em relação às metas estabelecidas.
Diante dessa exigência, torna-se ainda mais relevante que as empresas e fundos de investimento adotem padrões já reconhecidos no mercado. A utilização de referenciais compartilhados contribui para reduzir assimetrias informacionais, permitindo aos investidores tomar decisões mais assertivas e alinhadas com seus valores e objetivos.
Essas regulamentações e propostas refletem um esforço conjunto dos órgãos reguladores para impulsionar a transparência e a responsabilidade nos investimentos ESG. A crescente pressão por práticas genuínas de investimento e produtos sustentáveis é fundamental para combater o greenwashing e direcionar os recursos para empresas efetivamente comprometidas com a sustentabilidade e a responsabilidade social.
Através desse movimento regulatório, os stakeholders – salientando os clientes e investidores – podem tomar decisões mais informadas e conscientes, contribuindo para a construção de uma economia sustentável e resiliente. Por sua vez, as empresas são incentivadas a adotar medidas concretas para mitigar riscos ambientais e sociais, garantindo que as alegações de sustentabilidade sejam respaldadas por ações e práticas.
Conclusões
Para evitar o greenwashing e promover práticas sustentáveis genuínas, as empresas devem adotar uma abordagem responsável e transparente em relação às questões ambientais, sociais e de governança. Aqui estão algumas medidas que, diante das boas práticas desenvolvidas no mercado, podem ser úteis às empresas que desejam se alinhar a essa pauta:
a) Compromisso genuíno com a sustentabilidade: As empresas devem estar comprometidas com a sustentabilidade em todos os níveis, desde a alta administração até os empregados. Isso requer esforço sincero para integrar práticas ambientalmente responsáveis e iniciativas sociais em todas as operações.
b) Definir metas e métricas claras: As empresas devem estabelecer metas claras e mensuráveis relacionadas a questões ESG, como redução de emissões de carbono, uso responsável de recursos naturais, práticas de trabalho justas e diversidade e inclusão. Essas metas devem ser acompanhadas de métricas objetivas para avaliar o progresso e o desempenho da empresa.
c) Transparência na divulgação de informações: As empresas devem fornecer informações detalhadas e transparentes sobre suas práticas e iniciativas relacionadas a temas ambientais.
d) Verificação por terceiros: A obtenção de certificações e auditorias independentes de terceiros pode ajudar a validar as ações e compromissos da empresa em relação à sustentabilidade. Essas verificações fornecem credibilidade adicional às alegações de práticas sustentáveis.
e) Evitar exageros e ambiguidades: As empresas devem evitar declarações exageradas e vagas sobre suas práticas sustentáveis. A linguagem utilizada nas comunicações com os stakeholders deve ser precisa e refletir a realidade das ações implementadas.
f) Adotar padrões reconhecidos: A adesão a padrões reconhecidos na indústria, como as diretrizes da Global Reporting Initiative (“GRI”) (6) ou os princípios do Pacto Global das Nações Unidas (7), pode auxiliar a empresa a estruturar sua abordagem sustentável de acordo com critérios bem estabelecidos e aceitos globalmente.
A adoção dessas medidas pode ajudar as empresas a evitar o greenwashing, construindo uma reputação sólida e autêntica em relação à sustentabilidade, além de contribuir positivamente para o bem-estar social e ambiental de longo prazo. Para além disso, essas boas práticas auxiliam as corporações a evitar danos reputacionais e possíveis violações às normativas emergentes.
Se quiser saber mais sobre esse tema, entre em contato com a equipe de Compliance do VLF Advogados.
Karem Barcelos
Trainee da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) MANTOAN, Marina. Greenwashing: Uma visão mais ampla sobre o tema. EY. Disponível em: https://www.ey.com/pt_br/forensic-integrity-services/greenwashing-visao-mais-ampla#accordion-content-01969270622-0. Acesso em: 24 jul. 2023.
(2) Consumers want it all: Hybrid shopping, sustainability, and purpose-driven brands. Disponível em: https://www.ibm.com/downloads/cas/YZYLMLEV. Acesso em: 24 jul. 2023.
(3) A Comissão Europeia apresentou uma Proposta de Diretiva de due diligence Corporativo Sustentável em fevereiro de 2022. A proposta se aplica a empresas da União Europeia (“UE”), e a empresas não pertencentes à UE que atuem na UE. Ela exige a criação de políticas de sustentabilidade corporativa, identificação e mitigação de problemas relacionados a direitos humanos e meio ambiente, estabelecimento de procedimento de reclamação e comunicação pública das ações realizadas. A proposta deve ser aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu antes de possuir força normativa, e os Estados-Membros terão prazos específicos para implementá-la, variando de dois a quatro anos. Pequenas e médias empresas não serão afetadas pela proposta.
(4) Esse tema foi abordado no Informativo VLF – 105/2023, disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=2282. Acesso em: 24 jul. 2023.
(5) Resolução CVM nº 173, de 29 de novembro de 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/resolucoes/anexos/100/resol173.pdf. Acesso em: 24 jul. 2023.
(6) O Global Reporting Initiative (“GRI”) é uma organização independente que desenvolveu um conjunto de diretrizes e padrões amplamente reconhecidos para relatórios de sustentabilidade e responsabilidade corporativa. As Diretrizes GRI abrangem ampla variedade de tópicos, incluindo governança, direitos humanos, trabalho, meio ambiente, questões sociais e econômicas. Elas permitem que as organizações meçam, acompanhem e relatem seu desempenho em relação a essas questões, bem como os impactos de suas operações na sociedade e no meio ambiente.
(7) O Pacto Global das Nações Unidas é uma iniciativa da ONU lançada em 2000 com o objetivo de mobilizar empresas e organizações em todo o mundo para adotar práticas de negócios socialmente responsáveis e sustentáveis. Essa iniciativa é baseada em dez princípios universais nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.