Majoração de tributação de softwares em razão de alteração de entendimento da Receita Federal exige observância da anterioridade
Vinícius Augustus de Vasconcelos Rezende Alves
Neste mês de julho, a Terceira Vara Federal de Florianópolis concedeu tutela provisória (1) para assegurar a observância das anteriores anual e nonagesimal em relação ao entendimento da Receita Federal presente na Solução de Consulta COSIT nº 36/2023 (2).
Essa manifestação da Receita Federal alterou o entendimento do órgão de que a comercialização de softwares padronizados ou customizados em pequena extensão representa venda de mercadorias, passando a considerar essa atividade como prestação de serviço. Como resultado, a tributação para os contribuintes optantes pelo regime do lucro presumido, em que as bases de cálculo do Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (“IRPJ”) e da contribuição social sobre o lucro líquido (“CSLL”) são de 8% e 12% da receita bruta, respectivamente, para receita de comercialização, passou a considerar o percentual de 32% da receita bruta para definir a base de cálculo de IRPJ e CSLL.
A revisão do entendimento da Receita Federal se deu diante do julgamento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) a respeito da tributação de softwares nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.945 (3) e nº 5.659 (4). A Corte alterou sua jurisprudência para afastar as diferenças tributárias entre os chamados softwares de prateleira e os customizados no caso de comercialização de programas mediante contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, de modo a incidir o Imposto Sobre Serviços (“ISS”) ao invés de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”).
Diante da alteração das premissas da jurisprudência, a Receita Federal revisou seu posicionamento e indicou que os efeitos da Solução de Consulta seriam válidos para os fatos geradores ocorridos a partir da sua publicação.
Porém, a decisão da Terceira Vara Federal de Florianópolis considerou que a majoração do IRPJ apenas é válida a partir de 2024 e de que a majoração da CSLL deve respeitar o período de noventa dias contados da publicação da Solução de Consulta.
Isso porque houve aumento da tributação e a Constituição estabelece que as leis que majoram tributos devem observar a anterioridade anual (5), no caso de impostos, e a anterioridade nonagesimal (6), no caso de contribuições.
Embora esse aumento não tenha decorrido diretamente de alteração legal, mas sim de modificação veiculada por meio de uma Solução de Consulta, a decisão está correta. Se nem a lei pode promover o aumento da tributação sem observar tais princípios, muito menos poderá uma Solução de Consulta, que não pode ter prerrogativas superiores aos diplomas legais.
Portanto, os fundamentos adotados pela Terceira Vara Federal de Florianópolis se aplicam em todas as situações em que as alterações de posicionamentos da Receita Federal implicam majoração de tributos, inclusive em relação à Solução de Consulta COSIT nº 107/2023 (7). Essa manifestação também alterou o entendimento da Receita Federal em relação à incidência de PIS/Cofins-Importação sobre valores remetidos ao exterior a título de prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento de uso de softwares, como a atualização, a manutenção, o suporte e o treinamento a eles relacionados, em razão da decisão do STF a respeito nas ADIs nº 1.945 e nº 5.659.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de Direito Tributário do VLF Advogados.
Vinícius Augustus de Vasconcelos Rezende Alves
Advogado da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) 3ª Vara Federal de Florianópolis. Mandado de Segurança nº 5017743-14.2023.4.04.7200/SC. Juiz: Diógenes Tarcísio Marcelino Teixeira. Data: 06/07/2023. Disponível em: https://eproc.jfsc.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=721688662360327996840587597076&evento=40400047&key=919096580c168a6a9904213044a77b1abb9b993af380dfb823b5d58e5b75a711&hash=7a0e26569568fc96246426cf562f3c13. Acesso em: 21 jul. 2023.
(2) Solução de Consulta COSIT nº 36, de 7 de fevereiro de 2023. Publicada no DOU de 15/02/2023, seção 1, página 22. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=128952. Acesso em: 21 jul. 2023.
(3) ADI 1945, Relatora: CÁRMEN LÚCIA, Relator p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, publicação em 20/05/2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755910765. Acesso em: 21 jul. 2023.
(4) ADI 5659, Relator: DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, publicação em 20/05/2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755910810. Acesso em: 21 jul. 2023.
(5) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
(6) Art. 195. § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.
(7) Solução de Consulta COSIT nº 107, de 6 de junho de 2023. Publicada no DOU de 13/06/2023, seção 1, página 26. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=131161. Acesso em: 24 jul. 2023.